Conheça os maracatus de Fortaleza e saiba os bairros onde eles estão localizados

A presença de 15 agremiações espalhadas por 13 bairros de Fortaleza fortalece os laços dos cearenses com uma herança cultural africana em evidência no período momino

Escrito por Roberta Souza , roberta.souza@svm.com.br
Legenda: O negrume utilizado pelos brincantes do maracatu cearense reforça a identidade negra dessa manifestação
Foto: FOTO: CAMILA LIMA

Antes de o batuque dos maracatus soar na Avenida Domingos Olímpio nas noites de sábado e domingo de Carnaval, ele pode ser ouvido em várias ruas espalhadas em pelo menos 13 bairros de Fortaleza. Em sua maioria concentrados na região central da cidade, esses grupos atraem brincantes de todas as regionais, expandindo suas atividades sempre que agregam um novo integrante. É assim que, na geografia da Capital, as manifestações vão se conectando em torno de um mesmo propósito: a expressão de uma cultura ancestral.

Jardim América, José Bonifácio, Farias Brito, Parque Araxá, Benfica, Centro, Joaquim Távora, Bela Vista, Pici, Jardim Iracema, Barroso, Jangurussu e Prefeito José Walter abrigam as sedes e/ou espaços de ensaio dos 15 maracatus registrados pela Secretaria Municipal de Cultura (Secultfor). O Nação Bom Jardim, apesar de não constar nessa lista oficial de agremiações cadastradas, também encontra-se ativo. Alguns fatores históricos apontam caminhos para explicar essa distribuição, como ressalta o presidente do Maracatu Solar, Pingo de Fortaleza, baseado no relato de cronistas como João Nogueira e Gustavo Barroso.

"Os primeiros registros confiáveis de maracatu em Fortaleza datam do início do século XX, quando Gustavo Barroso descreve, em 'Coração menino', os desfiles que ocorriam na Praça do Carmo (então Praça do Livramento)", aponta Pingo no livro "Maracatu Vozes da África - 35 anos". Os trajetos são descritos na obra "Singular e Plural: A História e a Diversidade Rítmica do Maracatu Cearense Contemporâneo", do mesmo autor. "Seguiam várias ruas e cada grupo saía em cortejo de sua sede até o centro da cidade", destaca.

Legenda: Desfile do Maracatu Nação Baobab em 2019
Foto: FOTO: FERNANDA SIEBRA/SECULTFOR

Pingo cita cinco grupos de que se tem registro dessa época: o Morro do Moinho, sediado numa área próxima ao atual bairro Moura Brasil; o do Outeiro, que saía a partir da Rua 25 de Março no sentido leste - Colégio Militar de Fortaleza; o do Beco da Apartada Hora, localizado próximo à atual Rua Governador Sampaio; o da Rua São Cosme, atual Rua Padre Mororó; e o maracatu do Manuel Conrado.

"Deles não se sabem seus organizadores, suas origens sociais, se haveria conotação religiosa em suas essências, se foram criados para participarem do Carnaval ou de outras manifestações culturais, se interagiam diretamente com os autos dos congos e com as festas das coroações dos reis negros da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos", completa o pesquisador, lembrando por último desses rituais realizados na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, construída pelos negros em 1730, no Centro de Fortaleza.

Legenda: Os orixás compõem o cortejo do Maracatu Solar na Avenida, em 2019
Foto: FOTO: FERNANDA SIEBRA/SECULTFOR

Embrião

É apenas em 1936, com a criação do Maracatu Az de Ouro, o mais antigo ainda em atividade em nossa cidade, que o mapa do batuque começa a ser redesenhado. Raimundo Alves Feitosa, um artista popular, brincante de várias manifestações, foi o responsável pela inserção deste grupo no cenário carnavalesco de Fortaleza. O atual presidente da agremiação, Marcos Gomes, dá o contexto da fundação. "Naquele começo, não tinha espaço fixo para ensaiar. O Raimundo morava no Vila União, mas era uma pessoa muito dinâmica, não ficava num local só e gostava de fazer ensaios em ambientes diferenciados", diz.

Legenda: Brincante do Maracatu Az de Ouro no Carnaval 2019
Foto: FOTO: FERNANDA SIEBRA/SECULTFOR

A Igreja da Sé, o Passeio Público e a Praça José de Alencar foram alguns dos cenários que viram o Az de Ouro desabrochar em seu estágio inicial. "Na época em que o Mestre Juca do Balaio, do qual sou filho de criação, assumiu o maracatu, passamos a contar com uma sede própria. Ele formatou um espaço no Jardim América, entre 1969 e 1970, e aqui se fixou. É onde estamos até hoje", reforça Marcos, que reside no bairro, precisamente na sede do barracão, em 49 dos seus 52 anos.

Era natural que os moradores do Jardim América se sentissem atraídos a participar da manifestação. Isso não impediu, porém, que, especialmente no período de Carnaval, uma parcela significativa de brincantes viesse de outras localidades. "O Az de Ouro se tornou uma escola. As pessoas participam por um tempo, mas depois se veem preparadas para formatar o próprio maracatu nas respectivas comunidades", analisa. Nessa perspectiva, pode-se dizer que um novo maracatu é criado sempre que um brincante tem o desejo de expansão.

Legenda: O balaieiro do Nação Fortaleza traz oferendas às entidades protetoras do maracatu
Foto: FOTO: FERNANDA SIEBRA/SECULTFOR

Foi assim com os outros dois grupos que nasceram ali, o Nação Fortaleza, em 2004, e o Nação Palmares, em 2013. Ambos foram idealizados por pessoas que passaram pelo Az de Ouro, mas sentiram a necessidade de desenvolver a própria agremiação. "Este é o único bairro de Fortaleza em que temos o privilégio de ter três maracatus, sendo um deles o mais antigo em atividade. Ter um lugar onde respiramos isso é importante não só para o fortalecimento do maracatu, mas para a cultura da cidade", reforça Débora Lopes, rainha do Nação Fortaleza, idealizado pelo músico Calé Alencar.

Francisco Paul Moura, presidente do Nação Palmares e morador do Jardim América há quase 50 anos, destaca também o impulso econômico que a manifestação traz para a região. "Nesse período de Carnaval, a gente dá algum tipo de emprego para as pessoas. É uma renda extra pra quem não está fazendo nada, além de o barracão se constituir como um espaço de aprendizagem", defende Paul. Partindo desses exemplos, fica cada vez mais evidente que, seja na região central ou na periferia de Fortaleza, o surgimento de maracatus extrapola limites geográficos, abraçando sobretudo um sentimento de identidade, cidadania e missão.

Legenda: Desfile do Maracatu Kizomba, na Avenida Domingos Olímpio, no carnaval 2019
Foto: FOTO: FERNANDA SIEBRA/SECULTFOR

Errata: O Diário do Nordeste errou ao informar, na matéria publicada na versão impressa do Caderno Verso no dia 16/02/2020 e nesta versão digital, que o Maracatu Nação Bom Jardim estava inativo. Apesar de não constar no cadastro da Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza (Secultfor), a agremiação, fundada em fevereiro de 2016 e sediada na Av. Osório de Paiva, 5623, realiza cortejos pelas ruas do Bom Jardim, envolvendo coletivos, associações e moradores do território.

 

Programação Carnaval 2020

Desfiles dos Maracatus

Horário: A partir das 17h

Local: Av. Domingos Olímpio, S/N - José Bonifácio. Gratuito

Sábado (22/02): Maracatus Nação Axé de Oxóssi, Solar, Nação Palmares, Rei Zumbi, Obalomi, Nação Iracema e Nação Pindoba

Domingo (23/02): Maracatus Nação Baobab, Nação Fortaleza, Vozes da África, Pici, Az de Ouro e Rei do Congo

 

Ensaios abertos que acontecerão antes do Carnaval 2020:

Maracatu Az de Ouro
Ensaios: Terça e quinta, a partir das 19h
Endereço: Rua Edite Braga 395 - Jardim América

Maracatu Nação Fortaleza
Ensaios: Terça e quinta, das 18h30 às 21h30
Endereço: Quadra do Colégio Dom Manuel da Silva Gomes, Rua Samuel Uchoa, 550 - Jardim América

Maracatu Nação Baobab
Ensaios: Segunda e quarta, das 19h às 21h
Endereço: Rua Américo Facó, 11 - Bela Vista

 

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