Investigação contra familiares de 'Marcola' expõe disputa de facções por domínio do mercado de apostas no Ceará

O Ministério Público do Ceará fez um aditamento à denúncia contra três acusados, a partir da análise de conversas extraídas de aparelhos celulares apreendidos na Operação Primma Migratio

Escrito por
Messias Borges messias.borges@svm.com.br
Operação Primma Migratio prendeu 22 suspeitos de ligação com uma organização criminosa, que realizava lavagem de dinheiro no Ceará, em abril de 2024
Legenda: Operação Primma Migratio prendeu 22 suspeitos de ligação com uma organização criminosa, que realizava lavagem de dinheiro no Ceará, em abril de 2024
Foto: Divulgação/ PF

O aprofundamento da investigação da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado no Ceará (Ficco-CE) contra uma organização criminosa comandada por familiares de Marcos Willians Herbas Camacho, o 'Marcola', número 1 da facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC), expôs a disputa entre quatro facções criminosas pelo domínio do mercado de apostas no Ceará. O conflito é noticiado pelo Diário do Nordeste desde 2021.

O Ministério Público do Ceará (MPCE) fez um aditamento à denúncia contra três acusados de integrar a organização criminosa, no último dia 18 de março, após novos relatórios elaborados pela Ficco, baseados na análise de conversas extraídas de aparelhos celulares apreendidos, com autorização judicial. 

Os alvos do aditamento, que a reportagem teve acesso, foram o subtenente da Polícia Militar do Ceará (PMCE) Francisco Julienio Lima Vasconcelos e o casal Cintia Chaves Gonçalves e Renato Ramos, que estão entre os 22 presos da Operação Primma Migratio, deflagrada em abril de 2024. Ao serem procuradas pela reportagem, a defesa de Julienio informou que não deseja se manifestar e aguarda o devido processo legal; já a defesa dos outros dois réus não foi localizada, mas o espaço segue aberto para futuras manifestações.

A investigação da Ficco apontou a atuação das facções PCC, Comando Vermelho (CV), Guardiões do Estado (GDE) e Massa Carcerária no mercado de apostas e de jogos de azar, no Ceará. O objetivo das organizações criminosas é lavar o dinheiro proveniente de outros crimes, como tráfico de drogas e roubos.

Conforme o documento das Promotorias de Justiça de Combate às Organizações Criminosas obtido pela reportagem, as apurações da Ficco reforçaram a relação do policial militar Julienio Vasconcelos com o PCC e com a Loteria Fort - que tinha como proprietário Geomá Pereira de Almeida e era utilizada para "lavar" dinheiro de familiares de 'Marcola'.

"Repisa-se que Julienio faz parte do núcleo logístico da organização criminosa, sendo responsável pela segurança, recolhimento e transporte de bens lícitos e ilícitos no interesse da organização", lembrou o MPCE, no aditamento à denúncia.

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'Salve' de facção rival

No aparelho celular do PM, os investigadores encontraram um "salve" (mensagem de ordem) da facção criminosa Comando Vermelho (CV) que "acusa a referida loteria (investigada pela Ficco) de estar alinhada com organizações criminosas como o PCC e a Massa, mencionando práticas como o envio de armas e o financiamento direto de atividades ilícitas contra o CV", revela o Ministério Público do Ceará.

O informe destaca que a continuidade das operações da loteria em territórios dominados pela facção rival seria uma estratégia para consolidar influência não apenas em áreas tradicionais de tráfico de drogas, mas também com novas formas de controle econômico, como os jogos e a cooptação de forças policiais."
Ministério Público do Ceará
Em aditamento à denúncia

O MPCE analisa que "essa mensagem reflete o contexto de disputas territoriais e a diversificação das práticas criminosas, indicando um cenário em que o domínio vai além do tráfico, abrangendo estruturas mais amplas de financiamento e controle social". Após controlar parte do mercado de casas de apostas, as facções avançaram no controle de provedores de internet no Ceará, no ano corrente.

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Atuação em casa de apostas

Os investigadores da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado no Ceará também analisaram os aparelhos celulares do casal Cintia Chaves Gonçalves e Renato Ramos, após autorização judicial, e encontraram "conteúdo que corrobora o vínculo dos denunciados com a organização criminosa armada denominada PCC e a ligação entre esta facção e a loteria Fort", segundo o Ministério Público do Ceará.

"Nos arquivos de multimídia foram visualizadas diversas evidências que remetem à Loteria Fort, como resultados de apurações de jogos, bilhetes de jogos, fotos de pontos de vendas, imagens da transmissão dos sorteios pela televisão e veículos com adesivos de referido estabelecimento", ressalta o MPCE.

Em uma das conversas descobertas pela Ficco, datada de 10 de abril de 2024, Renato Ramos demonstrava preocupação por um motoqueiro da Loteria Fort ter sido coagido para não trabalhar em área dominada pela facção cearense Guardiões do Estado (GDE), em Fortaleza.

"Ele passa nos pontos, fala que a gente não pode trabalhar. Ele passa no ponto, tudo onde é GDE, tá ligado? Aí fala que não pode trabalhar e que conhece o dono da loteria, que é a Loteria Fort", disse Renato, na mensagem.

No dia 20 de fevereiro do ano passado, Renato recebeu uma mensagem de outro funcionário da Loteria, que disse ter sido intimidado por membros da facção Comando Vermelho. "Deixa eu te dizer aqui: passou um rapaz aqui e disse que o jogo que vai funcionar aqui só é o deles e mandou recolher as máquinas daqui. Aí eu disse: ‘macho, vocês têm que resolver com o chefe, com os donos do jogo, eu pelo menos, eu sou empregado’", disse o funcionário.

Dois dias depois, Renato recebeu uma mensagem da companheira, Cintia Gonçalves, com um "salve" da facção PCC que informava que a organização criminosa tinha tomado o domínio do bairro da Pavuna, em Pacatuba, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), que antes era da GDE. "As quebradas da Pavuna, Timbó e Vila da Mata estão à disposição para receber irmãos do PCC e companheiros que queiram fazer parte do crime certo, justo e correto do Brasi", dizia o texto (com correções ortográficas).

Os investigadores analisaram mensagens ainda mais antigas. Em uma mensagem de 25 de agosto de 2021, conforme o aditamento à denúncia, "o réu Renato demonstra preocupação em ter seu nome vinculado ao PCC em uma cidade do interior, mencionando que rivais teriam proibido os jogos (possivelmente se referindo à Loteria Fort) em território dominado pela facção Comando Vermelho (CV), rival do PCC".

Segundo as investigações, Cintia trabalhava para Loteria Fort e era uma funcionária da confiança do empresário Geomá Pereira, ao ponto de fazer transferências financeiras para a empresa. Em uma dessas transferências, ela enviou R$ 300 para Leonardo Alexander Ribeiro Herbas Camacho, sobrinho de 'Marcola' - também acusado por integrar a organização criminosa alvo da Operação Primma Migratio.

A Força Integrada de Combate ao Crime Organizado no Ceará é composta pela Polícia Federal (PF), Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), Polícia Militar do Ceará (PMCE), Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) e Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização do Estado do Ceará (SAP).

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