Recurso fica 12 anos esperando análise no TJCE, e caso de PMs que atiraram em turistas prescreve

Cada um dos militares havia sido condenado a 24 anos de reclusão, por quatro tentativas de homicídio ocorridas em uma abordagem policial que ficou conhecida como 'Caso Hilux'

Escrito por
Emanoela Campelo de Melo e Emerson Rodrigues seguranca@svm.com.br
caso hilux turistas baleados em fortaleza
Legenda: Segundo constatou a Perícia, a Hilux em que as vítimas viajavam foi atingida por 22 tiros de diferentes calibres.
Foto: Alex Costa

Dois policiais militares condenados pelo Tribunal do Júri por tentar matar turistas em uma abordagem policial em Fortaleza foram absolvidos devido a um recurso impetrado pela defesa dos PMs prescrever na 2ª Instância do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Mais de 12 anos se passaram desde que as defesas dos PMs Luiz Ary da Silva Barbosa Júnior e Antônio Eduardo Martins Maia recorreram das condenações deles em 1º Grau.

Já em 2º Grau no TJCE, o processo chegou a passar por, pelo menos, quatro desembargadores, foi colocado e retirado de pauta duas vezes e quando finalmente foi julgado nessa terça-feira (22) já havia prescrito, ou seja, pela lei, o Estado não poderia mais punir os militares. Com isso, a condenação em 1ª Instância foi anulada. 

Mais de uma década depois, "restou a extinção da punibilidade dos agentes pela ocorrência da prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal, nos termos do voto da eminente Relatora", diz trecho da decisão proferida pela 3ª Câmara Criminal, que teve como relatora a desembargadora Andréa Mendes Bezerra Delfino, com quem a ação penal estava desde maio de 2023.

A reportagem questionou o Tribunal de Justiça do Ceará o porquê da demora para o recurso ser julgado. Por nota, o TJ disse que na última terça-feira (22) ao constatar a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, "por unanimidade de votos, reconheceu a extinção da punibilidade de Luiz Ary da Silva Barbosa Júnior, Antônio Eduardo Martins Maia e Francisco Emanuel Rodrigues Felipe, obedecendo ao disposto nos artigos 109, incisos III e IV e 110, parágrafo 1º, do Código Penal".

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Cada um dos militares havia sido condenado a 24 anos de reclusão, por quatro tentativas de homicídio ocorridas em uma abordagem policial que ficou conhecida como 'Caso Hilux'. Duas vítimas são espanhóis, um italiano e a quarta brasileira.

"Para a contagem do prazo prescricional, deve ser considerada a pena aplicada de forma isolada para cada crime que, no referido caso, foi de 6 anos por cada vítima. Dessa forma, conforme determina a lei, a prescrição ocorreria em 12 anos. Na data do julgamento do recurso, o prazo havia sido alcançado. A complexidade do caso, que envolve número elevado de réus e vítimas, bem como a quantidade de testemunhas e necessidade de provas periciais, impactam diretamente na conclusão do processo"
TJCE

caso hilux3
Legenda: As marcas de sangue dentro do veículo são provas da ação violenta
Foto: Arquivo Pessoal

Regio Rodney, advogado de Luiz Ary, afirma que o recurso de apelação da sentença em 1º grau foi apresentado dias após a decisão, ainda em 2011, e pela Defensoria Pública do Ceará, que na época estava na defesa do agente: "desde então ficaram aguardando julgamento. Não houve artimanhas da defesa para prolongar", disse.

O QUE ACONTECEU APÓS A CONDENAÇÃO EM 1º GRAU

As sentenças foram proferidas na 2ª Vara do Júri da Comarca de Fortaleza nos anos de 2011 (para Luiz Ary) e 2012 (para Antônio Eduardo). O regime determinado era inicialmente fechado. Ainda em novembro de 2011, a Defensoria Pública do Ceará apelou da sentença de Luiz Ary.

As apelações chegaram ao 2º Grau do TJCE em 2013. Foi então que começou uma série de 'redistribuições', tendo até mesmo uma magistrada dito constatar não ter competência para julgar a demanda.

O ano de 2017 ficou marcado pelo período com mais 'idas e vindas' no processo, tendo o desembargador Francisco Lincoln Araújo e Silva mandado intimar pessoalmente cada uma das vítimas e réus, sendo que eles já tinham, na época, apresentado razões da apelação.

caso hilux turistas alvejados
Legenda: O carro onde os turistas estavam foi alvejado com dezenas de disparos
Foto: Arquivo

No mesmo ano, o desembargador mandou remeter os autos ao juízo de origem "para colher as contrarrazões ministeriais".

Em 2019, a Defensoria Pública Geral do Ceará requereu a aplicação de multa em prol da Defensoria Pública do Estado do Ceará, "face do advogado que recorreu e não apresentou devidamente as Razões de Recurso, bem como Oficiar a Ordens dos Advogados do Brasil, para apurar a desídia do advogado por não ter apresentado as Razões Recursais". 

Nesse mesmo ano, a procuradora de Justiça Maria Magnólia Barbosa da Silva opinou "no sentido de que esta Corte de Justiça conheça e defira provimento ao recurso do Ministério Público e indefira provimento ao recurso dos réus".

Mais anos se passaram enquanto a prescrição se aproximava. Até que em 2023, os autos protocolados no TJCE e que inicialmente foram distribuídos para a desembargadora Lígia Andrade de Alencar Magalhães, na competência da 1ª Câmara Criminal e em seguida redistribuídos à relatoria do desembargador Francisco Darival Beserra Primo, chegaram à desembargadora Ângela Teresa Gondim Carneiro Chaves.

A magistrada afirmou que não possuía "competência para julgar a presente demanda", pois havia outros recursos referentes ao mesmo caso no gabinete de outro desembargador.

Na época, a desembargadora destacou que "verificou-se a existência de recursos interpostos em face de decisões proferidas anteriores, em cuja consulta junto ao sistema processual foi possível verificar terem sido julgados pelo eminente Des. José Tarcílio Sousa da Silva... Assim, considerando o julgamento dos recursos, cujo protocolo deu-se anteriormente a este recurso, bem como para evitar decisões conflitantes, hei por bem determinar a redistribuição do presente feito, em conformidade com as disposições regimentais deste Tribunal, para o desembargador sucessor do e. Desembargador José Tarcílio Sousa da Silva, na competência desta 3ª Câmara Criminal".

O processo foi redistribuído para a desembargadora André Mendes Bezerra em maio de 2023. No mês seguinte, a assistência de acusação apresentou os recursos de apelação e a ação foi colocada em pauta pela primeira vez.

Ainda no último mês de fevereiro, o processo foi retirado de pauta a pedido da própria relatora e ficou reagendado para o dia 22 de abril de 2025, ficando esta como a data marcada em que a Justiça reconheceu a prescrição.

TURISTAS ESTAVAM EM UMA HILUX

No dia 26 de setembro de 2007, por volta das 21h, o italiano Inoccenzo Brancati e a esposa Denise Campos Sales Brancati foram buscar o casal de amigos espanhóis que desembarcou no Aeroporto Pinto Martins em uma Hilux.

Quando eles voltavam pela Avenida Raul Barbosa, no bairro Aerolândia, o veículo em que estavam, uma caminhonete Toyota Hilux, de cor preta, foi confundido por policiais militares com o automóvel utilizado por bandidos em fuga, que era uma caminhonete Chevrolet S10, de cor vinho. 

Acreditando ser o início de um tiroteio, eles tentaram sair do local, mas foram perseguidos pelos policiais, que continuaram atirando. Um dos projéteis atravessou a costela esquerda de Marcelino Ruiz Campelo, atingindo a parte superior do pulmão esquerdo até lesionar a medula, causando-lhe paraplegia irreversível dos membros inferiores.

A esposa dele, Maria Del Mar Santiago Almuduver, não ficou ferida.

Segundo constatou a Perícia, a Hilux em que as vítimas viajavam foi atingida por 22 tiros de diferentes calibres. 

As investigações da Polícia e da própria Justiça apontaram dez PMs como os responsáveis pela operação. Em 2011, oito foram pronunciados, ou seja, seriam submetidos ao Tribunal Popular do Júri: Luiz Ary da Silva Barbosa, Marcelo Lima Alves, Francisco Emanuel Rodrigues Felipe, Rinaldo Carmo Sousa, Francisco Edinaldo de Lima, Francisco Elnias de Sousa, Francisco Eloy da Silva Neto e Antônio Eduardo Martins Maia. Foram impronunciados os PMs Antônio Liberato Dias Neto e Marcos Antônio da Silva.

Francisco Elnias morreu durante o processo, antes mesmo de sentar no banco dos réus. Marcelo Lima Alves, Francisco Eloy da Silva, Antônio Liberato Dias Neto, Rinaldo Carmo Sousa, Marcos Antônio da Silva foram absolvidos por decisão dos jurados. 

Francisco Emanuel foi condenado a uma das tentativas de homicídio e absolvido das demais. 

ESTADO FOI CONDENADO A PAGAR INDENIZAÇÃO MILIONÁRIA

No ano de 2016, o Estado do Ceará foi condenado a pagar R$ 1,4 milhão em indenização ao casal de espanhóis Marcelino Ruiz Campelo e Maria Del Mar Santiago Almudever. A decisão foi proferida pela 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Ceará.

Na época, o relator do processo, desembargador Washington Araújo, disse que a “indenização fixada, portanto, serve de lenitivo, ao menos simbólico, aos profundos danos morais impingidos ao requerente Marcelino Ruiz, da mesma maneira que as quantias são suficientes para abrandar o terror experimentado por ambos os promoventes, que em muito ultrapassa o limiar de resiliência esperado de uma pessoa média”. 

O desembargador disse ainda que a "monstruosidade da ação policial" é um verdadeiro exemplo de "ferocidade animalesca" e "infame covardia", podendo ser classificada como gravíssima, já que os agentes deveriam ser treinados para ver o cidadão dignamente.

Anteriormente, a Justiça já tinha condenado o Estado a indenizar em R$ 760 mil o italiano Innocenzo Brancati, que dirigia o veículo, e a esposa dele, Denise Campos Sales Brancati. 

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