Roberto Carlos chega aos 80 anos como figura central da música brasileira
Reinvenção e apuro técnico são algumas marcas da trajetória do Rei. O cantor, ator, compositor, apresentador celebra 80 anos de uma vida dedicada à arte
Filho de um relojoeiro e uma costureira, Roberto Carlos Braga subverteu inúmeras lógicas em 80 anos de vida, celebrados nesta segunda-feira (19). Superou um trágico acidente na infância e migrou da modesta Cachoeiro de Itapemirim (ES) para o Rio de Janeiro. Tornou-se a principal voz e imagem da Jovem Guarda. Campeão de vendas, prosseguiu cantando o amor e reafirmando a fé. O “Rei”.
Dos anos 1950 até os dias atuais, é difícil calcular em quantos lares do Brasil Roberto Carlos adentrou. Gerações inteiras de mães, pais, filhos e filhas testemunharam as muitas fases e rostos desta entidade cultural.
Robertão já mandou tudo para o inferno. Escreveu um hino de ode à amizade. Acelerou nas curvas da estrada de Santos e fez alerta em prol das baleias e da Amazônia. Afirmou veemente “esse cara sou eu”. Uniu orquestra e música black para gritar “Jesus Cristo, eu estou aqui”.
São 62 anos ininterruptos de carreira. Além da competência musical, o capixaba explorou as possibilidades de consolidar essa trajetória em outras mídias. Chegou a trabalhar no cinema antes mesmo de gravar o primeiro disco. Foi figurante nas produções “Alegria de Viver" e “Minha Sogra é da Polícia" (ambas de 1958).
Anos depois, já Rei, protagonizou os sucessos “Roberto Carlos em Ritmo de Aventura” (1968), “Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa” (1970) e “Roberto Carlos a 300 km por Hora” (1971). Todos com direção assinada por Roberto Farias (1932-2018).
No território da TV, consolidou-se como fenômeno de massas. Os passos iniciais foram chancelados pelo conterrâneo Carlos Imperial (1935-1992), produtor e apresentador da TV Tupi, com o faro especial para o sucesso popular. Chegou a ser lançado como o “Elvis Presley brasileiro”. Não parou mais.
Em 1965, o programa Jovem Guarda fez a cabeça da juventude naquelas tardes de domingo. Desde 1974 é sinônimo de celebrações de fim de ano na Rede Globo. Somente em 1999, o “Roberto Carlos Especial” não foi exibido. Naquele ano, o cantor perdeu a esposa, Maria Rita, em decorrência de um câncer.
Rei da bossa nova?
“Só que não”. Do Espírito Santo, Roberto Carlos foi morar na casa de uma tia em Niterói (RJ). Na então capital do Brasil, conheceu uma turma da pesada. Parceiros e figuras determinantes na construção de sua jornada. Um deles foi Sebastião Maia, o Tim Maia (1942-1998).
1958 foi um ano mágico. Para um concerto, Roberto precisava decorar a canção “Hound Dog”, hit marcante na voz de Elvis. Por conta disso, foi apresentado a um garoto que colecionava letras de rock 'n' roll. Era o “amigo de fé, irmão camarada”, Erasmo Carlos.
No entanto, antes de consagrar o “iê-iê-iê”, o Rei investiu na onda da bossa nova. A carreira solo foi iniciada na boate de um hotel em Copacabana, cantando sambas-canção e bossa. A primeira gravação foi o compacto com as faixas “João e Maria” e “Fora do Tom”, compostas por Imperial.
A aventura do Rei pela bossa é descrita no livro “Noites tropicais: solos, improvisos e memórias musicais”, de Nelson Motta. O gênero era febre na capital fluminense, especialmente na rica Zona Sul. Para ouvir e ser ouvido era preciso circular nesse ambiente.
Certa noite, a “turma da bossa nova” estava concentrada na festa de um bacana. Ronaldo Bôscoli (1928-1994), Nara Leão (1942-1989) e Roberto Menescal, para citar alguns.
“Eu peço o silêncio de vocês para apresentar o futuro príncipe da bossa nova”, brandou Imperial no recinto.
“Acompanhado por Durval Ferreira, o “Gato”, no violão, o jovem conterrâneo de Imperial cantou, com seus lábios finos e um fio de voz, bem afinadinho e até com certo charme, duas músicas de seu mentor, que ele tinha acabado de gravar. O rapaz imitava escancaradamente João Gilberto e a música era uma sub-bossa imperialesca”, descreveu Nelson Motta.
O inimitável
É no Iê-Iê-Iê que o capixaba consolida o seu lugar na música brasileira. Dita moda e comportamentos. Gírias adicionadas ao português. “É uma brasa, mora?". Entre 1965 e 1968, a Jovem Guarda cristalizou o espírito da época. Namoricos, carrões e liberdade.
Ainda debaixo da asa de Imperial, soltou as músicas "Brotinho sem juízo" e "Canção do amor nenhum" (1960). No ano seguinte, finalmente, é lançado o álbum de estreia. “Louco por Você” teve recepção abaixo do esperado.
Em 1963, Roberto deixa de mão a bossa e inicia a fértil parceria com Erasmo. A dupla se tornaria uma das mais bem sucedidas da MPB, comercial e artisticamente falando. O 78 rpm "Splish splash/Parei na contramão" explode naquele ano. Sem perder tempo, emplaca outro destaque com o LP “É proibido fumar”.
Em 1965, vem a consagração nacional. O programa "Jovem Guarda" dominou as audiências da TV brasileira. Roberto, o "Tremendão" Erasmo Carlos e a "Ternurinha" Wanderléia formaram o pilar de sustentação do movimento. O ano ainda traria os discos "Roberto Carlos canta para a juventude" e “Jovem guarda".
Os temas juvenis só seriam deixados de lado em “Roberto Carlos” (1969). O trabalho, cuja capa traz o ícone sentado na areia da praia, desperta outros rumos musicais. Dilemas pessoais pesam. O problema do filho Dudu Braga com a visão é influência notória em "As Flores do Jardim de Nossa Casa".
Muito romântico
A popularidade acompanhava uma sequência de discos memoráveis. Orquestras, estúdios estrangeiros e parcerias com nomes de peso da MPB edificam o período. Dezembro de 1977 é considerado o ápice da dita era “romântica” do Rei.
Gravou "Muito romântico" (Caetano Veloso) e "Cavalgada" (com Erasmo). Mais de dois milhões de cópias são registradas. Segundo o Dicionário Cravo Albin, o show de 1978 correu o país por seis meses com casas previamente lotadas e público estimado em mais de 250.000 pessoas. A lista de sucessos chega a ser incontável. "Café da manhã", "Força estranha", "Lady Laura", “Amigo”, “Amada Amante”. A estrela Roberto Carlos manteve-se no correr das décadas. O Rei completa 80 anos com uma estrada única.