Pernil suíno, rapadura, bulim, doce de compota: como fazer uma ceia de Natal genuinamente cearense
Para especialistas, melhor forma de valorizar ingredientes regionais é fazer substituições encaixando o que é nosso em receitas clássicas mundialmente
Que tal trocar o damasco da farofa por banana passa? Ou substituir o Chester por um delicioso pernil suíno no molho de laranja? A ceia de Natal genuinamente cearense pode ser mais saborosa do que você imagina e, de bônus, consegue valorizar insumos regionais numa data em que prevalecem pratos bastante distantes de nossa gastronomia.
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O Verso conversou com duas especialistas para saber de que forma amenizar a tradição culinária de outros países e incorporar à mesa pratos que dialogam com o de comer do Ceará. Tem de tudo: cajuína, peta, queijo, geleia e até licor.
Chef de cozinha e diretora do Mercado AlimentaCE, Marina Araujo diz que a melhor forma de valorizar ingredientes daqui é fazer substituições encaixando o que é nosso em receitas clássicas mundialmente. “O panetone de frutas cristalizadas, por exemplo, pode ser trocado por um panetone de doce de leite ou de goiabada com queijo”, sugere.
E se o assunto for cesta natalina, os itens se multiplicam, não sem antes uma ressalva: “Primeiro que não seria uma cesta, mas sim uma Uru, bolsa típica dos pescadores para carregar o saldo da pescaria”, introduz a chef. Nela, haveria cajuína ou até mesmo a Cauína – espumante de caju tipicamente cearense.
Para acompanhar, bulim, bolachas folhadas, queijo manteiga bem suculento, queijo de coalho curado e queijo de castanha. Geleia de maracujá com manga, pasta de castanha com cacau, doce de leite liso e goiabada cremosa completariam o cardápio.
Linguiça caseira defumada e pastrami marinado no suco de caju selariam o panorama. “Tudo bem embrulhado em papel pardo de bodega, uma Uru completinha e com sotaque cearense”, festeja Marina. Opções, claro, tanto para a cesta quanto para a ceia natalina.
A estudiosa reflete que houve um tempo no qual um belo frango era o grande protagonista da noite. E, ao invés de tender com molho agridoce, eram servidas tortas de miúdos. “Mas a cultura alimentar é viva. Ela muda e a cada década aculturam-se novos itens”.
Pra ninguém colocar defeito
Izakeline Ribeiro que o diga. Para ela, o ato de comer vai além de nutrir o corpo. O alimento é ferramenta de comunicação capaz de dizer quem somos, o que fazemos e de que forma é nossa cultura.
“A comida nos ajuda a dizer quem somos como comunidade. Por isso é importante reconhecer nossos ingredientes, nossos modos de plantar e colher o alimento, de cozinhar e de comer. Quanto mais comemos o que é nosso, mais nos fortalecemos como povo”.
Não à toa, a jornalista e pesquisadora do Mestrado em Gastronomia da Universidade Federal do Ceará também nos ajuda na tarefa de montar a ceia natalina cearense. Castanha, cajuína, rapadura, peta (biscoito de polvilho), doce de compota (frutas ou de leite), queijo maturado de Quixeramobim e um licor de Viçosa do Ceará são belas pedidas.
Fazem parte da cultura alimentar made in Ceará, tanto em produção como em hábitos alimentares. A cajuína, além de bebida, pode servir de base para um molho agridoce em acompanhamento da carne suína, bem como a rapadura pode dar um toque adocicado às preparações. “A combinação de doce e salgado costuma ser apreciada em pratos desse período”, pontua Izakeline.
Além da carne suína, é possível incluir no menu a paleta de carneiro, ambas de produção cearense. Farofa também não deve faltar, e pode ser feita com vegetais ou mesmo o querido torresmo. Sobremesas. por sua vez, podem ganhar coberturas ou recheios de compotas de frutas ou doce de leite local.
Até o cafezinho final é possível de ser feito com um bom grão da serra de Baturité. “As mudanças foram acontecendo no decorrer do tempo conforme o acesso e a disponibilidade de produtos em cada localidade. Certamente, a ceia de Natal no Brasil conta diferentes influências estrangeiras que foram se transformando em tradição”.
Priorizar o Ceará
Assim, itens como o peru, de origem norte-americana; o bacalhau e a rabanada, de origem portuguesa; o panetone, de origem italiana, entre outros, fazem do de comer natalino brasileiro um verdadeiro encontro de culturas. Os pratos regionais, por outro lado, foram se somando de acordo com cada localidade, a exemplo das farofas, dos doces e das carnes.
Para Marina Araujo, em qualquer época do ano é possível incorporar alimentos do Ceará à mesa, para além do que já experimentamos no dia a dia. O ponto é ousar com criatividade e sempre atento ao que está mais perto de nós.
“Ao fazer isso, valorizamos nossa cultura alimentar, pequenos produtores e toda uma cadeia produtiva por trás. São insumos que também trazem história, sustento e cultura. Dar vez aos ingredientes cearenses é fortalecer uma cadeia enorme que não termina onde começa”.