Mais armas, ligação com políticos e apoio de chefes do RJ: saiba como CV está vencendo 'guerra' pelo tráfico no CE
Relatório da Polícia Civil aponta que a facção carioca 'muito em breve assumirá o controle total de Fortaleza/CE e dos principais municípios do Estado do Ceará'
A facção carioca Comando Vermelho (CV) tem se expandido por Fortaleza e pelo Interior do Ceará, nos últimos anos. Um relatório da Polícia Civil do Ceará (PCCE) aponta que a organização criminosa tem superado as rivais e "muito em breve assumirá o controle total de Fortaleza/CE e dos principais municípios do Estado do Ceará".
O documento da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), que a reportagem teve acesso, integra o inquérito policial contra José Roberto de Sousa Severo, o 'Imperador' ou 'Jogador', preso por liderar os ataques do CV contra os Guardiões do Estado (GDE) no bairro Vicente Pinzón - um dos últimos redutos da facção local na Capital.
Segundo a Draco, o Comando Vermelho "está levando vantagem devido a seu nível de organização, o fluxo de armas de fogo de grosso calibre e as grandes quantidades de drogas que chegam ao Estado por diferentes canais, com suas principais lideranças apresentando-se intocáveis nas Comunidades do Rio de Janeiro/RJ, como a Rocinha".
Dezenas de líderes do CV no Ceará estão escondidos em comunidades do Rio de Janeiro, onde eles têm proteção da facção e de onde enviam ordens para crimes em território cearense. Uma operação do Ministério Público do Ceará (MPCE) e da Polícia Civil do Ceará, com apoio do MP e da Polícia Militar do Rio de Janeiro, no dia 31 de maio deste ano, tentou capturar 29 criminosos, na Rocinha, mas se deparou com muitos mais cearenses - que fugiram pela mata.
O relatório policial acrescenta que os membros da facção carioca "já estão inseridos na política; nos serviços de internet; aplicativos de transporte de passageiros; setor de combustíveis; golpes virtuais; jogos regulamentados (Bets) e clandestinos; bebidas e cigarros falsificados; além dos serviços prestados dentro e fora dos portos e aeroportos".
A investigação dos órgãos cearenses sobre as lideranças que fugiram para o Rio revelou que o Comando Vermelho interferiu nas eleições municipais de Santa Quitéria, no Interior do Ceará. O grupo criminoso teria comprado votos para o candidato eleito - e depois cassado - Braguinha (PSB), com dinheiro e drogas, e teria ameaçado candidatos rivais.
O CV também foi o responsável pela série de ataques a provedores de internet, ocorrida principalmente entre março e abril deste ano, em Fortaleza, Região Metropolitana e Interior do Estado. A facção promoveu empresas parceiras e extorquiu empresários do ramo.
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Atuação do 'Imperador' na facção
José Roberto Sousa Severo e o 'braço direito' Alex Sousa da Silva, o 'Pit' foram presos em São Gonçalo do Amarante, na Grande Fortaleza, no dia 20 de agosto deste ano. A dupla foi indiciada pela Polícia Civil por integrar organização criminosa, na última quinta-feira (28).
Conforme as investigações, 'Imperador' estaria coordenando os ataques do Comando Vermelho à facção GDE no bairro Vicente Pinzón, desde o fim de junho deste ano. O conflito provocou o aumento de homicídios e tiroteios quase diários, o que obrigou uma operação policial permanente na região.
A maior presença da Polícia no Vicente Pinzón "desviou" a força dos dois grupos criminosos para o Papicu, que também registrou crescimento da violência, nas últimas semanas. Moradores dos dois bairros e arredores ficaram assustados e escolas tiveram aulas suspensas, na semana passada.
O relatório da Draco detalha que 'Imperador' é uma liderança do CV na Comunidade dos Cocos, na Praia do Futuro, e no bairro Caça e Pesca, em Fortaleza, além de localidades no Distrito de Taíba, em São Gonçalo do Amarante. Ele ainda é considerado um conselheiro da facção carioca no Ceará.
Imperador tem sido o responsável por fomentar o tráfico de drogas e por decretar/ordenar a morte de faccionados rivais, bem como de criminosos/viciados que contraem dívidas e não pagam ou que cometam atos que vão de encontro ao estatuto da Orcrim (organização criminosa. É responsável também pela expulsão de moradores dos bairros e localidades repetidamente citados."
Antes de ascender à liderança da facção criminosa, José Roberto Sousa Severo foi jogador de futebol, segundo a Polícia Civil. A reportagem localizou fichas de jogos da Federação Cearense de Futebol (FCF) em que ele aparece como jogador do Horizonte Futebol Clube, em 2010, e da Associação Desportiva São Benedito, em 2011.
ERRAMOS (Atualização feita no dia 3 de setembro de 2025, às 14h30): Na primeira versão desta matéria, o Diário do Nordeste informou que José Roberto jogava pelo Quixadá Futebol Clube, em 2010, e não pelo Horizonte Futebol Clube. Mas a informação estava errada e foi extraída de um jogo entre os dois clubes.
Combate às facções criminosas
Em nota, a Polícia Civil do Ceará informou que "os relatórios técnicos produzidos pelos setores de inteligência e/ou de investigação, servem para subsidiar ações policiais contra alvos específicos e, também, contra grupos criminosos. Esses documentos têm como objetivo apresentar subsídios à autoridade policial, bem como, posteriormente, aos integrantes do Poder Judiciário e do Ministério Público, da importância da expedição de mandados de prisão, de busca e apreensão, além do bloqueio de bens móveis, imóveis e outros ativos oriundos de atividades criminosas".
Em relação aos dados constantes de um relatório produzido pelo Departamento de Repressão ao Crime Organizado (DRCO), em agosto deste ano, o documento serviu como elemento para robustecer as investigações contra um homem de 41 anos, apontado como liderança de um grupo criminoso de origem carioca, e de seu braço direito. Ambos foram presos pela PCCE e tiveram suas prisões homologadas pela Justiça e convertidas em prisões preventivas. Destaque-se que o suspeito é investigado por crimes como homicídio, tráfico de drogas e organização criminosa desde 2006, tendo ficado preso em 2021 e posto em liberdade em 2023."
Segundo a Polícia Civil, "para reforçar a importância das prisões, o relatório detalhou a atuação deste grupo de origem carioca baseando-se em análise do cenário macronacional. Com base neste e em outros documentos produzidos pelos setores de investigação e de inteligência, a Polícia Civil reforça que vem promovendo, em parceria com as demais forças de segurança, dentro e fora do estado, operações constantes contra os grupos criminosos, com prisões relacionadas a investigados por Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs); tráfico de drogas; tentativas de extorsão a comerciantes e empresários; e por integrar organização criminosa".
No comparativo entre janeiro e junho de 2025 e o mesmo período de 2024, as prisões realizadas pela Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) tiveram crescimento de 156% - ao subirem de 124 para 318 prisões. Somente a Operação Strike, contra integrantes do Comando Vermelho ligados a ataques a provedores de internet, resultou na prisão de 57 suspeitos, entre fevereiro e agosto deste ano.
Já o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) "efetuou a prisão de 136 pessoas apenas em julho deste ano, um aumento de 51,11% em comparação ao mesmo período do ano passado, quando foram realizadas 90 prisões. Dados do Departamento de Recuperação de Ativos (DRA) da Polícia Civil, apontam que, entre janeiro de 2023 e julho de 2025, foram representados mais de R$ 2 bilhões (2.234.280.432,58) de ativos, entre imóveis, veículos, dinheiro em espécie e valores bloqueados em contas bancárias, investigados como oriundos do crime organizado".
"Com base nesses dados e nas muitas prisões também realizadas pelos departamentos de Polícia da Capital, Região Metropolitana, Interior Sul, Interior Norte e pelas demais delegacias distritais e especializadas, a Polícia Civil do Estado do Ceará, em parceria com as demais forças de segurança, vem promovendo um enfrentamento massivo aos grupos organizados em todo o estado", conclui a Instituição.