Do alto do Morro Santa Terezinha, a moqueca é prato principal com vista privilegiada de Fortaleza

No bairro Vicente Pinzón, o "Ponto da Muqueca" tem cardápio do mar e representa tradição gastronômica das ruas da Capital

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@svm.com.br
Refeição ao ar livre garante perspectiva única da capital cearense
Legenda: Refeição ao ar livre garante perspectiva única de Fortaleza
Foto: Fabiane de Paula

Uma história de amor continua rendendo frutos no querido Morro Santa Terezinha, no Vicente Pinzón. O “Ponto da Muqueca” (sim, com “u” mesmo) é considerado um clássico gastronômico da região. É onde uma clientela fiel saboreia simplicidade, gostosura e a localização que permite uma vista única de Fortaleza.

Da união entre Gelson e Solange de Freitas surgiu o empreendimento. A primeira ideia era vender a iguaria apenas para amigos da vizinhança, nos conta a proprietária. Tudo começou quando o amado lançou a proposta: “Vamos fazer uma moqueca só para agradar o povo aqui da rua?”.

20 anos se passaram. O cardápio ganhou outras opções (peixe, camarão, carne do sol) e segue conquistado o paladar. Infelizmente, Seu Gelson, como era carinhosamente conhecido, nos deixou recentemente. Subimos o Morro para um almoço e ouvimos de Solange e sua equipe como se dá o tempero e fascínio pelo Ponto da Muqueca. 

Quando o Mirante era "point"

Com maior intensidade nos anos 1990, o Santa Terezinha fez fama como “point” da Capital. No entorno do Mirante que existe no bairro, vários bares e restaurantes se instalaram e abriram as portas do local para quem buscava turismo e boêmia. 

Além da sensacional vista para Fortaleza, a noite era agitada em casas como "Alô Brasil", "Tudo em Cima Bar e Restô", "Albatroz" e "Feitiço da Terra". Gelson, que morava na vizinha Varjota, era um dos muitos profissionais que trabalhavam no local. Era garçom do "Cavalo Marinho". "Conheci ele no restaurante", relembra Solange de Freitas. 

Assim, a criação do Ponto da Muqueca remonta aos tempos movimentados do Mirante. "Houve assaltos, o que acabou com os restaurantes. Os preços também eram caros. Hoje, tem cabine da polícia. Mas, acabou, é tudo morto. Eram vários restaurantes. Podiam retomar aquele tempo. Tem cliente que conhece aqui por frequentar o Mirante na época dos restaurantes grandes", contextualiza Solange. 

Solange de Freitas e o negócio que nasceu em família
Legenda: Solange de Freitas e o negócio que nasceu em família
Foto: Fabiane de Paula

A dupla começou a atender só na portinha de casa, cozinhavam apenas uma panela de moqueca. O trabalho começou a envolver também os familiares. De repente foi necessário colocar umas mesas para atender a demanda. "De pouquinho, vendendo... Deu certo. Nos desfazemos de umas coisas nossas para construir onde estamos hoje. Os fornecedores começaram a ajudar com arraia vindo direto da praia", relembra Solange. 

Hoje, o Ponto da Muqueca segue escrevendo sua jornada. Sejam da Messejana, Castelão, Maraponga (para citar alguns dos bairros que marcam presença no recinto), os visitantes aproveitam a experiência da sombra e brisa do mar.

Políticos, ex-jogador de futebol, imprensa especializada em gastronomia e até artista de cinema, diga-se Wagner Moura, aprovaram o tempero. "Aqui ninguém mexe com ninguém. É tranquilo. Pessoal tira foto, aproveita bem o visual. Falam de nunca ter visto algo assim. Tem o público que vai à praia e na volta para casa almoça aqui", detalha Solange. 

Especialidade da casa

"Vir aqui e não provar da moqueca é mesmo que não ter vindo", fala Roberto Nascimento, irmão de Solange e um dos profissionais que atuam no Ponto da Muqueca. Além dele, durante a visita ao restaurante, trabalhavam Diassis e o garçom Nilson Fernandes. Os funcionários são todos do bairro. Amigos e vizinhos.

Pedimos a especialidade da casa. A porção é generosa e a moqueca para duas pessoas, custa R$ 50 (com acréscimo de R$ 2 caso se queira baião de dois). Algumas gotas de limão, uma pimentinha para equalizar e a cajuína gelada chega arrematando tudo com classe. 

Moqueca conta com clientela fiel no Morro Santa Terezinha
Legenda: Moqueca conta com clientela fiel no Morro Santa Terezinha
Foto: Fabiane de Paula

A refeição acontece debaixo das castanholeiras. É uma terça-feira nublada, horário do almoço. Clientes chegam e pedem para viagem, alguns aproveitam o intervalo de trabalho e consomem nas mesas ao ar livre. O visual descortina os prédios de luxo da Beira-Mar. Em outra instância é possível testemunhar o movimento dos moradores que geram a realidade do Santa Terezinha. 

Os outros pratos servidos incluem peixe cavala, camarão, carne do sol e calabresa. Aos domingos sai feijoada. As entradinhas para quem molha a garganta seguem o roteiro universal dos botecos. Bolinha, batata frita e a procurada macaxeira. "Vem do interior diretamente para nós. Tudo é feito aqui", anota Roberto Nascimento.  

Moqueca reconhecida

Solange detalha como a receita original do Ponto da Muqueca nasceu. Segundo a comerciante, sua mãe teve importante papel nessa criação. "Filha, vamos aqui. Corte o cheiro verde, a cebola, não leva tomate...", descreve. Gelson também participou do processo.

Segundo Roberto Nascimento, antes de abrir o pequeno empreendimento familiar, Gelson já tinha trabalhado na cozinha do hoje extinto "Hotel Esplanada". Inaugurado em 1978, com 230 quartos, foi o primeiro "cinco estrelas" de Fortaleza e, à época, o prédio mais alto da Av. Beira-Mar.

E, assim, em família, surgia o ponto do molho. Invenção que até hoje movimenta a clientela que se espalha pela Rua Pescador Chico Bindá. A receita é descrita pela própria Solange.

Compra cebola, pimentão e cheiro verde. Compra leite de coco, refoga tudo e acrescenta o creme de leite. Os clientes tentam fazer em casa e me contam: 'não fica igual a de vocês'"
Solange de Freitas
Ponto da Muqueca

Em 2018, durante a inauguração da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco, o Governo do Ceará homenageou três referências na cozinha do bairro Mucuripe. Maria Vilani Rodrigues (do Restaurante Vilani), Alfredo Louzada de Souza Filho (Alfredo Rei da Peixada) e Solange de Freitas, do Ponto da Muqueca.

Para relembrar esta ocasião, a comerciante corre em casa e traz o álbum de fotografias. O acervo mostra a entrega da placa pelo ex-governador Camilo Santana. Tem também o momento onde Gelson e Solange sorriem abraçados com a noite tão especial.

Solange de Freitas e o reconhecimento do trabalho
Legenda: Solange de Freitas e o reconhecimento do trabalho
Foto: Fabiane de Paula

Intitulado como "Garfo de Ouro", o prêmio homenageia a "dedicação e serviços prestados à cozinha cearense". "Pessoal sempre pede que eu coloque a placa aqui no restaurante, mas eu deixo bem guardada", conta.

Tradição do Morro

A familiaridade com o mar, a cultura da pesca, estes elementos fazem parte da história e do cotidiano do bairro. A rua do restaurante, vale dizer, homenageia o pescador Chico Bindá."Muita gente do bairro abraça o 'Ponto da Muqueca'. É onde almoça, toma uma cerveja e bate papo com os amigos. A maioria trabalha de segunda a sexta e no fim de semana se reúne", descreve Solange.

Mesmo com as dificuldades, a carestia dos insumos e produtos (o quilo da cavala na altura dos R$45), o restaurante segue a regra de manter os mesmos preços durante um ano. "Nossos peixes não são congelados, chegam direto das jangadas, garante Solange de Freitas. 

Seu Gelson e Solange na noite de premiação
Legenda: Seu Gelson e Solange na noite de premiação
Foto: Acervo de família

"Aqui se trabalha à vontade. Tem gente que vem de longe, diz ter ouvido falar da moqueca. Preferem ficar aqui na parte externa do que no salão. Debaixo das árvores, a vista, é tudo de bom aqui", assegura o garçom Nilson Fernandes. 

Para situar o quanto esta relação com o bairro é importante à história do Ponto da Muqueca, recuperamos entrevista de Seu Gelson, concedida em 2016 ao canal do Programa Ceará Pacífico, do Governo do Ceará. 

O Grande Mucuripe é que me enche de orgulho, entendeu? Porque o Grande Mucuripe tem tudo. Tem esse jangadeiro que bravamente vai pro mar. Eu vou para praia ali e vejo. Eu fico até feliz quando vejo aquela embarcação chegar na terra. Quer dizer, ali é um guerreiro, um herói".

Serviço: Ponto da Muqueca (Rua Pescador Chico Bindá, 233, Vicente Pinzon). Funcionamento: terça a quinta (10h às 14h), sexta e sábado (10h às 22h), domingo (10h às 17h). 

 

 

 

 

 

 

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