Beco das Almas, Rua do Fogo e Travessa das Flores: conheça nomes antigos de 50 vias de Fortaleza
Mudança para homenagear personalidades de relevância política deixou para trás marcas do cotidiano da cidade
Da Praça do Ferreira, no Centro de Fortaleza, você pode seguir na Rua do Fogo e dobrar na Travessa da Tesouraria. Ou poderia, antes das vias terem seus nomes mudados para Major Facundo e São Paulo. Da mesma forma, a capital cearense teve pelo menos 50 ruas e avenidas renomeadas até a década de 1970.
Isso aconteceu para homenagear políticos ou personalidades de destaque na sociedade da época, principalmente, depois da Proclamação da República, em 1889, como pontua Sebastião Ponte, historiador e professor aposentado da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“Veio esse interesse da mudança de nomes para contemplar aqueles que lutaram para a instalação do novo regime, quando a República foi instaurada”, completa. Mas, nesse processo, costumes e fatos da época retratados nos endereços foram apagados.
Veja também
A Travessa das Hortas sumiu como identificação no mapa para dar lugar à Rua Senador Alencar. Já a Rua da Ponte, sobre o Rio Pajeú, virou Avenida Alberto Nepomuceno e a Rua Nova dos Mercadores agora se chama Rua Conde d’Eu.
“As coisas faziam sentido, eram muito representativas, e a gente perde muito da nossa memória”, completa Sebastião. As vias retratavam o cotidiano da época e a paisagem de Fortaleza.
A Rua da Boa Vista, hoje Floriano Peixoto, ganhou esse nome devido a beleza de um momento sem poluição, sem cabos de eletricidade e com a vista para o Passeio Público. Já a Rua do Fogo (Major Facundo) pode ter recebido o título antigo pelo lixo da cidade ser queimado lá.
Já a Rua das Flores (atual Castro e Silva) era por onde percorriam as pessoas da Igreja da Sé ao cemitério durante enterros.
“A Rua das Trincheiras (atual Liberato Barroso), fica uma dúvida se havia uma trincheira ou se seria por causa de uma família chamada Trincheira que vivia lá”, acrescenta o especialista.
A relação das ruas e avenidas foram registradas pelo historiador Mozart Soriano Aderaldo em “História Abreviada de Fortaleza e Crônicas Sobre a Cidade Amada”, na versão da imprensa universitária da UFC, de 1974.
Na época, o historiador foi convidado pela prefeitura para organizar a lista de antigos nomes de ruas da capital cearense para uso dos vereadores. A ideia era restaurar alguns títulos das vias ou exibí-los ao lado das placas novas.
Mozart escolheu ruas e avenidas importantes na época, deixando de lado a "esdrúxula iniciativa de identificar as ruas e praças através de números”, como destacou sobre a tentativa, após a proclamação da República, de importar o que acontecia em Nova Iorque.
Mas isso durou apenas alguns meses, como explica Sebastião Ponte. “Havia uma tentativa de mudar os nomes para números, que de fato aconteceu, porém durou poucos meses porque as pessoas não entendiam”.
Confira nomes antigos das vias de Fortaleza:
- Avenida Pessoa Anta - parte da antiga Rua da Praia
- Rua Dragão do Mar - parte da antiga Rua da Praia e antiga Rua da Alfândega
- Rua José Avelino - antiga Rua do Chafariz
- Rua Rufino de Alencar - antiga Rua da Ponte (sobre o Pajeú), Travessa da Bica e Corredor do Bispo
- Avenida Monsenhor Tabosa - antiga Rua do Seminário
- Rua Tenente Benévolo - antiga Travessa da Conceição (igreja da Prainha)
- Rua Pereira Filgueiras - antiga Rua do Paço (Palácio do Bispo)
- Rua Costa Barros - antiga Rua da Aurora e do Sol
- Avenida Santos Dumont - antiga Rua do Colégio (da Imaculada), Gustavo Sampaio e boulevard Nogueira Acioly
- Rua Franklin Távora - antiga Travessa São Luís (em referência à capela então existente no cruzamento dessa rua com a que hoje se denomina Rodrigues Júnior
- Rua Pinto Madeira - antiga Rua do Córrego (Pajeú) e da Cavalaria (sediada no prédio, depois reformado, em que se acha instalada parte da Escola de Administração)
- Rua Governador Sampaio - antiga Rua Nova do Outeiro (bairro da época), Beco da Apertada Hora, Rua do Sampaio e Dona Bárbara (de Alencar)
- Rua São José - antiga Beco das Almas
- Travessa Baturité - antiga Travessa da Escadinha
- Rua Boris - antiga Travessa da Praia
- Rua 25 de Março - antiga Rua Outeiro e do Pajeú
- Rua Coronel Ferraz - antiga Travessa do Colégio (Imaculada)
- Avenida Dom Manuel - antigo Boulevard da Conceição e também já se chamou Avenida Dom Luís
- Rua Rodrigues Júnior - antiga Rua da Glória e São Luís (em vista de existir então no cruzamento dessa rua com a Franklin Távora uma capela dedicada a são Luís de Gonzaga)
- Rua J. da Penha - antiga Rua da Soledade
- Rua Nogueira Accioly - antiga Rua da Aldeota
- Rua Gonçalves Ledo - antiga Rua dos Guajerus e Demétrio Menezes
- Rua João Moreira - antiga Rua Nova da Fortaleza, Travessa do Quartel, Rua da Misericórdia e General Tibúrcio
- Rua Castro e Silva - antiga Travessa das Flores e Rua Manuel Bezerra
- Travessa Crato - antiga Travessa do Mercado (que funcionava na Praça Carolina)
- Rua Senador Alencar - antiga Travessa das Hortas
- Rua São Paulo - antiga Travessa da Tesouraria (que existia na Praça General Tibúrcio)
- Rua Visconde de Sabóia - antiga Travessa da Cacimba (no leito Pajeú)
- Rua Pará - antiga Travessa Boa Vista (a via foi extinta com a demolição do prédio da Intendência Municipal)
- Rua Guilherme Rocha - antiga Travessa Municipal, Rua Municipal, 24 de Janeiro. Na época do registro, também era chamada de Rua do Ouvidor
- Rua Liberato Barroso - antiga Travessa Formosa, Rua das Trincheiras, Comendador Luís Ribeiro e Dr. Meton de Alencar
- Rua Pedro Pereira - antiga Travessa Amélia e Rua de São Bernardo (por causa da capelinha na esquina com a Senador Pompeu)
- Rua Pedro I - antiga Travessa da Alegria, Rua Dom Pedro e Tiradentes
- Avenida Duque de Caxias - antigo boulevard do Livramento (em razão da Igreja do Carmo, que era chamada do Livramento)
- Avenida Alberto Nepomuceno - antiga Rua da Ponte (sobre o Pajeú)
- Rua Conde d’Eu - antiga Rua Nova dos Mercadores, de Baixo, do Riacho (Pajeú) e da Matriz (que existia no lugar da Catedral)
- Rua Sena Madureira - parte da Rua Nova dos Mercadores
- Rua Pedro Borges - antiga Rua do Cajueiro (trecho entre a Praça do Ferreira e Rua Conde d’Eu) e antiga Beco dos Pocinhos (trecho entre a Rua Conde d’Eu e a Praça Figueira de Melo)
- Rua Jaime Benévolo - antiga Rua do Açude (possivelmente devido a uma construção no Pajeú), da Cruz (por causa de uma pequena igreja) e Dr. João Tomé
- Rua Barão de Aratanha - antiga Rua do Lago (por causa da Lagoa do Garrote, onde hoje é a Cidade da Criança)
- Rua General Bizerril - antiga Rua do Quartel (por causa da sede do Comando da 10ª Região Militar)
- Rua Solon Pinheiro - antiga Rua da Trindade
- Rua Floriano Peixoto - antiga Rua das Belas, da Pitombeira e da Boa Vista (trecho até a Praça do Ferreira) e antiga Rua da Alegria (a partir da Praça do Ferreira)
- Rua Major Facundo - antiga Rua Nova del Rei e da Palma (até a Praça do Ferreira) e antiga Rua do Fogo (a partir da Praça do Ferreira. Isso pode sugerir luta ou lixo da cidade ali queimado)
- Rua Barão do Rio Branco - antiga Rua Nova, Formosa, Dom Luís e Pais de Carvalho
- Rua Senador Pompeu - antiga Rua da Cadeia
- Rua 24 de Maio - antiga Rua do Patrocínio (em referência à igreja)
- Avenida Tristão Gonçalves - antiga Rua da Lagoinha, 14 de Maio, Trilho de Ferro
- Avenida da Universidade - antiga Rua do Benfica e Avenida Visconde de Cauípe
- Avenida Visconde do Rio Branco - antigo Calçamento de Messejana
Alguns nomes importantes do período monárquico estão estampados em vias, como a Rua Princesa Isabel e a Avenida do Imperador, mesmo com as homenagens do novo período histórico. “O grupo monarquista era forte e conseguiram essas homenagens”, explica.
Impacto no cotidiano
De forma prática, a mudança de nome de uma rua ou avenida confunde a população inicialmente e pode deixar para trás um registro histórico, como analisa o professor.
“Inicialmente, causa uma certa confusão, porque as pessoas já estão habituadas com aquele nome, ficam chamando pelo nome antigo e os correios também ficam com a logística problemática”, frisa.
Têm nomes que não pegam mesmo, a Praça dos Leões, que é a General Tibúrcio, passou por uma grande reforma, em 1914, e uma das importações foram os leões da França, que foram o bastante para dar nome
Outro traço possível de observar é a concentração de nomes masculinos e algumas personalidades que não tiveram contribuição para o desenvolvimento do Ceará.
“Representa essa tentativa de imortalizar alguns nomes que os vereadores e outros grupos interessados. Alguns nomes, do meu ponto de vista, merecem e outros não deveriam constar, mas têm o interesse”, reforça Sebastião.
Novas mudanças
A Avenida que homenageia Dedé Brasil passou a lembrar a memória de Silas Munguba, conforme medida aprovada na Câmara Municipal de Fortaleza em 2010, mas apenas em 2014 começou a troca de placas. Essa foi uma das últimas alterações de maior repercussão.
Na época, políticos, moradores e comerciantes debateram o impacto no cotidiano, como noticiou o Diário do Nordeste. O médico Silas Munguba morreu no ano anterior ao projeto criado para a alteração de nome. Silas foi fundador do Instituto Desafio Jovem para atuação junto com pessoas em dependência química.
Já em 2015, a Avenida B, do bairro Conjunto Ceará, mudou para Avenida Alanis Maria Laurindo de Oliveira em homenagem à menina de 5 anos, que foi sequestrada numa igreja da via, em 2010.
Parte dos moradores foi contrária à medida porque o crime violento ficou marcado nas placas da avenida. Alanis foi estuprada antes de ser assassinada e a situação chocou os moradores.
Em 2020, uma via conhecida como Rua do Canal, no bairro Conjunto Esperança, recebeu o nome de Marielle Franco. A vereadora e o motorista foram mortos no Rio de Janeiro, em 2018, e o caso nunca teve os detalhes da motivação revelados.
Há também dois anos, um trecho da Rua Manuel Galdino, entre a Osório de Paiva e a Rua D, foi denominado Rua Dandara Ketley, que foi assassinada por um grupo de jovens em 2017, em Fortaleza. Fortaleza foi a primeira cidade do Estado a ter um logradouro com nome de travesti.