Doação de órgãos cresce 60% em 2022 no Ceará, mas 3 a cada 10 famílias ainda recusam pedido

Quem aceita doar rins, fígado, coração, dentre outros, tira centenas de pacientes da fila de espera por transplante

Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br
Campanhas
Legenda: Campanhas para incentivo da doação de órgãos são feitas ao longo do ano
Foto: Fabiane de Paula

Os dois anos iniciais da pandemia causaram a queda da doação de órgãos no Ceará, mas o quadro começou a mudar: entre janeiro e julho deste ano, 133 doações efetivas foram feitas, ante as 83 do igual período de 2020.

O aumento de 60%, no entanto, poderia ser maior, já que em média 3 a cada 10 famílias recusam conceder os órgãos dos pacientes falecidos.

Os dados de doações e transplantes são da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), disponíveis na plataforma IntegraSUS. Já o balanço das entrevistas para doação é da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).

Entre janeiro e junho deste ano, foram realizadas 266 abordagens com famílias de potenciais doadores de órgãos, mas 85 (32%) recusaram o pedido. Esse é um dos fatores ligados à espera angustiante de quem precisa de um órgão para sobreviver.

“É bem verdade que a Covid impactou muito até porque havia uma prioridade das pessoas que tinham de ser assistidas, mas hoje com isso controlado a gente pede que voltem a doar”, analisa Elodie Hyppolito, médica hepatologista e coordenadora da campanha Doe de Coração 2022.

O Ceará registrou 1.061 pacientes ativos na fila de espera para transplante de órgãos, sendo a maior demanda, com 908 casos, por rim. Na sequência, vem fígado (124) e pulmão (7), como detalham os dados da ABTO.

Veja também

O Estado, contextualiza Elodie, já ocupou a 2ª colocação no maior número de doações de órgãos, mas caiu para a 5ª posição esse ano.

“Tivemos uma pequena recuperação agora, mas estamos longe dos números desejados. O ideal é que a gente tenha um índice de doação de 40 doadores por 100 mil habitantes para atender a demanda de necessidade e evitar a fila de transplante”, detalha.

Confira os estados com maior número de doadores efetivos em 2022, conforme a ABTO

  • São Paulo: 453
  • Paraná: 230
  • Rio de Janeiro: 173
  • Santa Catarina: 139
  • Ceará: 115
  • Minas Gerais: 115
  • Rio Grande do Sul: 96
  • Pernambuco: 65

O Estado, inclusive, contribui para o transplante de pacientes vindos de outros lugares do País, como acrescenta Elodie.

“O Ceará é referência nos transplantes de órgãos, especialmente, no transplante de fígado e isso se deve à generosidade do povo cearense. Hoje, 60% dos pacientes transplantados no Estado vêm de outros lugares do Nordeste e do Norte”, completa.

Doação de órgãos devolve vida a pacientes

Cerca de 7 pessoas podem ser beneficiadas com córneas, rins, pulmões, coração e fígado - por exemplo - de um mesmo doador. Mas, no luto, muitas famílias não conseguem pesar o impacto positivo e optam por não ceder os órgãos, como observa Elodie.

Por isso, profissionais da saúde, pacientes e famílias buscam conscientizar a população e orientam que o desejo de doar órgãos seja comunicado. “Precisa apenas dizer para a família a vontade o que, normalmente, é respeitado no momento de muita dor”, completa.

  • Doador vivo: Um dos rins, parte do fígado, parte da medula ou parte dos pulmões
  • Doadores falecidos: Rins, coração, pulmão, pâncreas, fígado e intestino, córneas, válvulas, ossos, músculos, tendões, pele, cartilagem, medula óssea, sangue do cordão umbilical, veias e artérias.

Foi por meio de um gesto de generosidade, vindo de um desconhecido, que Jailma Leal, de 43 anos, saiu da fila por um transplante de fígado depois de um ano e meio de espera, em 2019.

“Eu chorava que nem criança, porque você recebe a chance de poder renascer. Ainda não tem certeza (sobre a cura), mas vem muita alegria”, lembra sobre quando descobriu o encontro de um órgão compatível.

Jailma foi diagnosticada com cirrose hepática autoimune, que não tem relação com o consumo de bebida alcoólica, em 2018.

Jailma
Legenda: Jailma veste a camisa das campanhas em prol da doação de órgãos
Foto: Acervo pessoal

“Foi muito rápido, um dia comecei a ter calafrios de chegar a tremer, pensei que era uma gripe, mas passou um mês. As minhas pernas começaram a inchar e eu não conseguia nem subir uma escada”, lembra.

Uma série de exames e consultas médicas, daquele momento em diante, passaram a fazer parte do cotidiano de Jailma.“Passei um ano e 5 meses na fila, a doença foi avançando, fui ficando mais fraca, perdendo até a memória”, destaca.

Ela admite que desconhecia o funcionamento da doação de órgãos, mas hoje já levou a filha, o marido e outros parentes a abraçarem a causa.

“Quando passei por tudo eu passei a conhecer e hoje faço campanha, sempre estou falando isso nas redes sociais, com os amigos e família sobre a importância para salvar uma vida”

Por que recusam ao pedido de doação de órgãos?

Em geral, o desconhecimento sobre o processo de doação de órgão e a relevância do ato para salvar a vida de outras pessoas é o ponto em comum entre as famílias que negam os pedidos.

Muitos temem, por exemplo, que a retirada dos órgãos aconteça com o paciente ainda vivo ou que o procedimento possa transfigurar a pessoa, como contextualiza Elodie. A legislação, no entanto, garante que o corpo seja entregue de forma adequada.

“Não existe possibilidade de os órgãos serem retirados de uma pessoa em vida, porque o processo de diagnóstico de morte encefálica é bastante cauteloso feito em dois momentos por dois médicos diferentes”, pontua.

Pacientes
Legenda: Pacientes levam informações para a sociedade como forma de sensibilizar mais pessoas para a causa
Foto: Fabiane de Paula

Jailma Leal recebeu informações mentirosas de que doadores de órgãos, ao precisarem de atendimento hospitalar, poderiam ficar sem auxílio médico para preservar a vida.

“Quando eu fui tirar minha identidade, a moça perguntou se eu queria ser doadora de órgãos e eu tinha ouvido falar que abreviavam a morte da pessoa no hospital. Aquilo ficou na minha cabeça e eu disse não”, lembra.

Em alguns países modelo, os órgãos são doados automaticamente e a medida contribui para zerar filas de transplantes, como acrescenta Elodie Hyppolito.

“A Espanha é o país que tem um melhor índice de doação, porque lá é o contrário da gente: toda pessoa falecida é doadora, exceto as que se manifestem contrárias e tem de deixar isso num documento”.

Campanha Doe de Coração 2022

Esse ano acontece a 20ª campanha Doe de Coração, com lançamento no dia 5 de setembro -, iniciativa da Fundação Edson Queiroz, mantenedora da Universidade de Fortaleza, que desenvolve ações para informar, conscientizar e mobilizar as pessoas sobre a importância de ser doador de órgãos e tecidos.

Serão desenvolvidas atividades com a participação de profissionais da saúde para debates sobre os processos da doação de órgãos.

Palestras
Legenda: Palestras e formações reúnem profissionais da saúde durante programação
Foto: Thiago Gadelha

Confira a programação

  • Lançamento da Doe de Coração 2022

Data: 5 de setembro de 2022 (segunda-feira)

Horário: 9h30

Local: Auditório da Biblioteca Central da Unifor - Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz

  • Palestra: A situação dos transplantes no Ceará pós-pandemia da Covid-19

Palestrante: Dra. Eliana Barbosa, Coordenadora da Central Estadual de Transplantes do Ceará

Data: 5 de setembro de 2022

Horário: 9h30

Local: Auditório da Biblioteca Central da Unifor

  • Palestra: O papel da enfermagem no pré e pós-operatório de transplantados

Palestrante: Dra. Mônica Studart, Coordenadora da Residência Multiprofissional em Transplantes do Hospital Geral de Fortaleza (HGF)

Data: 14 de setembro de 2022

Horário: 9h30

Local: Videoteca do Centro de Convivência

  • Palestra: O contexto do transplante hepático no Ceará: realidade e desafios

Palestrante: Dra. Ivelise Brasil, Médica no Hospital Geral de Fortaleza (HGF)

Data: 20 de setembro de 2022

Horário: 9h30

Local: Auditório A-4 (Bloco da Pós-Unifor)

  • Palestra: Os desafios do transplante pediátrico pós-pandemia da Covid-19

Palestrante: Dra. Denissa Mesquita, Médica-Cirurgiã do Setor de Transplantes do Hospital Universitário Walter Cantídio, da Universidade Federal do Ceará (UFC), e do Hospital Albert Sabin

Data: 27 de setembro de 2022

Horário: 9h30

Local: Auditório do Bloco H

  • Palestra: Os efeitos das vacinas contra Covid-19 nos transplantados

Palestrante: Dra. Tainá Veras de Sandes Freitas, Médica Nefrologista do Serviço de Transplante Renal do Hospital Geral de Fortaleza (HGF)

Data: 29 de setembro de 2022

Horário: 9h30

Local: Auditório A-4 (Bloco da Pós-Unifor)

Newsletter

Escolha suas newsletters favoritas e mantenha-se informado
Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados