Grupo de bailarinos se mobiliza para a criação de uma companhia pública de dança do Ceará
No Dia Internacional da Dança, artistas locais alegam falta de apoio direto para que consigam viver profissionalmente da dança
Com bailarinos renomados contratados em outros estados ou mesmo outros países, como Peru e Finlândia, calendário com eventos tradicionais de dança - a exemplo do Festival Internacional de Dança de Fortaleza que acontece há mais de 20 anos-, o Ceará ainda carece de políticas públicas fortalecidas para a linguagem.
Há mais de 40 anos uma das demandas do grupo de profissionais é a criação de uma companhia de dança no estado para profissionalizar esses bailarinos, fortalecer a linguagem artística e valorizar a cultura cearense, aos moldes de como já acontece no Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e da São Paulo Companhia Dança.
Sem sucesso desde então, a Associação das Academias de Danças do Ceará (ADCE) se reuniu para tocar a iniciativa.
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Dona de uma escola de dança, a bailarina profissional Mônica Luiza relata que já houve diversas tentativas, das quais ela inclusive participou. “Não conseguíamos passar do campo do projeto, porque não tínhamos apoio financeiro, de nada. Várias pessoas influentes da dança, com uma bagagem maravilhosa, tentaram, mas não tiveram êxito”.
Por isso, a iniciativa da ADCE já partiu de fazer uma audição para selecionar os bailarinos de uma faixa etária específica.
A bailarina e gestora de studio de dança Mainara Albuquerque afirma que a criação dessa companhia é o sonho de várias gerações. “De tanto esperar e só pedir, nós fizemos uma audição e selecionamos alguns bailarinos. Usamos uma sala emprestada no Porto Iracema das Artes e estamos atrás de apoio, porque todo mundo está trabalhando sem receber nada”.
Funcionamento sem apoio
No segundo semestre do ano passado, foi realizada uma audição para selecionar o corpo de bailarinos profissionais, mesmo com pendências financeiras e estruturais. Dos 79 inscritos, 30 foram escolhidos, sendo 22 mulheres e 8 homens. As aulas tiveram início em outubro de 2022, aos sábados, para a montagem de um balé.
Sem financiamento para remunerar esses profissionais, o único custo que a Associação consegue cobrir é o da passagem de ônibus.
Além do corpo de balé, a Companhia conta com dois professores, equipe administrativa, de gestão, de marketing. O projeto de orçamento para a manutenção da Companhia em 2023, para 10 meses, ficou em cerca de R$ 300 mil para arcar também com custos de transporte, audição, materiais, montagem de coreografia.
“As pessoas vão quase como voluntárias. Quando precisam de um pagamento, a gente dá um jeito. Infelizmente, como a gente não tem como pagar um salário, a gente não consegue fazer os ensaios outros dias, mas eles não desistiram e seguem como podem”, relata Mônica.
Devido à demanda de apresentações de escolas de dança em dezembro, as atividades foram paralisadas e retomaram no meio do mês de janeiro. Diante das dificuldades que têm envolvido a implementação da companhia, Mônica conta que reuniu o corpo de participantes para saber das aspirações e expectativas sobre o projeto.
"A gente fica naquela incerteza de se eles estão felizes. Conversamos muito e foi muito importante, porque eles têm outras atividades, outras profissões, advogados, contador, mas eles querem ser bailarinos e aqui em Fortaleza. Foi muito gratificante ouvi-los e nós demos continuidade. Eles estão dispostos a lutar nem que seja pelas próximas gerações”.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria da Cultura do Ceará (Secult-CE) que afirmou não ter recebido nenhuma solicitação para debater o tema até o momento, mas que está “disposta a dialogar com o grupo sobre a criação de uma companhia pública de dança no Ceará”.
Montagem de balé
Os ensaios são para a montagem do balé neoclássico autoral ‘Dunas’, com os profissionais (coreógrafo e professor ensaiador) Jeff Oliveira e Davi Barreto, abordando a conscientização sobre a necessidade da preservação das dunas e a importância para o estado, bem como enaltecer a beleza dessas formações naturais e contar a história do povo que mora no entorno da região.
A apresentação de estreia está prevista para este sábado (29), Dia internacional da Dança, como parte da programação do Bianchi Festival de Dança.
Antes disso, havia uma previsão de que essa estreia aconteceria em 13 de abril, no dia do aniversário de Fortaleza. De acordo com Mônica, em uma reunião realizada em 15 de fevereiro com o secretário da Cultura de Fortaleza (Secultfor), Elpídio Nogueira, o gestor sugeriu que a Companhia realizasse uma apresentação naquele dia, o que não aconteceu.
“Pedimos uma audiência com o secretário, fomos recebidos muito bem, ele se empolgou. Ali foi uma esperança, ele falou que ia chamar a companhia pra dançar no dia do aniversário de Fortaleza, foi uma injeção de ânimo”, relata a coreógrafa.
“Chegou o dia e nada, em todos os momentos tentamos contato, perguntando se ia dar certo, porque parecia que estávamos enganando os bailarinos e é tão sério mexer com a vida das pessoas”.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria da Cultura de Fortaleza (Secultfor) e aguardou uma nota por mais de 10 dias e não obteve uma resposta oficial. Por telefone, a assessoria fez convite para conhecer a Vila das Artes, complexo cultural municipal que tem uma escola de dança.
Ceará é berço de grandes bailarinos
Embora seja um celeiro de nomes renomados, como o célebre Hugo Bianchi, falecido em janeiro do ano passado aos 95 anos, e de Wilemara Barros, e conte com eventos já carimbados no calendário do Estado (só neste mês de abril são três acontecendo), artistas da linguagem reivindicam apoio mais direto e consolidado para os que desejam se profissionalizar.
“A Cia de dança nos representaria em qualquer lugar, assim como acontece em estados como Natal, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. A gente precisa lutar por isso. O Ceará é um estado extremamente turístico, falta desenvolver essa cultura que nós não temos aqui”, destaca Mônica.
Mainara também reforça a importância da criação desse espaço.
“A dança é muito forte no Ceará, nós temos muitos bailarinos muito bons que têm condições de viver disso. Estamos construindo um trabalho sólido, mesmo que devagar, mas é importante pra eles como uma continuidade disso, porque ou conseguem algo lá fora ou precisam parar”.
Políticas públicas já existentes
De acordo com a Secult-CE, a Pasta “possui uma política de fomento às artes que abrange a execução de editais permanentes como o Edital Mecenas do Ceará, o Edital de Incentivo às Artes, e chamadas públicas como a Temporada de Arte Cearense (TAC), para ocupação das linguagens artísticas na Rede Pública de Espaços e Equipamentos Culturais do Estado do Ceará (Rece)”.
A Secult afirma ainda que novos editais serão lançados neste ano com a execução da Lei Aldir Blanc 2 e Lei Paulo Gustavo.
Por meio do Edital Mecenas, foram investidor mais de R$ 9 milhões em 43 projetos relacionados à dança, entre 2016 e 2022. Já o último Edital Ceará de Incentivo às Artes, em sua 12ª edição, em 2022, selecionou 46 projetos, com um total de investimento somente na dança de cerca de R$ 1,2 milhão.
“Em duas edições do Edital Escolas Livres da Cultura (2016 e 2022), foram destinados R$ 6,2 milhões para 11 projetos de instituições que trabalham com o ensino e formação em dança. O edital garante recursos por anos consecutivos para a manutenção e apoio a escolas da cultura no Estado”.
Além disso, a Pasta oferta formações em equipamentos culturais como o Theatro José de Alencar, a Escola Porto Iracema das Artes e o Centro Cultural Bom Jardim.
A Secultfor não encaminhou nota oficial pontuando sobre as ações já existentes para essa linguagem.