Empresas demitem prestadores de serviço da Prefeitura de Fortaleza sem pagar direitos trabalhistas
Funcionários afirmam que foram desligados de forma repentina e não receberam valores da rescisão; Prefeitura reforça que "trabalha para solucionar a questão"

Pelo menos três empresas, Missão Serviços, Certa Serviços e Fortal Empreendimentos, que fornecem mão de obra terceirizada à Prefeitura de Fortaleza, sob contratos milionários, demitiram funcionários sem pagar verbas referentes às rescisões contratuais. As denúncias são de trabalhadores ouvidos pelo Diário do Nordeste. A atual gestão informa que tenta solucionar o problema, mas garante que os valores previstos para o cumprimento das rescisões não constavam no caixa deixado pela gestão anterior.
Além do não pagamento da multa de 40% sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), obrigatória para demissões sem justa causa; e de outros saldos ligados a desligamentos, ex-funcionários afirmam que a parcela mensal do FGTS não foi depositada desde dezembro de 2024.
Segundo os trabalhadores, que atuavam em diversos órgãos municipais – como nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), escolas e na própria Secretaria do Planejamento, Orçamento e Gestão (Sepog) –, as companhias alegam que não receberam os pagamentos da prefeitura nos meses finais de 2024.
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A Missão Serviços, Certa Serviços e Fortal Empreendimentos são três das cinco empresas de terceirização com contratos milionários firmados com a Prefeitura de Fortaleza em 2025, com validade até abril de 2026, como consta no Portal da Transparência.
A Missão tem dois contratos garantindo o fornecimento de 265 funcionários a órgãos municipais, sob a soma de R$ 18,4 milhões. Já a Fortal, em contrato único de R$ 19,5 milhões, fornece 112 trabalhadores à gestão municipal. A Certa, em dois contratos que somam R$ 16 milhões, provém 146 empregados à Prefeitura de Fortaleza.
A reportagem tentou contato com as três, por telefones e WhatsApps oficiais. Em nota, a Fortal Empreendimentos afirmou que “apesar de existirem valores pendentes de pagamento, tem total intenção de dar cumprimento à legislação trabalhista”.
“Nesse sentido, foi protocolada Ação Judicial, junto ao TRT 7, registrada sob o nº 0000659-91.2025.5.07.0008, com o fito de quitar as verbas rescisórias em aberto. Cumpre dizer que referida Ação se encontra em trâmite junto ao CEJUSC, onde as partes vêm buscando uma composição amigável quanto ao objeto da demanda”, diz o comunicado.
Cerca de seis horas após a publicação desta reportagem, o representante jurídico da Fortal e da Missão Serviços enviou novo posicionamento das empresas.
Em nota, as empresas apontam que "as dificuldades para quitar os créditos rescisórios dos empregados têm origem na sucessão de atrasos deixados pela gestão do ex-prefeito. A administração anterior deixou pendentes pagamentos de diversas repactuações contratuais, referente aos anos de 2023 e 2024, onerando substancialmente as prestadoras de serviços".
De acordo com o posicionamento, a situação "forçou as instituições a manterem o cumprimento de suas obrigações trabalhistas mesmo sem receber os valores efetivamente devidos pela Municipalidade, gerando evidente desequilíbrio econômico-financeiro que perdura até hoje".
O quadro foi "agravado", segundo as companhias, "pelo elevado número de devoluções promovidas pelos órgãos tomadores de mão de obra, fundamentadas no Decreto Municipal nº 16.199/2025 e nas determinações dos órgãos de controle externo, que estabeleceram redução de 30% nos gastos com quadro pessoal".
"Esses fatores combinados - a herança de débitos da gestão passada e as novas restrições orçamentárias - criaram um cenário extremamente desafiador para o cumprimento das obrigações trabalhistas", complementa a nota.
Por fim, o texto reforça a abertura de ação judicial junto ao TRT-7 "para quitar os valores rescisórios em aberto" e o "compromisso com os direitos dos trabalhadores".
Funcionários
Três funcionários ouvidos pela reportagem, que preferiram não ter os nomes revelados, foram demitidos no primeiro trimestre deste ano. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no artigo 477, determina que o pagamento de verbas rescisórias deve ser feito em até 10 dias corridos a partir do término do contrato de trabalho.
Cerca de uma década de dedicação e, no fim, nenhum direito recebido. Esse é o saldo encarado por Susana* (nome fictício) desde que foi demitida e ouviu que não receberia a verba rescisória de 40% do FGTS, mesmo sem justa causa. Ela atuava em um CRAS de Fortaleza, terceirizada pela Missão Serviços.
“Meu FGTS foi depositado pela última vez em dezembro. Férias vencidas, dias trabalhados, 13º, não recebi nada. Simplesmente disseram que não iam pagar e que não tinha previsão. Só liberaram o papel do Seguro Desemprego”, declara Susana*.
“Sou mãe de família, tenho uma criança pra sustentar. Perguntei qual era a previsão e disseram que não tinha. Mando mensagem e eles ignoram. Estamos ao léu.”
Para Paula*, que trabalhava há cerca de 1 ano em uma escola municipal, as verbas rescisórias deveriam ter sido quitadas até o início de abril. “Estamos sem resposta, a empresa não atende mais. Dizem que a prefeitura está devendo. Mas pra empresa colocar alguém pra fora, precisa ter caixa, né?”, questiona.
Ela pontua que o problema começou ainda em dezembro, quando houve “um grande atraso” salarial. “Só veio sair quase em fevereiro. Eu tenho uma filha pequena, tô esperando por um dinheiro que eu trabalhei pra receber”, desabafa. Ela foi desligada da empresa Fortal Empreendimentos.
Também ex-funcionária da Fortal Empreendimentos, Rejane* afirma que recebeu o aviso prévio, cumpriu, mas não recebeu os valores da rescisão – nem viu o FGTS dos cinco meses de 2025 ser depositado. “Disseram que só pagam quando a prefeitura pagar”, diz.
Rejane* trabalhava em um CRAS de Fortaleza, e observa que o problema tem afetado diversas áreas. “Tenho um amigo maqueiro, trabalhava em um hospital municipal, e tá na mesma situação: a empresa demitiu e ele não recebeu nada”, frisa.
“É um absurdo. A gente trabalha não é por amor, é porque precisa. E quando chega a hora de receber, não recebe. A gente tá apertado, na minha casa é só meu marido. Não podemos ficar esperando pelo que não há de vir”, expõe.
A assistente administrativa Silvia* trabalhava há mais de quatro anos na Sepog, terceirizada pela empresa Certa Serviços Empresariais. Ela foi desligada em março e não recebeu as verbas rescisórias. “Pessoas de outros órgãos, como saúde, educação, fiscalização, todos os terceirizados de diversos setores estão passando por isso”, alerta.
“Recebi os outros direitos com muita dificuldade: pra assinar o aviso (prévio) não foi fácil, pra receber o código do Seguro Desemprego não foi fácil. A própria Prefeitura também não dava nenhum retorno. São várias contas pra pagar, fiquei mais de 1 mês parada sem nada”, resume, sobre os prejuízos da situação.
A categoria é representada no Ceará pelo Sindicato dos Trabalhadores Prestadores de Serviços Terceirizados em Asseio, Conservação, Serviço Administrativo, Administração de Mão de Obra e de Limpeza Pública e Privada (Seeaconce).
Em nota enviada após a publicação desta reportagem, o Seeaconce ressalta que "vem agindo e lutando pelo respeito a todos os direitos desde a primeira semana da atual gestão municipal, quando foi anunciado pelo Município corte de 30% dos terceirizados, percentual que conseguimos reduzir".
"Tivemos diversas audiências, sempre lutando para evitar demissões e para garantir que todos os demitidos recebessem integralmente as devidas verbas rescisórias, tendo respeitados todos os seus direitos. O Seeaconce também colocou sua assessoria jurídica à disposição dos trabalhadores, para ajuizar ações individuais e coletivas", complementa.
O sindicato reforça ainda a importância dos profissionais terceirizados para o funcionamento da administração pública e destaca que "não merecem passar dificuldade para receber direitos básicos assegurados em lei".
O que diz a Prefeitura de Fortaleza
O Diário do Nordeste questionou a gestão municipal sobre qual é o valor devido de 2024 a cada uma das empresas, por que e quantos funcionários foram desligados dos órgãos municipais, se está previsto pagamento dessas corporações e como a gestão deve proceder em relação a elas, que estão descumprindo a CLT.
Em nota, a Sepog, pasta municipal de orçamento e gestão, pontuou que “mantém diálogo constante e transparente, participando de mesas de negociação com o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho”. A Sepog frisa que “os valores previstos para o cumprimento das rescisões deveriam constar em caixa pela gestão anterior, o que não foi feito”.
A Pasta estima ainda que o prazo para solução é “até o fim de 2025”. “A atual gestão trabalha para solucionar a questão, e a intenção do prefeito Evandro Leitão é a de que, até o fim de 2025, todos os trabalhadores tenham sua situação regularizada”.
“A pasta esclarece ainda que as rescisões contratuais de funcionários terceirizados resultam de um necessário ajuste fiscal diante da situação orçamentária crítica herdada da gestão anterior, conforme apontado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE)”, acrescenta a Sepog.
Por fim, o órgão adiciona que “estão em andamento e sendo devidamente pagos os valores referentes às chamadas ‘repactuações’, que correspondem aos acréscimos salariais anuais aplicados ao salário base, de acordo com os reajustes previstos”.
“Esses valores vinham sendo antecipados pelas empresas terceirizadas durante a gestão anterior, sendo ressarcidos posteriormente, no exercício seguinte. A atual gestão está regularizando essas pendências. Mais de 60% desses valores já se encontram com tramitação administrativa concluída e com pagamento autorizado ou em execução”, finaliza a Pasta.