Dia Mundial da Poesia: data celebra a reinvenção do gênero literário a partir de diferentes projetos

Expressão artística considerada anterior à escrita, poesia encontra eco em diversidade de trabalhos de cearenses

Escrito por Diego Barbosa , verso@verdesmares.com.br
Legenda: Seja no chão da praça ou entre as quatro paredes de casa, poesia é expressão em constante movimento
Foto: Arte: Lincoln Souza

É extensa a linha de onde partem as origens da poesia. Atravessando diferentes períodos da História, esse gênero literário detém tradição milenar, iniciado, de acordo com pesquisas, em registros produzidos em monólitos, pedras rúnicas e placas das primeiras culturas letradas. Sob o viés de outras correntes de estudo, é forma de expressão artística anterior à escrita, manifestada sobretudo por meio de rimas memorizadas, transmitidas oralmente.

Da Epopeia de Gilgamesh – encarado como o poema épico, elaborado na Suméria, atual Iraque, a 3000 a.C. –  até hoje, a percepção é de que o avançar do tempo colaborou para o texto lírico ganhar fôlego e adeptos no mundo inteiro. Prova disso são as iniciativas capitaneadas especialmente para esta quinta-feira (21), quando se celebra o Dia Mundial da Poesia – data criada pela Unesco durante conferência que, em 2019, completa 20 anos de realização. 

Em Fortaleza, o Instituto Chico Mota abre as portas para o Sarau Literário, atividade integrante do Projeto Nunca é Tarde, voltado para formação de leitores na terceira idade. Na ocasião, a partir das 15h, alunos da oficina de Escrita Criativa da casa compartilharão suas produções, com varal de poesia, leituras, performance e microfone aberto.

Outra ação de fomento à arte poética poderá ser encontrada no Roquen’derrou Café & Pub, localizado no Salinas Casa Shopping. O estabelecimento seguirá no rastro de um projeto surgido na Áustria e adotado em outros países estrangeiros, intitulado “Pague com um poema”.

Em solo cearense, acontecerá assim: um poema escrito à mesa equivale a um café expresso gratuito. Maneira aconchegante de fazer circular métricas, rimas e inspirações de toda ordem.

Reinvenção

O fato é que a poesia é expressão sempre em movimento, aberta para novas intervenções e olhares. Levi S. Porto entendeu isso desde cedo. O jovem de 21 anos, estudante de Cinema da Universidade Federal do Ceará, é um dos integrantes da novíssima safra de poetas na cidade, tendo lançado recentemente seu primeiro de poemas, “Chinchila” – publicado pela Editora IPDH e distribuído pelo próprio autor. 

O início no ramo se deu ainda no colégio, a partir da escuta musical.

“Eu me fascinei pela simplicidade da forma do poema, um gênero que pode dizer tanto com tão poucas palavras. Escrevia para mim e, daí, comecei a desenvolver textos online, numa plataforma chamada Medium”, conta.

Para ele, o gênero se reinventa exatamente a partir de experiências em ambientes virtuais, ampliando o alcance das recém-formadas criações. “Eu vejo nesses lugares uma grande ascensão da ‘instapoetry’, ou Instapoesia, cuja escrita é mais intimista, particular, em métricas bastante livres, geralmente sem rimas”, situa.

“Esse formato viaja bem e é facilmente compartilhável, porque é simples e vai direto ao ponto. Acho que essa acaba sendo uma tendência mundial, até por causa do sucesso desses escritores e escritoras no Instagram e em mídia física”.

Legenda: Livro de estreia de Levi S. Porto, "Chincila" é uma mais recentes obras de poesia no cenário literário local
Foto: Foto: Divulgação

Por sua vez, a trajetória de Julie Oliveira e a de tantos outros cordelistas cearenses atualiza a prática do jogral, observada desde a Idade Média – marcada pela declamação de poemas ou canções. Filha do poeta Rouxinol do Rinaré, ela tem seis obras publicadas, todas escritas sob o formato imortalizado pela cultura nordestina.

“O cordel acompanha a atualidade à medida que usufrui das tecnologias dessa época, sendo disseminado em blogs, WhatsApp, canais do YouTube, e das inúmeras ‘pelejas virtuais’ existentes, algo inimaginável para nossos antepassados. A forte participação e reconhecimento das mulheres cordelistas também é prova dessa arte estar se atualizando, deixando para trás seu passado patriarcal e reconhecendo uma de suas maiores belezas: a pluralidade”, reconhece.

Por ter sido validado como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em setembro do ano passado, o cordel, conforme Julie, vive talvez sua melhor época. “São variados estudos acadêmicos sobre e há um grande espaço nas escolas. Logo, com todo esse lugar de destaque, há uma procura interessante das editoras por cordelistas”.

Legenda: Julie Oliveira é presença certa em saraus e projetos voltados para a literatura de cordel
Foto: Foto: Patrick Lima

Na rua

O epicentro do cotidiano faz a poesia ganhar novo relevo sob a ótica do consumo literário, tônica do Projeto Pedal Literário. Idealizada pelo arte-educador André Foca e realizada por ele e o Coletivo Arruaça, a iniciativa acontece há pouco mais de dois meses em Fortaleza e aposta em levar poemas e histórias à população em situação de rua.

Os encontros acontecem semanalmente na Praça do Ferreira e, a cada mês, como parte da ação, todos se reúnem para fazer o Sarau Urbano.

“A arte, educação e cultura são coisas que a gente vê que são bem inacessíveis para esse público. É isso que faz termos um foco sobre esse trabalho. Venho de uma trajetória de longo tempo nesse meio e a gente iniciou fazendo o sarau nas ruas e nas praças. Mediante o contato com o público, sentimos que eles tinham essa necessidade muito grande de acessar a cultura, de ambas as formas. Uma delas era a questão da leitura”, explica André. 

Ao levar os versos para o meio da rua, ele se diz constantemente atravessado pelas narrativas que ouve, de gente que superou limitações mediante a fronteira cruzada com a arte poética, o declamar-se para o mundo.

Legenda: Iniciativa do Coletivo Arruaça, Sarau Urbano leva poesia para pessoas em situação de rua no Centro da cidade
Foto: Foto: Divulgação

“Até se pensa o contrário, mas, na população em situação de rua, tem muita gente que gosta de ler, desde um livro mais simples a um difícil de achar. Nossa intenção é levar mais dignidade e empoderamento para cada um e cada uma que está nessa situação”.

O educador arremata a fala ao comentar como, na visão dele, o gênero poesia se reinventa.

“Acredito que através dos guetos, na periferia mesmo, nas ‘quebrada’. Nesses espaços, ela vem dando um grande baile de reinvenção, de resistência, força e vibração. Durante muitas épocas, e hoje também, se vê um estranhamento de qual é o lugar da poesia. E, às vezes, isso afasta muita gente, gerando a perda do sentimento de pertença. Mas aí a juventude, a moçada, e todo mundo que tem aí alguma coisa pra falar, vem se reinventando e fazendo acontecer”. 

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