Artistas apontam falta de diálogo e má condução de projetos da atual gestão da Secultfor

Secretário da Cultura de Fortaleza, Elpídio Nogueira afirma que a pasta aceita as críticas e destaca abertura ao diálogo

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: A linguagem do Teatro se utilizou de faixas feito essa para protestar contra a gestão da Secultfor
Foto: Reprodução/Pavilhão da Magnólia

Festival de Teatro anunciado de última hora. Várias reuniões com o Sindicato dos Músicos canceladas – em uma delas, os representantes já estavam no local do encontro. Falta de planejamento e organização na mais recente edição do Salão de Abril. Estes são alguns dos relatos que se espalham nas redes sociais sobre projetos tocados pela atual gestão da Secretaria da Cultura de Fortaleza (Secultfor).

A pasta tem como representante o médico Elpídio Nogueira, e não é de hoje que tem sido alvo constante de críticas da classe artística. As reivindicações provêm de integrantes de diferentes linguagens, cujas falas enumeram pontos delicados da administração.

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O Verso conversou com profissionais das áreas de Música, Teatro e Artes Visuais para situar esses pontos. Em comum entre eles, a necessidade de um contato mais estreito com a Secretaria, bem como uma melhor condução de projetos e editais. 

“É uma gestão que precisa melhorar bastante, sobretudo o diálogo com as diversas linguagens artísticas. Não à toa, várias delas estão se manifestando”, introduz Amaudson Ximenes, Diretor Presidente do Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado do Ceará.

Segundo ele, o Fórum de Produção já realizou inúmeras reuniões e levou a cobrança por melhorias à Secultfor; o Fórum de Teatro promoveu ação com as faixas “Cadê o Teatro que estava aqui?”; e eventos como o Festival de Teatro de Fortaleza e o Salão de Abril foram alvo de críticas contundentes – não só sobre as ações em si, mas a respeito da situação da política cultural municipal quanto à dificuldade de realização desses projetos.

Legenda: Única reunião do Sindicato dos Músicos do Ceará com o secretário da Cultura, Elpídio Nogueira; as outras três foram desmarcadas
Foto: Reprodução/Instagram

“Esses desafios são apenas a ponta do iceberg”, enfatiza. “Enquanto o poder público deveria elaborar propostas para a política cultural e chamar a sociedade a dialogar, nós – sociedade civil, do Sindicato dos Músicos do Ceará e do Movimento Música do Ceará – elaboramos em reuniões semanais, ao longo de vários meses, 30 propostas e reivindicações apresentadas à Secultfor em 23 de junho”.

O documento espera dar origem ao Plano de Desenvolvimento e Difusão da Música do Ceará – um esquema setorial no qual são definidas tarefas, pactuando as ações do poder público, sociedade civil, iniciativa privada e terceiro setor. Contudo, desde a época em que apresentaram a proposta, os artistas envolvidos obtiveram resposta por escrito mais de dois meses depois. “E respostas genéricas, muito distantes de atender ao que é necessário”.

“Conseguimos nos reunir uma vez com o secretário Elpídio Nogueira e avançar quanto a três desses 30 pontos. Mas a continuidade das reuniões, que havia sido prometida para buscar avançar quanto aos demais 27, foi interrompida por seguidos cancelamentos pela Secultfor. Em um desses, já estávamos seis músicos na sede da Secretaria”, detalha o artista.

Legenda: Amaudson Ximenes, Diretor Presidente do Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado do Ceará: resistência para continuar
Foto: Arquivo Pessoal

Outro caso “lamentável”, conforme descreve, foi a programação musical de férias anunciada sem artistas cearenses. Somente após denúncias nas redes sociais, a pasta agiu para contratar nomes de Fortaleza. “Falta respeito, visão, noção, determinação pessoal e política para avançar. É preciso que a Câmara Municipal de Fortaleza, o Ministério Público, o Tribunal de Contas do Estado e toda a população tomem conhecimento da gravidade dessa situação em Fortaleza. Precisamos de respostas concretas e efetivas”.

Planos e projetos

Em entrevista, Elpídio Nogueira reiterou que foram 30 os pontos levantados pelos músicos em reunião, e que a primeira dessas reivindicações trata-se da sugestão para que os selecionados no Festival da Música de Fortaleza recebam premiação – algo, segundo ele, “acatado pela Secretaria, e que está no edital lançado na última semana”.

“Sobre outros pontos, como a questão do fomento à música, podemos citar o projeto Conexão Cultural; solicitação de equipamentos para os Centros Culturais, o que está em curso; e a Escola Pública de Música, cujo trâmite também está em curso e a expectativa é que seja inaugurada em 2023. Isso para citar alguns”, enumera.

Especificamente sobre o Plano de Desenvolvimento e Difusão da Música do Ceará, em resposta ao Sindicato a pasta orienta que o ponto tivesse sido discutido na Conferência Municipal de Cultura – “visto que o evento tinha como objetivo analisar e debater a execução do Plano de Cultura ainda em vigor (decênio 2012 a 2022) e apresentar propostas de diretrizes para o Plano Municipal que vigorará no decênio 2023 a 2033”.

Legenda: Protesto do Sindicato dos Músicos do Ceará nas redes sociais
Foto: Reprodução/Instagram

Já quanto aos sucessivos cancelamentos das reuniões na sede da Secultfor, o gestor explica que o Sindicato se reuniu primeiramente com a então Secretária Executiva, Paola Braga, quando o secretário estava de férias. Em um segundo momento, a reunião não pôde acontecer porque coincidia com a reunião do Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC).

“Retornamos por escrito a carta com os trinta pontos. Depois, tivemos nossa reunião presencial, onde foram debatidos pontos elencados na carta. A última reunião, no entanto, foi desmarcada porque acreditamos que a demanda deveria ser encaminhada ao CMPC visando o fortalecimento da representatividade do Conselho eleito, uma vez que a linguagem da música possui representantes”.

Condução na pandemia

Em outra esfera, se tomarmos como recorte a pandemia de Covid-19, artistas e grupos avaliam que o cenário apenas reforçou as complicações da gestão cultural na Capital. Com a maioria da classe sem vínculo empregatício ou mecanismos de proteção social, restou o diálogo com comitês de crise – envolvendo o Governo do Estado e a Prefeitura de Fortaleza. Houve distribuição de cestas básicas para a classe, bem como um auxílio emergencial de R$200, além da Lei Aldir Blanc, por meio de editais emergenciais de programação online. 

Legenda: Para o Sindicato dos Músicos do Ceará, o que existem são políticas pontuais acontecendo nos equipamentos sob gerência da Secultfor
Foto: Arquivo pessoal

Passado o período mais crítico, o que se percebe, todavia, é que a atuação pouco avançou em termos de políticas públicas de cultura em âmbito municipal. “Temos políticas pontuais acontecendo nos equipamentos. E devo citar também que, desde o início da gestão, o Centro Cultural Belchior, que abrigava uma produção diversa, continua fechado para reforma”, relembra Amaudson Ximenes.

O secretário, de fato, destaca que a gestão sob seu comando iniciou as atividades ainda enfrentando a pandemia. Além das ações já citadas, outras ganham força na fala dele: o “Vacinarte” – projeto que acolhia pessoas agendadas para vacinação com manifestações culturais; e o lançamento, em 2021, do edital de Cultura Tradicional Popular, Festival da Música e de Credenciamento de Artistas, além do projeto Giro Cultural.

“Neste ano, lançamos o Edital de Pareceristas, Edital de Festejos Juninos 2022, IX Edital das Artes, Salão de Abril e fizemos licitação para a realização do XIV Festival de Teatro de Fortaleza e para aquisição de equipamentos para espaços culturais dos Maracatus. Isso sem falar nos editais de formação da Vila das Artes – inclusive tivemos, recentemente, o edital de Imersão em Arte Urbana em Paris”, enumera.

“Na última semana, lançamos edital para a 5ª edição do Festival da Música que, neste ano, traz novidades para os participantes. Ainda neste ano iremos lançar edital para o Ciclo Natalino, Cultura Tradicional Popular e outros três para o Ciclo Carnavalesco de 2023. Temos mais novidades para lançar ainda neste ano em fomento e ação cultural. Duas antecipo em primeira mão: os projetos Terminal Literário e o Conexão Cultural”.

Perspectivas

Mas o cenário ainda é nebuloso. Levando em conta o futuro do segmento musical até o fim do ano, por exemplo, Amaudson não alimenta muita esperança. De todo modo, algumas ações mínimas são esperadas: melhor diálogo com a pasta; reinauguração do Centro Cultural Belchior; melhoria na programação permanente dos equipamentos culturais, com divulgação, planejamento e cachês otimizados; e diversas atrações cearenses no réveillon.

“O vencedor do Festival de Música de Fortaleza, que deveria ser tratado com dignidade e destaque, se apresenta no réveillon em horário péssimo e com muita confusão e falta de planejamento, jogado de um servidor para outro, da equipe da Prefeitura para a equipe das produtoras contratadas, sem ninguém ter informação clara”, lamenta. “O apoio é quase inexistente”.

Essa dança das cadeiras entre Secultfor e produtoras contratadas também atravessa o segmento do Teatro. Inclusive, foi por meio dessa dinâmica que o grupo Nóis de Teatro enfrentou complicada situação na mais recente edição do Festival de Teatro de Fortaleza. Segundo Henrique Gonzaga, integrante do grupo, a produtora responsável pelo evento primeiramente entrou em contato com eles para pedir material de divulgação e marcar a data da apresentação. O que veio depois foi espanto.

Legenda: Publicação nas redes sociais do grupo Nóis de Teatro explicando a problemática envolvendo o Festival de Teatro de Fortaleza
Foto: Reprodução/Instagram

“Um dia antes do que seria a apresentação, entrei em contato com o produtor para saber se tudo estava confirmado – já estávamos com o transporte do cenário facilitado e tudo – e ele me diz: ‘A gente já não sabe mais se o Festival vai começar amanhã. Temos uma reunião hoje para deliberar várias coisas, mas já não sabemos se serão vocês que vão abrir’. Na hora, fiquei sem resposta”, conta Henrique.

Por isso mesmo, o artista defende maior preparo e respeito da pasta para com integrantes da cadeia cultural. “Precisamos de um Plano Municipal de Cultura que não apenas assegure ações, mas que seja executado. Precisamos que os equipamentos sob a tutela da Secultfor funcionem, tenham programação, espaços de formação”, enumera.

Legenda: Vitalidade do grupo Nóis de Teatro muitas vezes tem dado lugar à amargura: “Precisamos de um Plano Municipal de Cultura que seja executado"
Foto: Arquivo pessoal

Para além de chamadas e editais, Henrique sugere outras formas de financiamento do trabalho artístico; que os editais previstos há anos possam acontecer anualmente, executados e pagos; que existam outras formas de fomentar a cultura na cidade, entre outras demandas. “Existem inúmeros coletivos, artistas e ações em Fortaleza, mas pouco tem havido espaços da Secultfor para que esses artistas estejam trabalhando. Precisamos rediscutir urgentemente a Secultfor e o papel dela enquanto gestão cultural na cidade”.

Em resumo, fica a insatisfação – sobretudo porque, dois anos depois do cenário pandêmico, eventos como o Festival de Teatro de Fortaleza ainda penam para acontecer. “Há uma ausência muito grande da pasta; falta de leitura adequada sobre o cenário cultural da cidade; falta de compreensão sobre as ferramentas, espaços e coletivos culturais, enfim, de toda a cena cultural de Fortaleza – e isso eu não falo só pelo Teatro. Dialogamos com fóruns de outras linguagens, e a questão é a mesma. A pasta é inoperante”.

“Construir em conjunto”

De acordo com Elpídio Nogueira, a pasta sob sua tutela acredita no diálogo e está aberta à conversa com a classe artística. “Aceitamos as proposições que nos são encaminhadas e acreditamos que políticas públicas se constroem em conjunto. Quantos às críticas, recebemos e frisamos que estamos atentos para uma escuta cada vez mais qualificada”.

O gestor sublinha que se reúne com grupos de várias linguagens, reforçando que o Conselho Municipal de Política Cultural tem como objetivo ouvir as demandas da classe artística e colocá-las em debate. As reuniões ocorrem sempre nas segundas quartas-feiras de cada mês, e os conselheiros sugerem as pautas a serem debatidas.

Quanto à questão das produtoras contratadas para eventos culturais da Prefeitura, critérios de seleção para constratação dessas empresas constam em edital, segundo ele. “O processo de escolha do serviço ocorre por meio de licitação na modalidade pregão”, diz.

“As exigências constavam de forma transparente através do edital. Ressalto que, assim como nos editais, as licitações passam pelas habilitações jurídicas e qualificação técnica. A Secultfor acompanhou todo o trâmite de execução, compreende as críticas e buscará formas que contemplem a categoria no próximo edital que visa a realização do Festival de Teatro”.

Ele ainda mensura que o valor do orçamento para a Cultura na Lei Orçamentária Anual (LOA) 2022 foi de 1,03%. E afirma que a Secultfor trabalha com propostas de políticas públicas de curto, médio e longo prazo, “reafirmando o compromisso em ouvir e dialogar com os setores culturais da cidade”.

Nesse movimento, quando questionado sobre o que a pasta pretende realizar até o fim da gestão, Elpídio é enfático. “Pretendemos deixar como legado o fortalecimento de ações em torno da preservação da memória, da salvaguarda do patrimônio cultural material e imaterial. O fortalecimento das ações formativas, a ampliação de atividades de fomento (com os editais), bem como o fortalecimento de toda a cadeia cultural da nossa cidade, garantindo emprego e renda aos trabalhadores da cultura. Trabalhamos por uma Fortaleza com ações culturais descentralizadas e que garantam o acesso dos seus cidadãos à cultura”.

A questão da diversidade

Artista, curadora e arte educadora, Aires complementa o debate ao observar que a gestão da Secultfor é composta majoritariamente por pessoas brancas e cisgêneros, com “campo de discussões de pautas afirmativas extremamente raso”. 

“A constituição desse grupo gestor reflete nas políticas e formas de execução dos projetos. A secretaria não tem organização e planejamento, deixando nítido o despreparo na condução da pasta e na realização dos eventos, geralmente realizados a toque de caixa”, percebe.

Artista contemplada na mais recente edição do Salão de Abril e curadora do Festival de Teatro de Fortaleza, Aires diz que o Salão foi aberto sem a finalização do processo de montagem das obras, tendo, desde o processo seletivo, inúmeros erros – da divulgação de “nomes mortos” de pessoas trans à contratação de uma equipe de produção sem expertise na área de Artes Visuais.

Legenda: A mais recente edição do Salão de Abril também foi alvo de duras críticas da classe artística da cidade
Foto: Thiago Matine

Por sua vez, no que toca ao Festival de Teatro, ela assinou a curadoria com outros dois artistas, vivenciando outro exemplo de “falsa postura de diálogo da Secretaria”, pecando novamente na condução do processo e na contratação de profissionais desqualificados.  

“Os dois eventos foram realizados a toque de caixa com cronogramas apertados e mal executados. Em ambos os processos, o ‘diálogo’ foi estabelecido na tentativa de melhoria dos processos de condução e execução, mas se torna visível a incapacidade dos gestores da pasta para a real absorção das questões trazidas pela classe”.
Aires
Artista, curadora e arte educadora

Por isso mesmo, as tentativas de diálogo com a pasta não foram poucas. Para Aires, a Secultfor não assume os erros na condução dos processos. Em última reunião realizada no gabinete para discussão sobre o Festival de Teatro de Fortaleza, foram apontados diversos erros no processo – desde questões organizacionais até a organização de materiais para a curadoria e envolvimento desta nos processos de realização e condução do festival.

Conforme Elpídio Nogueira, o Festival de Teatro de Fortaleza é realizado a partir de uma empresa selecionada por meio de licitação. Já sobre o Salão de Abril, “houve diversas conversas com integrantes da linguagem das Artes Visuais sobre o processo desta edição do evento e como se darão os próximos Salões, isto a partir das reivindicações postas”. 
 

O secretário salienta que a Secultfor está em diálogo com setores da sociedade para a construção de um edital de fomento ao desenvolvimento da cadeia produtiva de jogos. “No sentido de fomento, também vale destacar os patrocínios que a pasta tem oferecido, segundo a nova lei de patrocínio, com apoio para a realização de festivais e concertos”.

Já quanto à falta de políticas permanentes geridas pela pasta – outro fator de preocupação da classe artística – Elpídio cita a programação das bibliotecas municipais, e as atividades semanais no Teatro São José, Mercado dos Pinhões e Parque Rachel de Queiroz. “Existe um processo para compra de equipamentos; essa aquisição dará mais dinamicidade aos equipamentos culturais”, diz.

“As prioridades da Secretaria também passam pela valorização e salvaguarda do patrimônio cultural da nossa cidade, além do fomento à economia criativa, bem como a ampliação e democratização da produção cultural e seu acesso. Também é prioridade da pasta ampliar as fontes de financiamento da cultura e atuar na legislação municipal. Neste ano, realizamos a Conferência Municipal de Cultura que culminará em um novo Plano Municipal de Cultura. Este plano foi construído junto com a sociedade civil e vigorará pelos próximos dez anos”.

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