6 mil cearenses são afastados do trabalho por ano devido a transtornos mentais

Quadros depressivos e ansiosos estão entre os principais motivos de auxílios-doença concedidos na pandemia

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Mulher na frente do computador com expressão cansada
Legenda: Transtornos depressivos, ansiosos e de estresse predominam entre auxílios-doença por razões mentais
Foto: Anna Tarazevich/Pexels

A conta das mudanças sociais, da pandemia e de um mercado de trabalho frenético tem sido paga, à vista, com a saúde mental dos cearenses. Por ano, cerca de 6 mil pessoas são afastadas de suas funções e recebem auxílio-doença no Ceará por transtornos mentais.

Os dados são do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), tabulados pelo Diário do Nordeste, e se baseiam nos benefícios concedidos mensalmente, entre 2019 e 2021, a residentes do Ceará.

Nos três anos, foram concedidos no Estado 166.681 auxílios-doença previdenciários ou por acidente de trabalho, dos quais 152 mil tiveram causa especificada. Entre as principais, além das ligadas à saúde mental, estão câncer e traumas físicos.

O auxílio-doença é um benefício por incapacidade pago ao segurado do INSS que comprove, em perícia médica, estar temporariamente incapaz de trabalhar, por doença ou acidente.

Um dos trabalhadores afastados da rotina de trabalho para cuidar da saúde mental em 2020 foi Pedro* (identidade preservada), segundo quem “a pandemia fez amargar o pior dos 32 anos de vida até aqui”.

O administrador relata que, na contramão do esperado para um ano atípico, as metas a atingir no trabalho, que “já eram difíceis, triplicaram”, e a bomba de exaustão que vinha sendo alimentada desde 2018 explodiu.

Juntou tudo: o cansaço extremo do trabalho, cada vez mais exigente; o medo da pandemia, familiares adoecendo, o isolamento dos amigos… Caí numa ansiedade que imaginei que nunca ia superar.
Pedro*
32 anos

Diante do cansaço imobilizador, Pedro procurou ajuda psiquiátrica e iniciou tratamento medicamentoso para depressão e ansiedade, o qual ainda mantém, aliado à psicoterapia. O administrador afirma que, hoje, “melhorou muito”, e que aprendeu a “respeitar os próprios limites todos os dias”.

“Infelizmente, vejo colegas e amigos no mesmo caminho que eu: trabalhando demais, se esforçando pra atingir metas que quase não tem como alcançar e esquecendo de cuidar da própria cabeça. Eu continuo no mesmo emprego, preciso, mas aprendi até onde devo ir.”

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Afastamentos do trabalho

No Ceará, o mês com mais pessoas afastadas do trabalho por razões mentais, no período analisado pelo Diário do Nordeste, foi outubro de 2020, que registrou 821 auxílios-doença concedidos devido aos transtornos. Por mês, nos três anos, a média foi de 495 benefícios.

Foi 2020, aliás, o ano com maior número de auxílios deste tipo entre os trabalhadores, nos três últimos anos, com aumento de 17% em relação ao pré-pandêmico 2019. Já em 2021, as concessões voltaram a cair.

Eveline Nogueira, psicóloga e integrante do Núcleo de Psicologia do Trabalho da Universidade Federal do Ceará (UFC), alerta que “a relação entre o mundo do trabalho e os casos de adoecimento mental não é nova”, mas que a discussão “vem ganhando força”.

A especialista destaca que “atividades que exercem uma maior exigência cognitiva e psíquica do sujeito impactam de forma mais intensa a saúde mental”, mas frisa que os fatores de adoecimento não são exclusivos de uma ou de outra atividade laboral.

“Fatores como uma maior insegurança relacionada ao trabalho, o desemprego, a baixa remuneração, a falta de perspectiva de vida a longo prazo, a retirada de direitos e garantias de alguns setores, tudo isso agrava quadros patológicos relacionados ao trabalho”, pontua.

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Além disso, Eveline avalia que a influência da pandemia, nos últimos dois anos, é direta, porque “o quadro pandêmico muito modificou a esfera de trabalho para alguns e deixou outros tantos desempregados”, potencializando problemas já existentes.

Todas essas são questões que ajudaram a agravar quadros de adoecimento mental como quadros depressivos, de ansiedade, de pânico, dentre outros.
Eveline Nogueira
Psicóloga

Os afastamentos, então, se tornam indispensáveis, porque, como explica Eveline, “uma pessoa adoecida não consegue desenvolver suas atividades normalmente. E, muitas vezes, o trabalho acaba agravando aquele quadro, quando não é o seu próprio causador”. 

Diante disso, a profissional destaca que "as organizações de trabalho precisam estar cada vez mais atentas aos seus trabalhadores, inclusive estando dispostas a modificar a estrutura e a organização de trabalho de modo a oferecer condições mais dignas, com carga menos intensa".

Os trabalhadores precisam estar também mais cuidadosos com seus colegas de trabalho, cuidando uns dos outros, identificando aspectos do comportamento que fogem do habitual. É necessário criar esse laço de solidariedade e cuidado mútuo, muitas vezes esquecido.
Eveline Nogueira
Psicóloga

Mais de 3 mil afastados pela Covid

Paciente é intubado por profissional de saúde em leito hospitalar
Legenda: Segunda onda de Covid, com internações mais longas, teve aumento de afastamentos por doença
Foto: AFP

O número de auxílios-doença concedidos por ano caiu, desde o início da pandemia, apesar de uma nova importante causa de adoecimento ter ingressado entre os registros: a Covid-19. 

Desde o início da pandemia, pelo menos 3.344 cearenses foram afastados do trabalho devido ao coronavírus, 75% deles somente em 2021 – a maior parte dos benefícios foi concedida entre março e julho do ano passado, período da 2ª onda de Covid no Ceará.

Na 2ª onda da pandemia, as internações por Covid ficaram 73% mais longas, se comparadas à 1ª, como apontaram boletins da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), no início de 2021.

O tempo médio de internação dos pacientes infectados pelo coronavírus subiu de 7 dias para 12 dias, interferindo de forma direta nos afastamentos de funcionários das empresas, no ano passado, já que o auxílio-doença é pago a partir do 15º dia de licença médica.

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