Santa Quitéria: TRE-CE mantém cassação de Braguinha, investigado por envolvimento com facção
Prefeito eleito da cidade, ele não chegou a tomar posse no cargo no dia 1º de janeiro; vice também foi cassado
O Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) manteve, por unanimidade, nesta terça-feira (1º), a cassação do prefeito eleito de Santa Quitéria, Braguinha (PSB), e do vice, Gardel Padeiro (PP), por abuso de poder político e econômico. Eles são acusados de receber ajuda da facção criminosa Comando Vermelho (CV) para a prática de compra de votos, inclusive com entorpecentes, e para ameaças contra candidatos e eleitores durante a campanha de 2024.
Além da cassação do mandato dos gestores municipais eleitos, também foi determinada a realização de novas eleições em Santa Quitéria. Ainda cabe recurso.
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Relator do processo, o desembargador eleitoral Luciano Nunes Maia Freire afirmou que esse é o caso "mais emblemático" e "mais grave" analisado pela Justiça Eleitoral, "no que tange à atuação de facções criminosas, na tentativa de interferir no sistema democrático". "A Justiça Eleitoral precisa garantir a integridade do sistema democrático", reforçou.
O relator disse que foi demonstrado que houve a vontade do eleitor "foi absolutamente corrompida" e que "existem provas robustas de que foi missão do Comando Vermelho de favorecer a chapa de José Braga Barroso e Francisco Gardel nas eleições de 2024".
"Diante desse cenário abominável, de criminalidade, é evidente que o ambiente eleitoral ficou excessivamente nocivo naquele município, o que permite concluir que o pleito encontra-se viciado e totalmente divorciado do verdadeiro sistema democrático".
Ao PontoPoder, a defesa da chapa eleita em Santa Quitéria irá recorrer da decisão "confiante na inexistência de abuso de poder por parte de José Braga Barroso e Francisco Gardel".
"A defesa espera a disponibilização do acórdão para decidir qual será o melhor encaminhamento a ser dado ao processo. Reitera-se a confiança nas questões prejudiciais e de mérito prequestionadas no autos", completa.
Julgamento na Justiça Eleitoral
A Corte rejeitou, por unanimidade, pedido da defesa de Braguinha, representada pelos advogados Fernandes Neto e Valdir Filho, pela anulação da sentença da 54ª Zona Eleitoral do Ceará. Eles alegaram questões como cerceamento de defesa e incompetência do magistrado da 1ª instância e defenderam que "o processo foi atropelado por uma série de irregularidades". Contudo, os argumentos não foram acatados pelos desembargadores eleitorais.
Durante o julgamento, o advogado Valdir Filho também afirmou que não existiria "nexo de causalidade". "Não é a escassez de prova, nós não temos prova. Desde a demanda penal, que se diz com ênfase, o nexo de causalidade não existe. (...) Não há prova, tanto é que na instrução do 1º grau nos foram negadas todas as provas produzidas", disse.
O procurador eleitoral Samuel Arruda rebateu as alegações da defesa e reforçou haver fatos "notórios" de que a eleição em Santa Quitéria não foi justa e de que houve abuso de poder político e econômico por parte da chapa eleita. "Diz que não teria havido nexo casual. Houve eleição justa? É isso que se precisa responder aqui. (...) Não houve, porque teve um candidato impedido de fazer campanha, notoriamente", pontuou.
Ele reforçou ainda o caráter "emblemático" do julgamento do caso de Braguinha, mas disse que a análise é "tardia". "Deveria ter sido julgada por essa Corte em 2020, quando os fatos criminosos começaram em Santa Quitéria", defendeu. Segundo as investigações, há indícios de que o método também tenha sido adotado nas eleições de 2020.
Entenda o processo
Prefeito e vice eleitos, Braguinha e Gardel Padeiro não chegaram a tomar posse dos cargos, tendo sido afastados pela Justiça Eleitoral pouco antes da solenidade de posse, no dia 1º de janeiro de 2025. Na ocasião, Braguinha foi preso prestes a assumir a Prefeitura, que passou a ser ocupada pelo seu filho, Joel Barroso (PSB), presidente da Câmara Municipal de Santa Quitéria. Braguinha chegou a cumprir prisão domiciliar, mas foi liberado posteriormente.
A ação julgada foi ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) ainda em dezembro do ano passado. Entre outras informações, a procuradoria citou depoimento de Tomás Figueiredo (MDB), adversário de Braguinha, relatando a dificuldade, desde a primeira semana da campanha, de realizar seus eventos e de visitar eleitores, além das ameaças feitas por membros do CV a auxiliares da sua campanha.
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A sentença da 1º instância, assinada pelo juiz Magno Gomes de Oliveira, da 54ª Zona Eleitoral do Ceará, cita inclusive ameaças sofridas pela própria Justiça Eleitoral.
"Em meados de setembro, o Cartório Eleitoral recebeu ligação de um integrante do Comando Vermelho, que se dirigiu a um dos servidores ameaçando atacar a unidade do órgão e matar todos, caso a Justiça não 'parasse' com as decisões contra os 'manos' do CV, conforme Termo de Oitiva do servidor e Chefe do Cartório Eleitoral desta 54ª Zona Eleitoral", cita no documento.
Na decisão, o magistrado afirma que, mesmo sendo impossível quantificar o número de eleitores expulsos de Santa Quitéria antes do dia do pleito, "é necessário reconhecer que a obstrução criminosa de um único eleitor já seria apta a viciar o resultado das urnas".
Para ele, "o direito ao exercício do livre sufrágio em Santa Quitéria restou sepultado a partir de incontáveis condutas de ameaças, coações e expulsões de eleitores, notadamente aqueles residentes em bairros como a Piracicaba e Pereiros".
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Além da investigação no âmbito do MPE, há inquérito instaurado na Polícia Federal (PF) para apurar as denúncias. Assim, a PF chegou a Daniel Claudino Sousa, o "DA30", enviado pelo alto comando do CV do Rio de Janeiro a Santa Quitéria para ameaçar candidatos e eleitores.
"A organização criminosa adotou a estratégia de demonstrar claramente ser contra o TOMÁS e prejudicar a candidatura deste, mas não deixar transparecer o apoio ao candidato JOSÉ BRAGA BARROZO, a fim de, obviamente, não levantar suspeitas, nem prejudicar o candidato que eles pretendiam beneficiar, sendo certo que em várias conversas do grupo, os integrantes do CV mencionavam o candidato a prefeito com a sigla 'BG'", aponta o inquérito.