'Acenda o Farol', lançada há quase 50 anos, viraliza no TikTok e apresenta Tim Maia a novas gerações
Entre teorias sobre significado da letra e refrão marcante, "Acenda o Farol" vem repercutindo nas redes sociais e plataformas de música
A sonoridade é animada, o refrão é marcante e a letra estimula diferentes “teorias” sobre o verdadeiro significado: “Pneu furou / Acenda o farol, acenda o farol” — ou seria “send far all”?
Lançada originalmente pelo cantor Tim Maia (1942-1998) no álbum “Disco Club”, de 1978, a canção “Acenda o Farol” encontrou, neste final de 2024, uma popularização inédita no TikTok quando vídeos discutindo aspectos “ocultos” da composição começaram a repercutir.
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Visualizações, curtidas e 1º lugar nas plataformas
Os números alcançados tanto no TikTok quanto em outras plataformas comprovam o tamanho do público que está atualmente descobrindo ou redescobrindo a canção lançada há quase 50 anos. A reportagem demandou dados diretamente da rede chinesa, mas ainda não obteve retorno.
No entanto, uma busca rápida na plataforma mostra que — até o momento de escrita deste texto — já são mais de 152 mil vídeos utilizando “Acenda o Farol” como trilha sonora. Um deles, postado pela conta oficial de Tim Maia na rede, alcançou mais de 6,2 milhões de visualizações e 743 mil curtidas.
@timmaia.oficial Teoria da conspiração ou conselhos do Tim? 👀 #TimMaia #AcendaOFarol #ReiDoSoul #MPB ♬ Acenda o farol - Tim Maia
A popularização saltou do TikTok para outras redes e plataformas: no Instagram, dois vídeos da conta oficial do artista referenciado a música somam mais de 2 milhões de reproduções.
Houve, também, demanda junto às plataformas Spotify e Deezer sobre dados de reprodução de “Acenda o Farol”, cujo retorno não ocorreu até a publicação desta matéria.
Nas páginas oficiais de Tim Maia em cada uma, no entanto, a faixa consta no 1º lugar entre as mais populares. No Spotify, ainda, a canção figura na 39ª posição da playlist “50 que viralizaram - Brasil”.
“A explicação está na criatividade do Tim”
“Existem umas coisas que acontecem na internet que não tem explicação”, atesta o músico e cantor Hyldon. Parceiro e amigo de Tim Maia, o artista baiano, inclusive, é o responsável pela guitarra ouvida na gravação original.
“Eu tenho o maior orgulho de ter gravado muitos discos do Tim. Nessa, eu botei uma guitarrinha bem legal”, partilha, em entrevista ao Verso. Hyldon destaca, também, o arranjo assinado pelo maestro Lincoln Olivetti. “A música base é muito boa, a gravação é muito boa”, considera.
“Uma das características do Tim é de ter esse lado romântico e essas músicas mais rápidas, suingadas”, aponta. Na avaliação dele, “Acenda o Farol” reúne aspectos centrais da obra do amigo: é original, criativa e, em especial, atemporal.
“Essa música foi de 1978, tem muito tempo, e aí surge num TikTok da vida. Eu acho que não tem muita explicação, não. A explicação está na criatividade do Tim”
Professor e pesquisador de Comunicação e Cultura Pop, Thiago Soares destaca que Tim Maia é dono de obra “vasta”, reconhecida pela filiação à soul music e que tem parte significativa formada por músicas “efusivas”.
“‘Acenda o Farol’ estaria nesse espectro de músicas mais alegres”, considera Thiago, também coordenador do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Música e Cultura Pop (Grupop) da Universidade Federal de Pernambuco. O elemento destacado é um dos que podem auxiliar a compreender o fenômeno da viralização da obra.
“Dancinhas” e “cultura de especulação” ajudam na viralização
“Ela é uma música nesse sentido e adere a esse clima do TikTok, que tem a característica de ser uma ‘plataforma de alegria’”, avança o especialista. Parte considerável dos vídeos de destaque repercutindo “Acenda o Farol” são registros de pessoas cantando e/ou dançando ao som dela. “É uma levada alegre, ela convoca”, ressalta Thiago.
Até chegar às famosas “dancinhas” do TikTok, porém, “Acenda o Farol” primeiro viralizou pelo fenômeno que o professor define como “cultura de especulação”.
“Estou chamando assim esse gesto de especular, conjecturar, desconfiar, brincar com as narrativas, criar versões alternativas e interpretações particulares, o que é algo muito usual no TikTok”, ressalta.
A leitura de que Tim Maia cantaria “send far all” (“mande para longe”, em tradução livre do inglês) ao invés de “acenda o farol” estimulou interpretações diversas do conteúdo.
Ao cantar “Se alguém lhe amou e foi-se embora / Pneu furou / Acenda o farol, acenda o farol”, o artista estaria aconselhando a pessoa que foi deixada a “mandar” o coração partido para “longe”.
@dudalandgraf_ Acenda o farol e segue em frente! #fyp #timmaia ♬ Acenda o farol - Tim Maia
“Esse processo de viralização opera na chave, primeiro, da produção de conteúdos interpretativos sobre a música, que vão pensar como essas metáforas acontecem”, avança Thiago.
Além disso, essa popular leitura se alinha a outro tipo comum de conteúdo viral na lógica das redes. “Um traço muito comum nessa produção de conteúdo em plataforma é o da autoajuda, ou de um conteúdo que a gente pode chamar de inspiracional”, aponta o professor.
Tim Maia para novas gerações
A popularização de “Acenda o Farol” no TikTok e a consequente extrapolação da música para outras plataformas, acima de tudo, surge como “porta de entrada” para que a própria figura de Tim Maia se popularize.
“Tem uma geração mais jovem, do TikTok, que desconhece a figura do Tim Maia, então tem também a produção de conteúdo ligada a trazer à tona a figura dele”, avança Thiago. Ícone mítico da música brasileira, o artista reúne na vida passagens que cooperam na curiosidade do público.
“Ele costumava não aparecer nos shows, foi temperamental, deu entrevistas muito polêmicas, era um homem negro e gordo, era uma figura melancólica e, ao mesmo tempo, efusiva, esteve envolvido com o consumo de drogas, vivia uma vida muito controversa, o que alimenta esse imaginário”
Nostalgia como elemento mobilizador
A viralização de “Acenda o Farol” se soma a uma lista de músicas como “O Cheiro de Carolina”, de Luiz Gonzaga, e “Escrito nas Estrelas”, de Tetê Espíndola, que foram “redescobertas” décadas depois dos lançamentos originais.
Como aponta Thiago Soares, a popularização de tais canções pode criar dúvidas acerca da espontaneidade do processo.
“É possível que haja estratégias mercadológicas que contribuam para o acionamento dentro de uma cultura nostálgica”, reconhece o pesquisador, ao mesmo tempo em que chama atenção justamente para o poder da nostalgia junto ao público.
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“Quando a gente olha músicas antigas fazendo sucesso, não pode deixar de debater uma profunda cultura nostálgica dentro das redes digitais”.
Os contextos e motivações variam entre as músicas citadas — enquanto a canção de Gonzaga teve remix popular nas redes sociais, a de Tetê virou meme pelo canto da atleta Márcia Fu em reality e ganhou popular versão da sertaneja Lauana Prado —, mas todas dividiram o aspecto ressaltado pelo especialista no processo.
“A nostalgia é um dos principais capitais, não econômico, mas um capital mobilizador. Ela mobiliza memórias, afetos, trocas intergeracionais, conteúdo de alguém que não viveu aquilo, então tem também uma dinâmica nostálgica que contribui para o processo de viralização”
Pela própria lógica efêmera e rotativa de viralização nas redes sociais, é possível arriscar que, da mesma forma que surgiram, as “trends” com “Acenda o Farol” e Tim Maia sejam rapidamente substituídas por outras.
“Cara, eu acho maravilhosa essa coisa que aconteceu com essa música. Pode ser que dure, pode ser que acabe, pode ser que ela passe e volte anos depois. É o que falei, (a música) é atemporal”, opina Hyldon.
“Como parceiro e amigo do Tim Maia, fico muito feliz de ter essa coisa acontecendo com ele. Tomara que aconteça com outras músicas, porque ele gravou muitas músicas legais”, torce o artista.