Espetáculo "O Fantástico Circo do Artista da Fome" estreia neste fim de semana

Completando 10 anos em 2020, o Cangaias Coletivo Teatral presenteia o público com peça que reflete sobre os desafios de viver da arte

Escrito por Ana Beatriz Farias , beatriz.farias@svm.com.br
Legenda: No espetáculo, o ator Luis Carlos Shinoda está em uma experiência solo pela primeira vez
Foto: Foto: Tim Oliveira

O tom é de pergunta, com ar de questionamento. "O Fantástico Circo do Artista da Fome", espetáculo montado pelo Cangaias Coletivo Teatral, chega perto do público - literal e metaforicamente - para indagar: qual a fome do artista?

A peça inaugura no coletivo diferentes aspectos. É a primeira vez que o ator Luis Carlos Shinoda, membro e fundador do Cangaias, está em uma experiência solo. A aproximação com a plateia, que está no palco junto ao encenador e interage em diferentes momentos com ele, também é novidade. Outro aspecto que traz o ineditismo à cena é a montagem do espetáculo.

Baseada em obra de 1922, a peça está longe de ser a simples encenação do conto de Franz Kafka. No resultado que chega ao público, com texto final do dramaturgo Rafael Barbosa e de Luis Carlos Shinoda, há elementos que versam sobre as histórias do coletivo, do ator e do processo criativo que levou a montagem até ali.

Experimento compartilhado

O trabalho com o conto "Um artista da fome" começou com estudos do texto ainda em 2018. No ano seguinte, nasceram a parceria e o intercâmbio com o Grupo Garajal de Teatro. O repertório de linguagem circense e cultura popular deste coletivo costurou o trabalho.

"O intercâmbio com eles durou quatro meses. Paralelamente a essa pesquisa em circo, nós fomos estudando a obra e começando a desenvolver a dramaturgia do espetáculo, saindo um pouco do conto do Kafka para trazer uma dramaturgia mais autoral", explica Shinoda, ator e diretor do espetáculo "Fantástico Circo do Artista da Fome".

Foto: Foto: Tim Oliveira

Nas oficinas realizadas com o Garajal, foram contempladas diversas linguagens, como malabares, manipulação de máscaras, movimentação com chicote e acrobacia. Tudo, seja de modo subjetivo ou evidente, contribuiu para o resultado final:

"a gente foi estudando esses elementos e sentindo o que ficava no corpo para depois passar à cena, não com desejo, a priori, de reproduzir esses recursos e técnicas, mas de entender como isso podia se desdobrar dentro da criação da dramaturgia e da encenação", pontua.

Ontem e hoje

Apesar de nem todas as referências circenses apreendidas durante o processo estarem explícitas, o tom brincante e alegremente melancólico do circo é pano de fundo do espetáculo que traz à tona os desafios do viver de arte. O formato arredondado em que se encontram palco e plateia e a lona colorida que cobre o chão fazem lembrar o picadeiro. O assunto tratado ali, no entanto, não é motivo de riso.

Arrisco apostar no contrário. Não é difícil que lágrimas venham aos olhos dos mais sensíveis à causa artística. Os elementos autobiográficos relacionados à trajetória do ator dão ainda mais verdade à presença enérgica e contagiante contemplada no palco.

Foto: Foto: Tim Oliveira

Sobre tudo isso, a história do artista que jejua por 40 dias, atraindo os olhares atentos do público leva o espectador a caminhar sobre a corda bamba da reflexão. É inevitável a viagem temporal que é feita, da época onírica em que vive o jejuador para o hoje de um Brasil que vem enfrentando crises no que diz respeito à cultura.

"Falar sobre o artista na contemporaneidade, nesse momento em que a gente tá perdendo direitos, vê o Ministério da Cultura ser extinto, vê um Governo cortando os incentivos relacionados à área e um pensamento de monocultura, não tem como a gente não levar isso para o palco e isso não ser também uma reflexão política sobre a nossa situação", pontua Shinoda. Numa literalidade cortante, quem vê "O Fantástico Circo do Artista da Fome" presencia a subjetividade que alimenta o ser sendo rasgada em muitas partes.

Existência artística

Há também a resistência. No mesmo lugar que habita o incômodo da reflexão, é possível perceber a permanência do artista, que sobrevive a condições extremas, e a ação criadora que pulsa dentro e fora do enredo.

Foto: Foto: Tim Oliveira

Por trás das coxias, o cenário é de comemoração. Com todas as dificuldades enfrentadas por um coletivo teatral independente, o Cangaias faz 10 anos em 2020. O espetáculo faz parte da programação pensada para celebrar a trajetória trilhada até aqui. O grupo que nasceu depois de um curso dado pelo Garajal, em Maracanaú, hoje tem sede na mesma cidade e realiza, além dos trabalhos de criação e produção, ações de pesquisa e formação, tanto no município base quanto em outros lugares do estado.

O Apê Cultural, como é chamado o espaço, é dividido com o Coletivo Paralelo e foi uma conquista alcançada em 2019. "Uma sede para um coletivo teatral é uma forma de dizer que queremos continuar existindo e nos organizando cada vez mais para isso", declara Gabi Gomes, atriz e produtora do Cangaias.

Para ela, inclusive, essa é a fome do artista: a de existência. Estar e ser no mundo e poder viver do trabalho realizado por si.

Shinoda, companheiro de coletivo, caminha ao lado, lembrando que a fome do artista "são muitas. É de espaço, valorização, conhecimento, fomento e é também de estar junto a outras pessoas que possam ser importantes para o crescimento".

Serviço
O Fantástico Circo do Artista da Fome
Data: sábados e domingos de março (07,08, 15, 16, 22, 23, 28 e 29)
Horário: 20h
Local: Teatro Dragão do Mar (Rua Dragão do Mar, 81, Praia de Iracema)
Ingresso: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)
3488.8600

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