Conheça atividades e benefícios da escrita terapêutica para a saúde

Prática melhora níveis de estresse e sintomas depressivos, por exemplo

Escrito por Roberta Souza , roberta.souza@svm.com.br
caderno terapêutico
Legenda: É importante separar um caderno para a prática
Foto: Suyane Spinosa

Se você já rabiscou algo sobre si em um diário, bloquinho ou caderno, é possível que tenha vivido a mesma sensação da educadora cearense Lúcia Maria Medeiros Marques, 62 anos, que diz escrever para se escutar. Ou quem sabe, tal como a socióloga Suyane Albuquerque Spinosa, 30 anos, conseguiu dar forma ao que sentia e ainda não tinha nome.

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Adeptas da escrita terapêutica, elas partilham os benefícios de uma prática simples, mas que, realizada com um acompanhamento psicológico, é capaz de fazer toda a diferença na saúde emocional de quem a inclui na rotina.

“Quando escrevo consigo me soltar, sinto-me livre de amarras, consigo me entender. É uma espécie de mergulho profundo, em mim mesma. Escrevo / mergulho, sem me importar com a estrutura do texto, rimas, regras gramaticais, sem medo de ser julgada ou mal-interpretada”, conta Lúcia.

Lucia Maria
Legenda: Lúcia Maria pratica escrita terapêutica há décadas
Foto: Camila Medeiros

Suyane, por sua vez, entende como se naquele momento do exercício algo nela “destrancasse”. “Me sinto mais conectada comigo e com o meu redor. É uma forma de experimentar e de me inventar”, aponta.

A prática é utilizada pelas duas como ferramenta de autoconhecimento, e, de acordo com a psicóloga Lisiane Forte, traduzir experiências em linguagem escrita é, principalmente, uma forma de torná-las mais compreensíveis, levando a pessoa que escreve a uma tomada de consciência do vivido, do “aqui e agora”

Ao refletir sobre os seus escritos, os processos psicológicos que envolvem a tomada de consciência podem potencializar o ato de se (re)conhecer como protagonista de sua própria história. Consequentemente, o vivido pode tornar-se mais visível: padrões de comportamento podem ser mais bem observados, e a busca por outras alternativas de viver tende a emergir”.
Lisiane Forte
Psicóloga

Benefícios para a saúde

Apesar dos estudos dos benefícios dessa prática à saúde serem recentes, a psicóloga cearense lembra que a escrita é utilizada há milênios para a expressão de emoções ao longo da história da humanidade, pois tem função catártica.

“O ato da escrita expressiva refina a nossa capacidade de concentração e análise, neutralizando ideias fixas e distorcidas, que, muitas vezes, insistem em povoar o pensamento. Assim, esses exercícios podem trazer melhorias, em longo prazo, no humor, no sono, nos níveis de estresse e em sintomas depressivos”, lista.

Segundo Lisiane, a prática pode ser um complemento muito útil à psicoterapia, independentemente da abordagem psicológica do profissional.

escrita terapêutica
Legenda: Reservar um horário para a prática diária da escrita terapêutica é uma das recomendações
Foto: Lisiane Forte

“Quando as emoções são liberadas através da expressão, sua força é dissipada, os sintomas atrelados ao corpo tendem a ser aliviados ou mesmo desaparecer. Por isso, algumas modalidades terapêuticas atuais enfatizam tanto o valor de expressar as emoções reprimidas e o uso da catarse como ferramenta para a sua terapêutica”, explica.

Ainda de acordo com a psicóloga, alguns traumas ou incidentes emocionalmente significativos, como o fim de um relacionamento e a perda de um emprego, tendem a ser bem elaborados pelo indivíduo quando este faz uso da escrita terapêutica de forma regular.

Lisiane observa que as mulheres estão mais acostumadas a se expressar sobre as emoções ligadas ao fato e não somente sobre os fatos em si, ainda que os homens estejam ensaiando dar também estes passos.

“Elas tendem a se beneficiar significativamente do poder terapêutico da escrita expressiva - reescrevem os fatos, refletindo sobre os seus envolvimentos pessoais com estes”, pontua.

Experiências

Lúcia é um bom exemplo disso:

Faço parte de uma geração em que as pessoas, especialmente as mulheres, não tinham vez nem voz. Com as sessões terapêuticas, entendi que para encontrar minha voz era necessário, antes de qualquer coisa me ouvir. Então, escrevia para me escutar”.
Lúcia Maria
Educadora

Hoje, ela escreve quando necessita compreender algo ou algum sentimento que a deixa desconfortável, e, para isso, faz uso de memórias, aprendizados, vivências e, especialmente, leituras.

Já Suyane gosta de trabalhar a partir de sonhos e de fazer uma espécie de diálogo com algum personagem ou com a voz de um poema. “A psicóloga auxilia direcionando questões que me são importantes, fazendo conexões,  esmiuçando os meus escritos e as sensações despertadas”, afirma.

Lisiane Forte
Legenda: Lisiane Forte é psicóloga e artista
Foto: Beto Skeff

Ter esse acompanhamento é fundamental, pois, como lembra Lisiane, revisitar um acontecimento doloroso pode, para alguns, aumentar a ansiedade, principalmente se a pessoa não vivenciar isso como parte de um processo necessário. 

“No campo psicoterápico, muitas decisões são tomadas a partir de um olhar mais aprofundado, o que faz o psicoterapeuta levar adiante o processo, mesmo sob a pressão destes sintomas ou de suspendê-lo devido a sua intensidade”, analisa.

Material e preparação

Para praticar a escrita terapêutica, com um acompanhamento profissional, portanto, a psicóloga Lisiane Forte recomenda quatro ações:

  • Reservar um tempo e um horário específico na rotina diária, de preferência num lugar longe de distrações;
  • Separar um caderno, pois escrever à mão deixa a pessoa mais presente e focada no exercício;
  • Permitir que os pensamentos fluam sem julgamentos durante a narrativa escrita, não se preocupando com gramática;
  • Desligar o celular e evitar qualquer interrupção.

Exemplos de exercícios

Preparado o “cenário”, você pode fazer uma das seguintes atividades:

1. Desenhe um círculo e no meio escreva a palavra EU. Em volta do círculo, escreva coisas que estão próximas de você (boas ou más), e mais afastadas do desenho as coisas boas ou más que estão distantes de você. Observe o resultado final, a imagética toda, reconhecendo o que é importante ser afastado para o seu bem-estar físico e mental e o que está distante e precisaria estar próximo. Debruçada(o) à sua atividade, reflita.

2. Você vai precisar de um espelho e canetinhas. Fixe o olhar na sua imagem refletida no espelho. Escreva no espelho características suas que você observa. O que parece bom para você? O que parece ruim? Apague as que parecem ruins e deixe as características que parecem boas para você. Leia, releia-as. Será assim que você deverá se perceber no dia a dia. Debruçada(o) às suas características observadas como positivas nesse momento, reflita.

3. Escreva no papel as coisas que causam ou causaram medo em algum momento na sua vida, enumerando-as. Pegue uma tesoura e corte o papel em pedacinhos bem pequenos, e para cada papel um tipo específico de medo que você elencou. Depois faça um texto em 3ª pessoa que contemple os seus sentimentos da palavra/medo. Posteriormente, observe o que tem de você naquela 3ª pessoa - reflita. Também poderá desenhar, fazer colagens, cantar, fazer composições, dançar, compor canções que representem para você aquele medo recortado, a fim de integrá-lo.

4. Faça um desenho de olhos fechados. O que esse desenho representa para você? Escreva palavras relacionadas a isso.

Então é isso. Hora de se ouvir!

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