Matemática e Português: o que o Spaece 2022 alerta sobre a educação na rede pública do Ceará
A avaliação feita anualmente pela Seduc foi interrompida na pandemia. Os resultados publicados agora indicam o que é preciso priorizar nos próximos anos.
A pandemia de Covid, como já projetado por professores e alunos, afetou intensamente a formação nas escolas do Ceará. O cenário era imaginado, e os resultados do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece), que monitora anualmente os níveis de aprendizado dos alunos do 2º, do 5º e do 9º ano do ensino fundamental da rede pública, em português e matemática, além de constatá-lo, acrescentou distintas camadas de análise ao desafiador contexto.
O Spaece, ampla avaliação feita, há décadas, pela Secretaria Estadual de Educação (Seduc) nas 184 cidades cearenses, gerou evidências sobre as fragilidades e, portanto, indícios para gestores, escolas e professores, sobre o que é necessário priorizar nos próximos anos.
No contexto recente, a avaliação ocorreu em 2019 e, devido à pandemia, só foi retomada em 2022. Nessa semana, os resultados das provas realizadas no ano passado foram divulgados pela Seduc. Dentre as informações reveladas no estudo, são destaque:
- No Ceará, em 2022, 84,6% dos alunos do 2º ano do ensino fundamental (série cuja ação pedagógica tem como foco a alfabetização) estavam alfabetizados. O índice é bom, mas no retrospecto histórico, é o pior no Estado em 8 anos;
- Em 2019, todas as cidades do Ceará alcançaram o desempenho “desejável” (maior nível) em alfabetização, mas, em 2022, sete cidades decaíram desse nível, passando para “suficiente”;
- Em português, tanto no 5º como no 9° ano, o desempenho dos estudantes em 2022 foi bem semelhante ao período pré-pandemia (em 2017 e 2018) de modo geral.;
- Já em matemática, o problema crônico de rendimento abaixo do esperado continua: na avaliação do 5º ano, alunos de 4 cidades apresentaram nível crítico de aprendizado. No caso dos estudantes do 9º ano, sobe para 125 o número de cidades com nível crítico de aprendizado em matemática.
- Em português e matemática, o nível de aprendizado piora no avançar dos anos (quando comparado o desempenho do 9º ano com o 5º). Isso gera outro gargalo: alunos com aprendizado abaixo do esperado prestes a ingressarem no ensino médio, saindo da rede municipal rumo à estadual.
Embora seja feito pelo Governo do Estado, o Spaece inclui os alunos das redes municipais (2º, 5° e 9° ano do fundamental) e da estadual (3º ano do ensino médio). A ideia é de que prefeituras e o Governo Estadual devem estar alinhados no monitoramento do nível de aprendizado dos alunos e agir conjuntamente para melhorar os índices.
1. Alfabetização estável, apesar da pandemia
O monitoramento foi o primeiro divulgado pós-pandemia de Covid. Por isso, havia uma expectativa sobre o que a avaliação revelaria. No quesito alfabetização dos estudantes do 2º ano do fundamental, a quantidade de cidades que estão no nível desejável - o maior na escala Spaece - em 2022, foi semelhante ao cenário de 2015. São 177 cidades no nível desejável e 7 no nível suficiente, um degrau abaixo da maioria.
Em 2019, os 184 municípios estavam no topo, atingindo uma marca histórica no Estado. Essa conquista não se manteve no pós-pandemia, pois 7 cidades (Barro, Iguatu, Juazeiro do Norte, Milagres, Morada Nova, Penaforte e Potengi) regrediram para o nível suficiente, que não é ruim, mas é inferior ao patamar alcançado anteriormente.
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“O índice de 84,6% é bom, se considerarmos que os discentes do 2º ano avaliados em 2022, no período pandêmico 2020 e 2021, estavam na Educação Infantil, de 5 anos, e no 1⁰ ano do ensino fundamental, respectivamente”, analisa o presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) no Ceará, José Marques Aurélio.
Ele argumenta que, na pandemia:
“As redes municipais de educação trabalharam com o ensino remoto em condições tecnológicas insuficientes, e em vários casos, com tarefas escolares enviadas para as casas dos alunos que, geralmente precisavam do auxílio direto dos pais e responsáveis com pouca escolaridade para a concretização das atividades”. Tudo isto, acrescenta, “compromete seriamente a alfabetização destes estudantes”.
O professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, Jackson Braga, argumenta que esse resultado evidencia que a soma de dois fatores indesejados ainda influencia as condições de ensino-aprendizagem.
Um deles, os efeitos da pandemia, entre eles “a privação do espaço escolar com as escolas fechadas e aulas remotas precárias e a falta da atuação direta e efetiva do educador naquele período”, diz. O outro “o aumento da desigualdade social afetando diretamente o nível de aprendizagem das crianças”, completa.
2. Matemática segue como problema crônico
A matemática segue como um problema crônico no qual o rendimento dos alunos é abaixo do esperado. Na avaliação dos estudantes do 5º ano, em 4 cidades o nível de aprendizado foi crítico. Já com os estudantes do 9º ano, o número de cidades com nível crítico de aprendizado na disciplina sobe para 23.
O professor Jackson Braga reitera que esse é um problema que perdura sendo uma “discussão extenuante dos educadores que não são atendidos em suas reivindicações e propostas inovadoras”.
De acordo com ele, a melhoria desse aspecto precede de “investimentos das licenciaturas e nos acadêmicos e futuros professores desde a universidade, aprendizagem significativa, ensino contextualizado, o uso de materiais e espaços pedagógicos diversificados como laboratórios e aulas de campo, a ajuda das tecnologias digitais e práticas de ensino a partir do cotidiano do aluno”.
Ele acrescenta: “o problema não é a matemática, mas a abordagem pedagógica e as condições para práticas de ensino inovadoras e criativas em espaços escolares adequados”.
O presidente da Undime no Ceará, José Marques Aurélio, reitera que um grande percentual de alunos, nessa disciplina, tem resultados bem abaixo do esperado. De acordo com ele, a Undime, a Aprece e a Seduc “têm investido esforços junto às comunidades acadêmicas e várias instituições para a criação de estratégias educacionais que possam contribuir para o avanço da aprendizagem na matemática”.
3. Português estabiliza, mas é preciso progredir
Já em português, os alunos do 5º ano do Ensino Fundamental, em 2022, tiveram desempenho considerado adequado (maior nível) em 123 cidades. O índice é menor que o registrado em 2019, quando estudantes de 125 alcançaram esse nível de desempenho. No cenário de 2022, alunos de 61 cidades estavam no nível intermediário.
A situação, se observado o histórico da avaliação, é positiva, tendo em vista que nas cidades não há estudantes em nível crítico ou muito crítico como ocorre a matemática, por exemplo. De modo geral, em língua portuguesa os estudantes cearense do ensino fundamental apresentam um padrão de aprendizado dentro do que se espera, mas é possível melhorar, como ações para que, nos próximos anos, os 184 municípios atinjam o nível adequado.
Para o presidente da Undime no Ceará, José Marques Aurélio, a estabilidade registrada em 2022, tanto no 5º ano como no 9° ano “era esperada”, mas demonstra que, apesar da série de dificuldades, houve “um certo fortalecimento da aprendizagem, tendo em vista o nível de proficiência em que se encontravam”.
Já a professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), doutora em Educação, Eloísa Vidal, disse que a expectativa era que os resultados “fossem piores do que os obtidos”.
Mas, pondera ela que, no caso do Ceará, “é importante destacar a coesão interna que as redes municipais possuem, especialmente devido aos programas e projetos que a Secretaria de Educação do Estado desenvolve com todos os municípios”.
A articulação contínua, analisa ela, “sem dúvida, ajudou a manter um ritmo homogêneo em todas as redes, e na retomada, com o fim da pandemia, foi possível partir de patamares muito próximos e seguir no mesmo compasso”.
4. Há cidades que sequer avançam em português
Embora o desempenho na língua portuguesa seja melhor do que em matemática, um outro cenário revelado pelo Spaece é que um grande número de cidades do Ceará historicamente não consegue avançar do nível intermediário para o adequado (maior nível).
Um exemplo dessa situação é Fortaleza. Na cidade, tanto os alunos do 5º ano, como do 9º ano tiveram desempenho intermediário em língua portuguesa. Na capital, em 2019, o nível tinha sido considerado adequado, após 7 anos, de nível intermediário. Mas no último monitoramento, retornou a esse patamar.
Guaiúba, Capistrano, Acopiara, Acarape, Aiuaba, Amontada, Banabuiú, Ipaumirim, Missão Velha, dentre outras cidades, são exemplos de municípios cujo nível intermediário em português se mantém desde 2012. Nessas redes não há regressão para o nível crítico, mas também não há avanço adequado.
5. Nível de aprendizado piora no avançar de série
Outro ponto evidenciado pelo resultado da Spaece é uma certa piora no nível de aprendizado no avançar das séries. Por exemplo, em Português no 5° não há nenhum município com nível crítico, mas no 9º os alunos de 23 cidades têm esse nível.
Já em matemática, no 5º ano, quatro cidades tiveram nível crítico, enquanto no 9º, 125 cidades têm esse nível. Isso implica outro desafio: diante dessas evidências, a rede estadual precisa estar atenta pois receberá alunos com o desempenho abaixo do esperado.
No Ceará, desde 2021, ciente dessa necessidade de cooperação entre prefeitura e Governo estadual, tendo em vista que alunos das redes municipais seguem para a estadual, o Estado lançou o Pacto pela Aprendizagem. A iniciativa gera incentivo financeiro e técnico do Estado para as prefeituras de modo a incentivar a recuperação de aprendizagem dos estudantes do ensino fundamental (1º o 9º ano) diante do contexto de pandemia da Covid-19.
A professora da Uece, Eloísa Vidal, reitera que:
“As práticas docentes dos professores foram muito afetadas durante a pandemia. Há um cansaço muito grande por parte dos docentes. Durante dois anos eles, literalmente, combateram moinhos de vento, trabalhando com tecnologias que não conheciam, tendo seus telefones invadidos dia e noite por pais e alunos também atormentados pelas incertezas do futuro”.
Nesse momento, reforça, “é preciso cuidar e assistir da melhor maneira possível os professores e os gestores”. Para ela, os gestores municipais precisam pensar iniciativas que mostrem aos professores o quanto eles foram e são importantes. “Isso passa pelo reconhecimento social que fizemos magistralmente com os profissionais de saúde, mas não com os professores”.