Ameaças e cobranças milionárias: monopólio do 'jogo do bicho' junto a facção é investigado no Ceará

Membros de grupos armados chegam a cobrar R$ 2 milhões para autorizar funcionamento de determinadas empresas nas periferias de Fortaleza

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
jogo do bicho

Historicamente, o tráfico de drogas é a principal fonte de renda para capitalizar facções criminosas. É pela disputa de 'boca de fumo' que se mata e morre todos os dias e a violência avança no Brasil. Nos últimos dois meses, uma prática entre empresários do jogo do bicho e lideranças de grupos armados vem ganhando espaço em Fortaleza, amedrontando a população e fazendo com que uma facção em específico lucre milhões.

A reportagem apurou junto a uma fonte da inteligência da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS-CE) que tudo começou com uma reunião entre proprietários de uma loteria local e membros de um grupo armado de origem carioca. O negócio proposto foi: 25% da arrecadação da loteria para a facção, e em troca os criminosos fariam com que só aquela empresa pudesse atuar em determinadas áreas. Começava então o monopólio do jogo do bicho na capital cearense.

Veja também

Aqueles que resistissem à ordem deviam pagar de R$ 1 milhão a R$ 2 milhões para continuar montando as bancas. Se não houvesse negociação, as ameaças se cumpriam. Incêndios, disparos de armas de fogo, sequestros e outros crimes. Em poucas semanas, o esquema se espalhou. Atualmente, pelo menos nove localidades de diversas Áreas Integradas de Segurança (AIS) de Fortaleza têm registro dessas ameaças. 

Veja o mapa abaixo:

No Quintino Cunha, por exemplo, as ameaças começaram ainda no mês de setembro. A reportagem ouviu de moradores do bairro que eles temem a atuação da facção no local e que pelo menos cinco pessoas foram prejudicadas financeiramente porque passaram duas semanas impedidas de trabalhar. Com medo de represálias, aqueles que montavam bancas de jogos no bairro optaram por não conceder entrevistas.

FINANCIAMENTO MILIONÁRIO

A fonte da SSPDS ouvida pela reportagem explica que nessas localidades os cambistas só podem trabalhar se utilizarem a maquineta da loteria parceira da facção carioca. Para descobrir se a ordem vem sendo desobedecida, os faccionados fazem rondas pelos bairros observando as bancas.

"Para completar, muitos policiais fazem a segurança pessoal do pessoal dessa loteria. O que vai acontecer se as autoridades não acabarem com isso a tempo? A facção vai se fortalecer com esse dinheiro e como consequência vai aumentar o número de mortes no Estado"
Servidor da SSPDS

Na noite dessa quarta-feira (27), membros da facção divulgaram mais um aviso: "Meus amigos vamos chega nessas bancas de jogos que tão aberta na favela e vamos pega todas as macna de jogos" (sic)

Também preocupado com a situação, o filho de um representante de banca de apostas conta que sempre buscou não saber muito sobre o trabalho do pai. No entanto, nos últimos dias, enquanto morador de periferia, percebeu que não podia se calar diante dos fatos.

O homem, de identidade preservada, fala que há quase um mês lê "salves" de uma facção enviados com objetivo de eliminar a concorrência e cobrando valores expressivos, além de uma mensalidade para quem quiser continuar fazendo jogo.

circular faccao

"Ora Senhores, se o Crime Organizado já possui a renda do trafico de drogas, vocês imaginem com o dinheiro oriundo da contravenção. Comenta-se que estão cobrando uma taxa de 1 milhão de reais para a banca que quiser voltar a fazer jogo e uma mensalidade de 100 mil reais. Será uma verdadeira guerra contra a Polícia" (sic), diz o filho na publicação.

Nas mensagens ainda é dito que duas loterias anteriormente proibidas voltaram a funcionar, o que faz o denunciante subentender que elas pagaram a quantia exigida pelo consórcio criminoso:  "O crime alimentando o crime. Seria cômico se não fosse trágico. Aqui vai virar um Rio de Janeiro em termos de segurança pública se nada for feito", destaca.

ÓRGÃOS INVESTIGAM

A reportagem apurou que o Ministério Público do Ceará (MPCE) está ciente e investiga o caso por meio do  Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). No entanto, o MP afirmou que o caso está em sigilo e não poderia conceder mais informações para não prejudicar o andamento da investigação.

A Polícia Federal afirmou que, em tese, o jogo do bicho, é de atribuição das forças policiais estaduais e que "com relação a facções criminosas, a PF atua fortemente nessa área, em conjunto com outras forças de segurança, mas não comenta eventuais investigações em andamento".

Já a Polícia Civil do Estado do Ceará informou por nota que investiga toda infração penal que tem conhecimento. "Cabe destacar que em casos específicos, no qual fica evidenciado o envolvimento de organizações criminosas, o trabalho é conduzido pela Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco)". A PC destacou que detalhes de investigações em andamento não são divulgados para não comprometer o trabalho policial.

 

 

 

Assuntos Relacionados