Saúde Mental: questões para pensar

A saúde mental está entrelaçada com a construção de um tornar-se sujeito

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Quando começa a existência de um sujeito? O que irá impactar e forjar a saúde mental? Como irão interagir os fatores genéticos, hereditários, sociais, culturais e históricos?

Múltiplos e complexos aspectos atravessam a construção de nos tornamos confortáveis com quem somos, de podermos integrar a multiplicidade que nos habita e as emoções que nos percorrem, para que sejamos capazes de ler a realidade, de sonhar, de colocar limites, de amar, de identificar o que temos de melhor para que ao dialogar com nosso mundo interno possamos acionar os recursos capazes de nos proteger em dias difíceis.

A saúde mental está entrelaçada com a construção de um tornar-se sujeito. Os filhos começam a existir marcados pelas histórias e desejos transgeracionais.

Quais os segredos, os silêncios, as forças? Qual o lugar da criança no contexto daquela família, qual a história do pai, da mãe, quais os desejos em relação a esse filho? Irá salvar a família, reparar suas dores, os erros, cuidar e se sacrificar por eles, será uma extensão da vida dos pais, apenas para refletir suas ordens, sem direito a uma vida própria, será espelho vazio da própria imagem?

Como essa mulher será amparada na sua gestação, que cuidados receberá; como a paternidade será parceira, protetiva e amorosa ou que violências estarão presentes nessa gestação? Estará sozinha no dia do parto? Sofrerá violência obstétrica? Terá condições dignas de cuidar de si e do seu bebê? Ou ouvirá que se não construiu uma carreira de sucesso é porque não se esforçou o suficiente? Vivenciará políticas públicas de habitação, saúde mental no trabalho, terá emprego, renda? Será respeitada ou oprimida? Qual a configuração familiar que será alvo de cuidado ou preconceito?

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Essa criança receberá apoio da família extensa, terá acesso a uma educação integral e libertadora, sofrerá bullying na escola, aprenderá a falar sobre emoções nessa família, possuirá espaço para se diferenciar e se sentir amado nas suas escolhas e receberá o apoio necessário para ir ao mundo? Aprenderá a fazer amizades, a fazer parte da natureza, a se posicionar enquanto raça, classe social e gênero?  Terá recursos para ser protegido das violências, terá liberdade para expressar suas crenças religiosas, para demonstrar seu amor e sua sexualidade, mesmo que não caiba no padrão cisheteronormativo?

Participará de coletivos e projetos sociais que ajudarão no senso de pertença e empoderamento? Aprenderá a competir, a ameaçar, a explorar ou será colaborativo e poderá viver experiências solidárias? Sua comunidade será fonte de proteção ou viverá em áreas sitiadas pelo medo? Terá acesso a projetos de políticas contínuas para desenvolver sua inteligência, percepção, memória, linguagem, emoção, atenção, capacidade de solução de problemas, habilidades para viver ou lhe será apresentado como exclusivo recurso para lidar com a angústia - o álcool, outras drogas, ou o consumo de ideias ou objetos alienantes?

Que escolhas fará? Que escolhas poderá fazer? Terá habilidades emocionais, cognitivas e sociais para lidar com as diferenças, se indignar com as injustiças sociais, aprenderá a viver em coletividade, conseguirá lidar com regras, limites, frustrações, mas também aprenderá a criar, transformar, questionar o que precisa ser modificado? Qual será seu lugar na cadeia alimentar da pirâmide financeira?

Olharão para essa criança e mandarão engolir o choro, ser forte, falar grosso, silenciar quando for objeto de violência sexual? Quem escutará os gritos, quem acolherá o que lateja? Quem falará sobre medos e perdas e ajudará a lidar com os monstros reais ou imaginários? Como viverá os atravessamentos da sexualidade?

Sentir-se-á segura para usar sua voz para dizer o que pensar ou precisará pensar o que pensaram por ela? Viverá experiências de amor? Poderá desejar? Poderá sonhar? Terá um trabalho com dignidade que proporcionará qualidade de vida, terá acesso a equipamentos de saúde humanizados, com estrutura e profissionais disponíveis? Terá uma rede afetiva de suporte para os dias difíceis?

Terá condições de lidar com dor, angústia, medo, inveja, ciúmes, perdas e poderá falar sobre isso ou aprenderá a anestesiar e fugir da sua subjetividade? Terá acesso ao sonhar e à esperança? Poderá criar, fazer e consumir arte? Quais é quantas violências sofrerá? E essas violências lhe roubarão a pertença de si, a confiança, a criatividade, o amor-próprio, a capacidade de vínculos?

E se um dia, sentir-se sozinha, vazia, confusa, angustiada, com uma dor abissal no peito, sem rumo; encontrará robustas políticas integradas de saúde mental ou será isolada, segregada, como se suas dores não pertencessem à humanidade, como se sua história não fosse produzida na mesma cidade que a rejeita? Como se sua cidadania lhe fosse usurpada pela solidão do adoecimento.

Escutarão sua história, suas dores, fortalecerão suas potências, construirão um projeto terapêutico singular, intersetorial e interseccional que contemple seu corpo, seus afetos, sua capacidade produtiva, sua criatividade, sua transcendência, a recomposição da sua história e de seus desejos? Encontrará profissionais com salários e condições de trabalho dignas para exercer seu ofício delicado e exigente de cuidar?

No fundo, na superfície, nas bordas, quando a saúde mental não é prioridade, significa que a nossa humanidade está em risco.

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