'Que fila é essa?': como o tradicional 'pratinho' virou um sucesso na Beira-Mar de Fortaleza
Aliando preço, porções fartas e audiência nas redes sociais, o Pratinho da Madrugada consolidou esse clássico da gastronomia de rua na dita "área nobre" de Fortaleza
Espaço de lazer, atividades físicas e circuito turístico de Fortaleza, a Beira-Mar concentra uma série de atrativos nos seus três km de extensão. No cotidiano dos últimos meses, uma enorme fila passou a despertar atenção de quem frequenta a região. O caso até ganhou repercussão nas redes sociais.
Nativos e visitantes de outras terras são guiados pela curiosidade. Quem se aproxima desvenda o segredo. Toda aquela movimentação se deve a um clássico da gastronomia de rua cearense. É o popular "pratinho" em ação.
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Comumente, trata-se do prato pronto que traz (à escolha do cliente) baião de dois ou arroz, vatapá, creme de galinha, paçoca e salada. Vale destacar, a iguaria se une a outros alimentos vendidos na Beira-Mar, como acarajé, açaí, milho verde, cachorro-quente e aquela esperta água de coco.
Com 13 anos de atividade, o Pratinho da Madrugada, liderado pelo tempero de Dona Luiza, vem saciando o paladar destas filas. O lema é "comida de qualidade por um preço justo". Assim, a comida chega turbinada às mãos da clientela. São 15 ingredientes disponíveis para montar o prato, com preços de R$ 15 a R$ 25. Minutos antes do serviço começar, já tem gente esperando a vez.
Na fila do pratinho
Os primeiros clientes já explicam a diversa lista de quem procura o pratinho. Primeira vez no local, a aposentada Amália Alves veio por indicação do filho. Já Maria do Socorro trouxe nora, netinha e o filho, Lucas Vasconcelos. Direto de Porto Velho (RO), o casal Mariana Serrano e Alcides Pereira querem provar a novidade.
"Vi a fila grandona nas redes, o pessoal comentando. Nos bairros tem muito pratinho, mas aqui o povo é carente disso na Beira-Mar. Com essa opção, aqui você não passa fome", faz questão de argumentar Lucas Vasconcelos. A conversa é interrompida, pois a equipe do Madrugada começou a montar o "mise en place".
O funcionário Victor César explica como funciona o procedimento. O preparo da comida inicia às 14h. Sob as orientações de Dona Luiza, outras seis pessoas cuidam dessa etapa com o fogão. Já noite, os alimentos, incluindo sobremesas e bebidas, são organizados.
Com tudo pronto, a equipe percorre cerca de 14km do bairro Pici até o calçadão da Beira-Mar. Às 20h30, começam as vendas. A função prossegue até os primeiros minutos do outro dia. Assim, o Pratinho da Madrugada atende diariamente. O único dia de folga do time é reservado ao último domingo de cada mês. "Cozinhar, tem que gostar", afirma Luiza.
Os pratinhos são vendidos no trecho situado entre as ruas Tibúrcio Cavalcante e Nunes Valente. Contudo, nos últimos meses, o ponto de referência mais comum dos clientes vem sendo a expressiva fila que se forma ao redor da banca que guarda as guloseimas.
"Nunca fiz curso de gastronomia. Na minha família todos trabalham com comida. Comecei a cozinhar em casa de família e fui aprendendo. Faço todo tipo de refeição e sobremesa. Sou forno e fogão", descreve a gentil criadora do carrinho que virou sucesso.
Passados 20 minutos do início do atendimento, duas panelas com guarnições esvaziam. Victor precisa repor imediatamente e corre no carro que serve de base e apoio. "Você jantar na Beira-Mar por R$ 15? É uma boa opção. Nos tornamos um ponto de encontro aqui", arremata.
Do jeito que o cliente gosta
O chef Erivaldo Sousa descobriu o ponto de Dona Luiza por meio das redes sociais. Nascido em Hidrolândia (251 km de Fortaleza), o profissional atua em São Paulo há 15 anos. Do território da alta gastronomia para o comércio de rua, o entrevistado elogia a proposta.
"Você cozinhar um pratinho simples, ao custo de R$ 15 e voltado à população que visita essa área turística. Nossa, acho isso muito respeitoso por parte deles. É muito satisfatório", compartilha.
Provar do pratinho é sua forma de voltar às raízes e conhecer um pouco mais da gastronomia popular de Fortaleza. E se existisse uma banquinha dessa lá em São Paulo, perguntamos. "Você é louco. Seria um sucesso e tanto", projeta o chef cearense.
Aproveitando uns dias de férias na cidade, Edson e Val representam o paladar da Região Norte. Vindos de Belém, o casal optou pelo pratinho de R$ 15. "Tem uns amigos nossos que estão comendo camarão lá no Mercado dos Peixes. Preferimos dar uma caminhada antes. Vimos o movimento aqui e pensamos, 'se tem fila é bom'", detalha Daniel.
Comer no "carro de lanche" (termo usado pelos paraenses, garante Daniel) foi uma excelente pedida para o passeio naquela noite de terça-feira. "Pagamos pouco e estamos comendo bem", diz Val. A turista aprovou o combo preço/sabor e desafia o parceiro: "Voltamos amanhã aqui de novo?".
Pratinho que atravessou Fortaleza
A jornada de Dona Luiza nesse ramo despertou há 13 anos. Como outros moradores da capital cearense, sua irmã, Isabel, investiu em uma banca de pratinhos na calçada de casa. Dali, Luiza levou seu tempero para o José Walter, durante os festejos juninos do Arraiá da Cumade Chica.
Em seguida, já com esposo Roberto ajudando no próprio negócio, Luiza migrou para o Centro de Fortaleza, passando por Praça da Lagoinha e entorno do Theatro José de Alencar. "Já era uma fila enorme por lá", resgata a cozinheira. Tudo mudou quando a dupla de comerciantes resolve montar um ponto na Beira-Mar.
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Inicialmente, trabalhavam nas proximidades da tradicional Feirinha de Artesanato. Diferente do atual horário de atendimento (de 20h30 às 00h), Luiza e Roberto começavam às 22h. Com os anos, a característica de atender já nas primeiras horas do outro dia ajudou a batizar o empreendimento. Nascia o "Pratinho da Madrugada".
As iguarias agradaram não só turistas e visitantes que passeiam pela região. Trabalhadores e proprietários dos quiosques da feira também aprovaram o tempero. Em 2018, por conta das reformas iniciadas na Beira-Mar, o Pratinho da Madrugada chegou a funcionar no Aterro da Praia de Iracema.
Antes de se fixar na atual localização, enfrentaram o período pandêmico. "Complicou demais. Tivemos que voltar a vender de casa. Mas, deu certo trabalhar com delivery. Eram seis entregadores trabalhando. Era muita comida. Esse período passou e estamos hoje aqui".
Nesse retorno à Beira-Mar, aponta a proprietária, a divulgação via internet continuou como aliada eficiente. "A rede social ajudou muito. Os 'influencers' visitam, fazem os vídeos e chega gente por conta dessas gravações. Minha filha é quem cuida do nosso Instagram", finaliza Dona Luiza.