De educação a moradia, 80% das crianças e adolescentes do Ceará têm alguma privação de direito

Unicef aponta queda na pobreza “multidimensional”, mas acesso ainda precário de meninos e meninas a direitos básicos preocupa

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Pobreza afeta crianças e adolescentes cearenses em múltiplas áreas, como educação e moradia
Legenda: Pobreza afeta crianças e adolescentes cearenses em múltiplas áreas, como educação e moradia
Foto: Diego Souza/UNICEF

Ter uma vida plena, com casa, comida, educação e renda é direito básico de toda criança e adolescente, mas somente 2 a cada 10 meninos e meninas do Ceará têm esse acesso. Os 80% restantes amargam alguma privação, segundo estudo divulgado nesta terça-feira (10).

O alerta consta na pesquisa “Pobreza multidimensional na infância e adolescência”, realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc) de 2016 a 2022.

O Unicef fez um raio-x do acesso de cearenses de 0 a 17 anos a direitos estruturais, como educação, informação, moradia, água, saneamento e renda, no ano de 2022.

Por aqui, o que mais preocupa em se tratando do cenário em que os pequenos vivem são as condições de renda: mais de 56% das crianças e adolescentes cearenses vivem com renda familiar abaixo da linha da pobreza.

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A segunda maior privação é o saneamento básico: cerca de 50% dos meninos e meninas tem privações médias ou extremas de acesso a banheiro, rede de esgotamento e outros itens essenciais à saúde. 

Mesmo se o direito à “renda” for excluído da conta, as privações dos cearenses persistem.

61,3%
das crianças e adolescentes do Ceará têm alguma privação não monetária (de direitos diversos, exceto renda).

Santiago Varella, especialista em Políticas Sociais do Unicef no Brasil, destaca que é importante olhar para além do dinheiro – principalmente em se tratando de uma parcela tão sensível da população como a de 0 a 17 anos de idade.

“Pobreza multidimensional é uma forma de ver a pobreza para além da renda. Quando falamos de crianças e adolescentes, é importante ter um olhar além disso, para avaliar os efeitos das ausências – principalmente nessa crise pós-pandemia”, frisa.

Mais de 60% das crianças e adolescentes vivem em pobreza multidimensional no Brasil. Existe uma tendência de queda, mas muito lenta, principalmente quando estamos falando de crianças com renda insuficiente, analfabetas, com atraso escolar ou fora da escola; sem banheiro, sem água, e outros problemas.
Santiago Varella
Especialista em Políticas Sociais do Unicef no Brasil

Privações extremas

O estudo classificou as privações em intermediárias, quando há acesso ao direito, mas sem qualidade; e extremas, quando há ausência de garantia do direito.

No Ceará, mais de 407 mil meninos e meninas têm privação extrema de renda, vivendo em casa na qual a renda familiar se encontra abaixo da linha de pobreza monetária extrema. Outras 901 mil têm privação intermediária.

A privação do direito à educação atinge, em média, 8% dos cearenses dessa faixa etária – o que, de todo modo, corresponde a um número expressivo de crianças e adolescentes sem acesso adequado.

Conforme o Unicef, 138,9 mil pequenos cearenses frequentam a escola, mas com atraso escolar ou sem saber ler nem escrever. É a parcela com privação intermediária, como delimita a pesquisa.

Já a extrema atinge 53,2 mil meninos e meninas: são pessoas de 4 a 17 anos que não frequentam um estabelecimento educacional ou crianças maiores de 7 anos analfabetas.

Impacto da pandemia

O Unicef destaca, no relatório do estudo, que “quando uma criança ou adolescente não tem acesso a um ou mais direitos, significa que vive na pobreza em suas múltiplas dimensões” – cenário que se agravou após a pandemia de Covid-19.

O percentual de meninas e meninos na pobreza multidimensional caiu de 62,9%, em 2019, para 60,3%, em 2022, conforme a pesquisa – mas ainda corresponde a 31,9 milhões de crianças e adolescentes brasileiras.

Desigualdades regionais e de cor e raça atravessam os indicadores, exigindo, como reforça Santiago, “compromisso de estados e municípios com políticas efetivas” e que se traduzam no dia a dia das famílias.

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