O que você fez pela primeira vez em 2021? Especialistas reforçam a importância de começar algo novo
Além de benefícios cerebrais, experiências inéditas facilitam sociabilização e aprendizados
Este ano, Lara aprendeu a dançar forró, Sâmara se aventurou com acrobacias em tecido, Nik começou a bordar e Plínio iniciou aulas de canto para aprofundar a relação com a própria voz. Antes de 2021, porém, essas experiências figuravam apenas como desejos, daqueles que se põem na lista para fazer algum dia e dificilmente se tiram. Decidir pelo frio na barriga da “primeira vez” tem muito a ver com abraçar desafios, e foi exatamente isso que eles resolveram fazer.
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“Eu sou engenheira, tudo meu é muito racional, números, e nas aulas de forró é diferente; algo mais para relaxar a mente e descansar mesmo. Me fez aprender que o equilíbrio é muito importante na nossa vida”, partilha Lara Braide, 28 anos, sobre a inclusão desta atividade no seu dia a dia.
Desde julho, ela tem se dedicado ao ritmo. Conta as horas para os encontros semanais, nos quais aproveita para conhecer novas pessoas e abrir o leque de opções.
“Eu acho que o forró tem muito da comunicação com o outro, você aprende a se comunicar com o corpo. Aprendi que posso fazer muitas coisas novas, basta eu querer, me propor a isso”, relata.
Para a professora Sâmara Gurgel, 36, provocar alguns deslocamentos na rotina são importantes, porque os interesses não são estáticos e deixá-los muito de lado torna a vida mais “sem graça” e, portanto, mais difícil também.
Ela, que também é psicóloga e psicanalista, iniciou o exercício em tecidos acrobáticos em novembro, como complemento à prática de musculação que lhe é necessária.
“Aprendi novas posturas e movimentos, outros precisei resgatar do tempo de infância. As aulas me trazem também mais consciência corporal e, como são coletivas, me permitem essa readaptação às atividades presenciais em grupo, com as quais não tinha mais contato desde o início da pandemia”, pontua.
Análise comportamental
Autora dos livros “A mulher das cavernas”, “Todo mundo tem direito a um segredo”, “O consciente freudiano” e “O bicho singular”, a psiquiatra e artista visual Lia Sanders reforça que a pandemia mexeu conosco em todos os aspectos - social, econômico, espiritual - e chama atenção para a influência disso nesses processos de renovação.
“Fomos obrigados a virtualizar nossas experiências, muitos tiveram que se reinventar profissionalmente, famílias perderam entes queridos e tiveram de se reorganizar em novos papéis. São muitas mudanças rápidas e involuntárias, o que requer muita energia”, diz a também professora da faculdade de Medicina da UFC e da Unichristus.
Ao que a psicóloga clínica e artesã Cleide Silveira de Andrade complementa: “Começar algo novo foi e está sendo uma forma de sobreviver, de se fortalecer, de enfrentar tantas dificuldades impostas por essa doença. Em algumas pessoas, a ampliação da percepção de si mesmo e de seus recursos internos, os quais podem ter ficado adormecidos por tempos, contagia a autoestima, pode promover autoconfiança e estimula a autonomia”.
Outras primeiras vezes
Essa foi a exata sensação de Lara Nicole (Nik Hot), 25, cantora e fundadora da Casa Transformar, de acolhimento a pessoas LGBTQIAP+, quando se deu conta de que poderia bordar. Por meio do projeto social Bordando Histórias, levado para a instituição com o intuito de profissionalizar a população atendida, ela descobriu uma habilidade antes escondida.
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“Eu nunca imaginei que eu conseguiria fazer bordado. Saber que eu sou capaz e que qualquer pessoa é capaz, porque não é difícil, é muito legal e é uma arte linda”, evidencia.
Segundo ela, a prática também tem lhe ajudado a controlar a ansiedade e a projetar novos cenários de financiamento para a Casa Transformar, que abriga seis pessoas no momento e assiste pelo menos 15 por mês.
“Bordado é uma profissão, tem pessoas que vivem dele, conseguem manter suas contas. Eu nunca vendi nenhum, todos que fiz estão comigo, foram experimentais, mas pretendo começar a vendê-los para ter uma renda para a ONG”, admite.
Nesse caminho, o ator e professor Plínio Morais Frota, 25, começou algo novo em diálogo com as profissões que já exerce. “As aulas de canto vieram como um laboratório no qual experimento as possibilidades que consigo alcançar com esse instrumento chamado voz. Isso se reflete no meu trabalho como ator e no meu exercício enquanto docente na sala de aula, usando técnicas específicas para articular e projetar a voz com o intuito de me poupar e não desgastar esse instrumento tão precioso”, explica.
Os desafios, ele reconhece, são inúmeros, mas vêm acompanhados de conquistas importantes.
“No início foi bem frustrante, pois sentia muita dificuldade nos exercícios propostos pela profissional que me acompanha, Cristina Passos. Sentia vergonha da minha voz e isso ia desencadeando várias questões pessoais desde a infância até a fase adulta. É um processo de autoconhecimento que para mim foi assustador, mas acima de tudo, libertador”.
Cuidar das emoções
O contato com o inédito é realmente capaz de evocar diferentes emoções. Medo, ansiedade, surpresa, prazer e encantamento são algumas das mais comuns e, segundo a psiquiatra Lia Sanders, elas variam com a personalidade, as experiências anteriores, a atividade em questão e o grau de expectativa.
“As expectativas de cada pessoa para o ‘novo’ podem ser positivas ou negativas, fato esse que terá ligação com a história de vida de cada um, com os desejos que cada pessoa construiu no decorrer de sua vida. Desse modo, tanto as emoções, como as possibilidades e os comportamentos serão afetados”, completa a psicóloga Cleide Silveira de Andrade.
A atividade cerebral também é diretamente influenciada por esses processos, como lembra Lia Sanders.
“Aprender algo novo leva a novas associações, reorganiza as conexões cerebrais, fortalecendo determinados circuitos. É desafiador porque leva um certo tempo e o esforço de muitas repetições para que esse processo se consolide em um novo conhecimento, cristalizando novas habilidades”, explica.
Mas as artes em geral cumprem um papel importante nesse universo. “Elas ativam o prazer e a criatividade de uma forma bela e organizadora. O prazer de cantar, de dançar, de produzir uma pintura, dentre outras atividades artísticas, desencadeiam o aumento da produção de neurotransmissores, como a dopamina, substância envolvida com a evocação de sentimentos agradáveis”, aponta Cleide, em um discurso estimulante à prática.
Falando nisso, qual “primeira vez” você pretende riscar (e arriscar) em 2022?