Com 112 anos, Estação Ferroviária do Iguatu sofre desgastes e perde estrutura original; veja imagens
Em Iguatu, atualmente o mais importante município da região Centro-Sul, a estação foi oficialmente inaugurada em 1910
No mundo globalizado e super tecnológico de hoje, longas distâncias foram, fisicamente, encurtadas com a rapidez do transporte aéreo. A comunicação, idem. Na palma da mão está o passaporte para, em segundos, se comunicar com quase todas as partes do mundo. Mas, nem sempre foi assim.
Na metade do século XIX, por exemplo, a revolução da época foi a instalação da rede ferroviária que, para os padrões de outrora, facilitou comunicação e deslocamento entre cidades. Isso impulsionou o progresso. O ponto de partida - e de chegada - eram as estações ferroviárias, instaladas nas principais cidades da época.
Em Iguatu, atualmente o mais importante município da região Centro-Sul, a estação ferroviária foi oficialmente inaugurada em 1910. Contudo, 112 anos depois, pouco restou daquele prédio que modificou os rumos da cidade, colocando-o no trilho do desenvolvimento.
Mais de um século depois, o local que foi símbolo de prosperidade, hoje só guarda as histórias na memória. Sem ser tombado, a estrutura original foi modificada. O espaço ganhou outra finalidade e, nos três anexos da Estação em Iguatu, todos eles já sofreram incêndios recentemente. Há pelo menos dois anos o local está fechado.
"Instalação foi decisão política"
Apesar dos benefícios econômicos que as estações geravam aos locais em que eram instalados, houve uma forte resistência para decidir em qual município do Centro-Sul a linha passaria. Um imbróglio político envolvendo Icó, então maior cidade cearense, decidiu o destino da Estação.
O pesquisador e memorialista Altino Afonso Medeiros explica que o projeto original da Estação tinha como ponto de instalação a cidade de Icó e não Iguatu, como viria a acontecer.
"Os comerciantes da época se opuseram. Aliás, parte da sociedade elitista foi contra. Os comerciantes temiam que a linha férrea poderia trazer comerciantes de outros locais e aumentar a concorrência. Já as mulheres dos burgueses alegavam que prostitutas poderiam chegar à cidade. Então, por decisão política a linha férrea foi instalada em Iguatu, que, na época, era distrito de Icó", explica.
Os aristocratas temiam que pessoas consideradas, por eles, de classe inferior, chegassem à cidade e fizessem morada.
A escolha de Icó era estratégica. Então maior cidade do Estado - inclusive que foi, por três meses, Capital do Ceará, com todos os poderes instituídos - o Município era cortado pela estrada geral de Jaguaribe, a maior do Nordeste e do Brasil colonial. "A linha férrea iria impulsionar o desenvolvimento, mas recusaram a instalação", pontuou.
Coube a Iguatu acolher a Estação. E, por conseguinte, o então distrito, se desenvolveu, foi emancipado, e, anos depois, passou a ser a mais importante da região. "Como era previsto e esperado, a linha férrea trouxe prosperidade. A cidade de Iguatu cresceu bastante com o transporte de algodão e óleo", acrescenta o pesquisador.
Esse impulso econômico pode ser tateado com um dado. Ailton detalha que, antes da linha férrea, mercadorias que saíam de Fortaleza com destino a Icó levavam em média 30 dias. Esse transporte, na maioria das vezes, era feito com carro de boi. "Com o trem, esse tempo caiu para apenas um dia, isso traz muito impacto, a economia se fortalece", avalia.
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Descaracterização
A primeira grande transformação aconteceu em meados dos anos 1970, quando após uma grande reforma o espaço perdeu parte de suas características originais.
"A arquitetura foi totalmente modificada. Isso tem um impacto muito grande, é um prejuízo para a memória da cidade, da região. Os prédios falam muito. Quando não se preserva, é uma narrativa que morre", considera.
Em Iguatu, são três anexos da Estação, dos quais apenas um encontra-se minimamente semelhante ao projeto original. Os espaços já serviram de galpão, oficina, e até uma hamburgueria. Hoje, o local é administrado pela Secretaria Executiva da Cultura.
A secretária executiva da Cultura de Iguatu, Keylane Thurley, reconhece o "prejuízo histórico" diante da descaracterização da arquitetura original da Estação, mas pontua "que a prefeitura não tem autonomia e nem legitimidade a princípio para fazer intervenções físicas e estruturais em bens pertencentes à União, sem prévia autorização".
Podemos afirmar que o município possui o desejo de fazer as intervenções físicas, contudo, vai depender se o município irá conseguir a autorização da União para tanto.
Para evitar que outros prédios históricos e seculares sejam descaracterizados, Altino Afonso aponta para a necessidade do tombamento, seja na esfera municipal, estadual ou federal.
"Falta interesse. De todos, já que qualquer pessoa pode solicitar o tombamento. Mas, sobretudo, dos políticos que deveriam atuar de modo a proteger esses locais", avalia.
Por meio de nota, o Iphan completou que "qualquer cidadão, organização da sociedade civil ou instituição é competente para requerer a instauração do processo de reconhecimento de bens de natureza material, por meio do tombamento federal". Questionado se haveria a intenção de requerer tal processo, a Secretaria Executiva de Iguatu não respondeu.
Memória em chamas
No fim de 2020 dois incêndios, com intervalo de apenas um mês, consumiram o galpão ferroviário que, à época, servia de depósito para a materiais de decoração de eventos da então Secretaria de Cultura, hoje incorporada à Secretaria da Educação. Com prejuízo estimado em R$ 90 mil, o incêndio teve suspeita de ter sido criminoso.
Com o fogo, a estrutura foi quase que completamente danificada. O teto da Estação Ferroviária caiu, restando apenas as paredes do anexo. A secretária executiva da Cultura de Iguatu, Keylane Thurley, pontuou que, para determinar os impactos gerados pelo incêndio, "faz-se necessária uma perícia técnica, cuja autorização o Município solicitará ao ente federado".
Ainda segundo ela, "durante os últimos anos, o município de Iguatu realiza momentos importantes no espaço, fomentando a cultura através de apresentações artísticas, históricas e culturais, em datas específicas do ano, que vem sendo acompanhado pela população iguatuense, todo ano.
"O prejuízo vai muito além do financeiro. É um perca imensurável para a história do município. Sem proteção e preservação, não há como resguardar a história que envolve o nascedouro da cidade", lamenta o memorialista Francisco de Paula da Silva.