Série Meninas do Benfica, gravada em Fortaleza, estreia na televisão

Em exibição no Canal Brasil, série retrata manifestações de 2013 na capital cearense a partir do amadurecimento de mulheres no protesto

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Andrea (Ariza Torquato), Keyla(Lua Martins), Iara (Amanda Freire) e Sandra (Larissa Goes) protagonizam "Meninas do Benfica"
Foto: Divulgação

Parece que foi ontem. As manifestações no Brasil em junho de 2013, porém, completam uma década no próximo ano. De lá para cá, o país se viu numa montanha-russa de acontecimentos com proporções incalculáveis. Em paralelo, a sensação é de que aquele período ainda não terminou, estendendo as consequências no hoje e no amanhã. Junho de 2013 é todo dia.

A experiência de assistir a “Meninas do Benfica”, portanto, se equipara a reviver aqueles duros instantes estabelecendo pontes com o agora, não sem antes refletir sobre a seguinte questão: de que forma as Jornadas de Junho influenciaram os sonhos de quatro jovens mulheres cearenses ao longo dos protestos?

É essa a premissa da série em oito capítulos que estreia nesta quarta-feira (2) no Canal Brasil, às 19h45, com exibição semanal de dois episódios. Em breve, toda a atração – nascida e gravada em Fortaleza – estará disponível em outras plataformas de streaming. 

Legenda: Nascida e gravada em Fortaleza, a série enfoca nos dilemas de quatro jovens mulheres em meio às manifestações de 2013
Foto: Divulgação

Ao Verso, a idealizadora do projeto, Roberta Marques, diz que, para além do impacto das manifestações durante as Jornadas de Junho, muito lhe impressionou a forma como as mídias alternativas documentavam e transmitiam o evento. “A gente via coisas que a mídia tradicional não mostrava, como os jornalistas independentes sendo vítimas da violência policial. Era muito duro acompanhar tamanha injustiça”, recorda a realizadora cearense.

Esse panorama estava sendo apresentado graças às novas tecnologias em som e vídeo propagadas nas redes sociais. Fascinada por esse universo, Roberta constatou que a rica documentação feita a partir de celulares poderia ser uma boa saída para contar uma história, tendo como pano de fundo o exato contexto dos conflitos. “Meninas do Benfica” surge em 2014 alicerçada por esse argumento.

“Não foi exatamente o investimento em uma empreitada, mas sobretudo a necessidade de unir vários desejos de expressão dentro de mim na época”, diz a criadora da série. “Este é meu primeiro drama seriado, e elaborar o arco de uma série era uma novidade para mim naquele momento”.

Consciência política

Na tela, o público conhecerá Sandra, Iara, Keyla e Andrea. Elas estão nos preparativos da última transmissão do canal Meninas do Benfica – um projeto para YouTube que as uniu desde o primeiro ano da faculdade de Comunicação Social. Ao longo de toda a graduação, as quatro melhores amigas debateram tudo o que lhes atravessava.  

Com as Jornadas de Junho, o grupo vai às ruas da capital cearense realizando ações que interferem diretamente nos próprios sonhos e planos pessoais. Tomadas por uma nova consciência política, elas se deparam com dilemas existenciais, ao passo que entenderão como devem agir para além das eleições. O canal do YouTube, assim, representará uma mola para ainda mais reflexões e mudanças.

Legenda: Cena com Andrea, personagem de Ariza Torquato: nova consciência política em meio ao caos
Foto: Divulgação

Na fase de desenvolvimento da série, Roberta Marques convidou o roteirista Leonardo Levis – com quem já trabalhava em um longa-metragem – para ser consultor de roteiro. Nesse processo, ela entendeu aquilo que foi afirmando as escolhas dramáticas do material. 

“Posso dizer que o arco dramático da série e o arco dentro de cada episódio foram elaborados nas mesas de roteiro e em conjunto com roteiristas e consultor de roteiro. O mais importante sempre foi exibir a amizade entre mulheres, um elo de afeto, transformação e criatividade partilhado pelas protagonistas”, detalha.

Todas naturais de Fortaleza, as atrizes Larissa Goes, Ariza Torquato, Amanda Freire e Lua Martins passaram por vivência nos ensaios com a preparadora de elenco Andréia Pires. O trabalho envolveu camadas intelectuais, emocionais e corporais, muito na perspectiva do “trauma” ocasionado pelas manifestações a partir do aspecto da violência. 

Legenda: 64% da equipe de "Meninas do Benfica" é composta por mulheres
Foto: Divulgação

Por sua vez, ao comentar a importância de retratar as Jornadas de Junho de 2013 por um prisma fora do circuito Rio-São Paulo, Roberta é enfática:  “Sempre foi um desejo meu, não só nesse projeto, mas em todos os outros que realizo em Fortaleza. Para mim, não existe um 'eixo’ no sudeste. Como criadora, o eixo é onde coloco minhas personagens, minha história”.

Mulheres no centro

“Meninas do Benfica” é substancialmente feita por mulheres, tanto à frente como atrás das câmeras. 64% da equipe é composta por elas. Desde que foi iniciada a produção, a criadora da série estabeleceu essa meta para Maurício Macêdo, co-produtor e produtor executivo. 

Para Roberta, isso era importante não apenas pela representatividade em forma de números, mas para mostrar que há diversas mulheres talentosas no setor – muitas delas, infelizmente, de fora da maioria das produções devido ao machismo na indústria do audiovisual.

“Isso é muito brega e antigo. É hora de renovar, de mostrar o olhar feminino e ouvir a voz das mulheres, que é diferente e, por isso, muito importante para reavaliar os valores impostos na sociedade contemporânea. Em ‘Meninas do Benfica’, essa maioria de mulheres trouxe exatamente isso, um jeito diferenciado de lidar com as hierarquias inerentes às produções audiovisuais. Na nossa equipe, essa hierarquia era horizontal”.
Roberta Marques
Realizadora audiovisual

Logo, o lançamento do projeto neste momento acontece de forma espontânea, mas também sintonizado com a celebração do mês da mulher, alargando o horizonte de discussões sobre essa temática. Situando ainda as reflexões de 2013 presentes em 2022, Roberta Marques acha ser essa ponderação muito saudável e necessária. 

“Em 2013, o Brasil era um país em desenvolvimento, e esse desenvolvimento nunca na nossa História foi tão claro, óbvio e rápido. A partir de 2016, engatamos em uma marcha à ré e, em 2018, caímos em um precipício. Olhar para os protestos de 2013 é uma reflexão importante para retomar e reconduzir nosso país”.

Inspirações e desafios

Quanto aos desafios da empreitada, o maior foi ousar. A série foi concretizada após aprovação em editais públicos. Realizar todo o projeto com o financiamento recebido, conforme a idealizadora, era uma missão muito difícil. 

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Contudo, graças aos produtores executivos, Maurício Macêdo e Isabela Veras, o trabalho financeiro foi feito de forma responsável e ao mesmo tempo criativa. O talento de toda a equipe também ganha destaque, uma vez que engajou o grupo ainda mais no processo. Toda essa entrega fez uma notável diferença, impressa na tela.

Legenda: “Minhas amigas de Fortaleza são a maior inspiração para criar as ‘Meninas do Benfica’", diz Roberta Marques
Foto: Delfina Rocha

“Minhas amigas de Fortaleza são a maior inspiração para criar as ‘Meninas do Benfica’, assim como a observação natural de pessoas que admiro”, sublinha Roberta, atualmente residindo em Amsterdã, na Holanda. “Muitos autores se inspiram em outros autores e obras. Isso também ocorre comigo, mas acho que sobretudo me inspiro na vida e nas pessoas”.

Desta feita, o protagonismo feminino e a cidade de Fortaleza como personagem-musa é o que mais conecta os trabalhos da cineasta, aspectos que nunca quer deixar de perseguir. O desejo e o potencial para a segunda temporada da série, inclusive, são totalmente presentes. A previsão é de que, em breve, possamos ter novidades.

Legenda: O protagonismo feminino e a cidade de Fortaleza como personagem-musa é o que mais conecta os trabalhos de Roberta Marques
Foto: Victor Rasga

No momento, a cearense desenvolve um projeto intitulado “Love and Exile”, sobre imigrantes  e refugiados LGBTQIA+ em Amsterdã. Também está envolvida em uma nova série com a atriz Mariana Lima, uma criação de ambas. E, juntamente ao já citado Maurício Macêdo, realiza o longa “Lor”.

“Poderia dizer que as quatro protagonistas de ‘Meninas do Benfica’ são fragmentos de mim mesma e são também alter egos. Minha perspectiva sobre minha criação é uma coisa que estou saboreando agora. Leva um tempo até entender o processo”.
Roberta Marques
Realizadora audiovisual


Serviço
Série “Meninas do Benfica”
Estreia nesta quarta-feira (2), às 19h45, no Canal Brasil. Horários de exibição dos episódios: todas as quartas-feiras, às 19h45, dois episódios em sequência. Horários alternativos: sexta (4/3), às 16h15; domingo (3/3), às 11h; e segunda (7/3), às 13h45. Em breve, em plataformas de streaming.

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