O que a importunação sexual de Tirullipa na Farofa da GKay fala sobre a cultura do machismo

O humorista foi expulso do evento que acontece em Fortaleza por 'conduta inadequada', após desamarrar biquínis de mulheres convidadas de Géssica Kayane

Escrito por Lívia Carvalho , livia.carvalho@svm.com.br
Legenda: Humorista Tirullipa puxou biquínis de convidadas da Farofa da Gkay
Foto: Reprodução

“Eu me senti invadida”. Foi assim que a influenciadora Nicole Louise disse ter se sentido ao ter a parte de cima do biquíni desamarrada sem consentimento pelo humorista Tirullipa. O cearense foi expulso da Farofa da GKay, na noite de terça-feira (6), após ser acusado de cometer assédio com algumas convidadas do evento durante uma dinâmica que simulava a Banheira do Gugu.  

Em vídeos que circulam pela internet, ele desata os nós de roupas de banho de, pelo menos, três participantes e ainda puxa as peças na tentativa de deixá-las despidas. “Isso é assédio, ele não fez isso só comigo, mas com outras mulheres. Isso é uma falta de respeito”, declarou Nicole em suas redes sociais.  

Veja também

O episódio, infelizmente, não é novidade. Casos de assédio ou importunação sexual sofridos por mulheres são relatados diariamente e evidenciam a presença forte da cultura do machismo no cotidiano, além da crença de que comportamentos como o de Tirullipa são permitidos por serem ‘apenas uma brincadeira’.  

A historiadora e professora do Instituto Federal do Ceará (IFCE), Maria da Conceição Rodrigues, pontua que o caso trouxe à tona comentários que tentaram legitimar a ação do humorista, de que o espaço seria propício para aquele comportamento e que a vítima não poderia reclamar do que havia acontecido.  

“É quando você compreende como a cultura machista tá arraigada ali. Em meio a uma diversão, uma brincadeira, o corpo da mulher é livre? É público? De livre acesso? Qualquer um pode passar a mão por que estava naquele ambiente de descontração? Claro que não. O homem nunca tem culpa, o agressor nunca é culpado, porque a mulher que se colocou naquela situação como argumentam”. 
Maria da Conceição Rodrigues
historiadora

Corpo da mulher não é público  

A advogada e especialista em Políticas Públicas, Vanessa Venâncio, acrescenta que, não é pelo fato de a pessoa estar num determinado evento ou espaço, que ela esteja à disposição para que as pessoas passem a mão nela, por exemplo.  

“Não é porque é um evento privado que tem sinal verde pra tudo, é a questão do bom senso. Ele ultrapassou limites. Não tem a menor necessidade de ele estar tentando despir alguém ou passando a mão no seio de uma mulher. Esse comportamento é reprovável jurídica e moralmente”.  

De acordo com a professora Maria da Conceição, isso é um reflexo da sociedade machista estrutural, que passa por todas as camadas da sociedade. “Historicamente, a mulher se constitui na sociedade brasileira como um ser de segunda classe. O corpo da mulher é pensado como um corpo público. Essa ideia de achar que pode tudo é uma criação da cabeça da pessoa que está imersa na cultura do machismo”. 

“Ela não sofreu o assédio porque estava numa festa ou usando aquela roupa, mulheres sofrem assédio independente dos espaços que estejam, mulheres sorem assédio nas igrejas ou numa festa, nas escolas, no trabalho, nas ruas, e independente das roupas que estejam usando, porque isso é fruto da sociedade estruturalmente machista que estamos”, destaca.  

É por conta dessa estrutura já tão naturalizada que muitas mulheres, que sofrem algum tipo de assédio ou presenciam, demoram para entender o que aconteceu. Inclusive, muitos internautas apontaram que as pessoas que assistiam à dinâmica não reprimiram o comportamento do humorista nem demonstraram algum tipo de insatisfação na hora. 

A professora explica que falta uma sensibilidade para a situação. "Infelizmente, somos criados nessa cultura, não percebemos o que acontece porque tende a ser naturalizado e, por isso, muitas mulheres acabam compactuando com isso. Não é que elas sejam as opressoras, porque todas as mulheres estão sobre o julgo do machismo, mas ainda não conseguiram compreender que elas são tão vítimas quanto aquelas que elas estão observando, rindo, filmando".

Limites para a brincadeira?  

Tirullipa se pronunciou sobre o caso ainda na terça-feira e disse que não teve a intenção de ofender. “Tentei levar uma brincadeira, uma alegria para Farofa, mas eu me excedi naquele clima de Farofa de que tudo pode. Na realidade, tudo não pode. Eu vacilei, errei e estou aqui para pedir perdão a você, Nicole, e às outras que se sentiram feridas”.  

Embora o humorista declare que a intenção tenha sido de brincar, as vítimas foram submetidas a constrangimentos inclusive na frente de terceiros que presenciavam a dinâmica. “A partir do momento que você constrange alguém, que ultrapassa o limite do corpo da pessoa, que você zomba, não é brincadeira”, reitera Vanessa.  

“Piadas racistas não podem ser consideradas brincadeiras, porque elas ferem o outro, assim como a invasão de um corpo de uma mulher ou atos machistas podem ser considerados como uma brincadeira. Deixa de ser brincadeira quando você invade o espaço do outro”, corrobora a historiadora. 

Maria da Conceição também pontua que é muito comum que, em casos como esse, que o agressor se retrate, peça desculpas e afirme que não tinha consciência de que tal ação era errada. "Será que não sabia que, ao causar riso nos outros sobre aquela pessoa, era pra causar humilhação?".

Caso pode ser considerado crime  

Para além da problemática que envolve o caso, Tirullipa pode ser enquadrado no crime de importunação sexual por conta da conduta inadequada, conforme a advogada, que consiste em "praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro". 

"No caso, os terceiros seriam os espectadores e os outros convidados que estão acompanhando o evento. Ele utilizou desse meio artístico de forma muito desagradável, incoveniente, invasiva". 
Vanessa Venâncio
advogada

Vanessa explica que, para que haja um processo contra o autor, é necessário que as vítimas registrem Boletim de Ocorrência (BO), só assim as autoridades policiais vão investigar o caso e instaurar um inquérito, de modo a seguir os próximos passos. A pena para casos de importunação é de reclusão de um a cinco anos. Entenda: 

  • Registro de Boletim de Ocorrência em delegacias; 
  • Investigação pelas autoridades policiais; 
  • Instauração de inquérito;
  • Conversão para um processo judicial 

"A vítima pode também alegar e pedir uma indenização por dano moral, pela ofensa a honra, pelo vexame. Um evento desse porte muita gente pode estar acompanhando, a mãe, o pai, o filho podem ver isso. Dependendo da profissão dela, pode afetar a reputação dela e prejudicar seu trabalho", detalha Vanessa. 

A advogada completa que o caso não pode ser considerado assédio pela legislação brasileira, uma vez que essa tipificação requer que haja uma relação hierárquica entre os envolvidos.

Conforme o Código Penal Brasileiro, assédio sexual consiste em "constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função".       

Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados