Documentário revela as últimas palavras de John Lennon

Há 43 anos, o mundo perdia um de seus maiores ícones. A morte de John Lennon dificilmente será esquecida. É o que mostra a série documental “John Lennon: Assassinato sem Julgamento”, que acaba de estrear na Apple TV +

Escrito por Marlyana Lima , marlyana.lima@svm.com.br
Imagem cortada mostra o rosto de um homem branco, de olhos apertados, que usa óculos redondos
Legenda: Documentário da AplleTV+ se propõe a mostrar informações inéditas envolvendo a morte de John Lennon
Foto: Divulgação/AplleTV

 

Quando o relógio marcou 23h59 de dezembro de 1979, anunciando o início de 1980, todos sonhávamos com a paz enquanto a guerra fria ameaçava materializar o apocalipse. Naquele início de década, John Lennon voltava aos estúdios de gravação para dar ao mundo mais um presente.

Onze meses depois, o álbum ‘Double Fantasy’, para muitos considerado um dos mais importantes de sua carreira, anunciava que o Beatle estava de volta! Nas rádios, músicas como “Woman” e “(Just Like) Starting Over” eram sucesso absoluto, colocando o britânico de volta na cena, após um hiato de 5 anos.

Fãs da banda não poderiam sonhar com um começo de Era melhor. Alguns nutriam a esperança de ver o Fab Four reunido uma última vez que fosse. Não houve tempo para tentar.

Dia 8 de dezembro de 1980. Nesse dia, o mundo perdeu  uma dos maiores artistas do Século XX. Na entrada do Edifício Dakota, em Nova York, onde Jonh e Yoko Ono moravam, a história novamente foi escrita com sangue. Cinco tiros foram disparados à queima roupa. Quatro alvejaram John mortalmente. Na calçada, o autor do assassinato Mark David Chapman, um jovem de 25 anos, apenas sentou e esperou a polícia chegar. No ar, além do cheiro de pólvora, ficou a pergunta: “Por que”?

Livros, teses, programas, manchetes, filmes. São muitos os olhares e as teorias lançados sobre a morte de Jonh Lennon. Algumas obras são meros caça-níqueis. Outras... Bem, outras têm propostas que valem a pena conferir.

Documentário evita clichês

É o caso de 'John Lennon: Assassinato sem Julgamento'.  A minissérie documental com três episódios que estreou na quarta-feira (6), na Apple TV+, chega com a intenção de aprofundar descobertas, entre elas “quais foram as últimas palavras de John Lennon”. Também busca entender as motivações do assassino que até hoje cumpre prisão perpétua no centro correcional de Green Haven, em  Maryland, nos EUA.

Para oferecer ao público algo diferente, a produtora 72 Films enfrentou alguns desafios. Para começar não existem muitos pontos de interrogação sobre o crime. 

Mas há questões a abordar: John, o sonhador, ídolo de milhões, que usava a fama e a voz para pedir a Paz, também era um ícone da contracultura e suas frases muitas vezes eram controversas.

Já Chapman era uma pessoa aparentemente comum. Só parecia. A série mostra que ele também enfrentava batalhas turbulentas. Sua forma de pensar, como se vê na série, revela uma pessoa atormentada e complexa.

Sem sensacionalismo

Para dar coesão à produção, 43 anos após os acontecimentos, os diretores Coldstream e Nick Holt buscaram ouvir personagens reais envolvidos na situação. 

Em entrevista ao jornal britânico “The Guardian”, Coldstream disse que seu intuito era “reunir tudo de uma forma que parecesse definitiva e abrangente”. E avisou: “Não queríamos fazer uma abordagem sensacionalista do crime ou transformá-lo em entretenimento”.

A minissérie realmente foge do apelo fácil. Nada de imagens apelativas, nem narrativas clichês. Em alguns momentos ela se assemelha a um conteúdo jornalístico, trazendo entrevistas inéditas. Vale lembrar que a narração em inglês é de Kiefer Sutherland.

Perfil de Chapman

Imagem mostra o rosto de um homem de meia idade, em um cenário comumente visto em delegacias
Legenda: Mark Dave Chapman, hoje com 68 anos, cumpre pena de prisão perpétua pelo assassinato de Lennon
Foto: Divulgação/AplleTV

Para o diretor, havia muitas discussões e teorias criadas em torno de Chapman e de seu estado mental. Coldstream buscou e encontrou algumas pessoas que nunca haviam falado sobre o que realmente aconteceu naquela tarde fatídica.

Na maior parte, os três episódios tiram o foco de John Lennon para detalhar um  perfil de Chapman, cujas motivações são motivo de discussão e discordâncias.

Para chegar ao produto final, a equipe de produção  entrevistou representantes legais dos dois lados, investigadores, psiquiatras e testemunhas comuns que estavam lá, quando o cantor foi mortalmente ferido.

Motivações

As memórias de quem esteve no olho do furacão são o ponto alto da série. Junte a isso  o questionamento crucial: “o que leva um homem a fazer algo assim?”. E depois: “como o sistema lidará com esse homem?”

À época, a mídia explorou muito a suposta obsessão de Chapman pelo livro “O apanhador no campo de centeio”, um clássico norte-americano com alto teor, digamos, revolucionário.

Para muitos, daí teria surgido o ódio de Chapman pela “hipocrisia” de Lennon, uma lenda viva que pregava ideias como: “Imagine que não existam posses. / Uma irmandade dos homens. /Imagine todas as pessoas./ Compartilhando o mundo inteiro” (letra de ‘Imagine’) e. ao mesmo tempo, ele e sua mulher Yoko desfrutavam do conforto e riqueza.

O estopim para crime teria sido delírio? Decepção com o ídolo? Uma manifestação política extremada?

Aqui vale um parentese para citar o filme “Capítulo 27”. No longa ficcional,  lançado em 2008, Jared Leto já havia colocado em cena uma versão de Chapman, como um homem mentalmente perturbado que vivia seu próprio “inferno” psiquico.

Pessoas fundamentais

Homem branco, vestido com terno sentado em frente a uma mesa com as mãos cruzadas
Legenda: No documentário, o promotor público Kim Hogrefe fala sobre o processo de investigação
Foto: Divulgação/AplleTV

Na nova minissérie, Coldstream consegue ouvir figuras com percepções mais próximas da personalidade de Chapman, com destaque para o advogado David Suggs.

Com um cliente que era réu confesso e um caso midiático de proporções globais nas mãos, Suggs tentou orientar seu cliente para uma defesa de insanidade. Mas, Chapman quebrou os argumentos da Defesa, confessando e aceitando a sentença.

Na série, Suggs fala sobre culpabilidade e remorso por parte de Chapman. Um de seus amigos de infância, Vance Hunter, relata anos de abuso físico e verbal que o jovem sofreu nas mãos de seu pai. Outros elementos turvariam ainda mais a visão de mundo do rapaz, entre eles o suposto  uso de psicodélicos, seu extremismo religioso e até mesmo um plano secreto para calar  John e suas ideias anti-capitalistas.

Acredita-se que religiosidade teria pesado bastante na decisão de Chapman que não perdoava a frase mais polêmica de Lennon: “os Beatles são mais populares que Jesus”.

Seria então a série uma espécide de reabilitação da imagem de alguém visto por 40 anos como vilão? Definitivamente, o documentário não romantiza o crime. Nem alimenta teorias conspiratórias como a de que a CIA usou drogas para induzir Chapman a matar.

O assassino é ouvido sim, mas sua voz não se sobrepõe ao ato hediondo que cometeu.
Por outro lado, para acalentar o coração dos fãs, há momentos comoventes. Um deles envolvendo o filho mais novo de Lennon e Yoko Ono, Sean. É como se, através dele, John se manifestasse com toda a sua força e carisma.

Afinal, ídolos não morrem, apenas partem.