Fuga pela mata e mansões de luxo: por que criminosos cearenses são protegidos pelo CV na Rocinha
De 29 alvos de mandados de prisão que os policiais tinham para cumprir na comunidade do Rio de Janeiro, apenas um suspeito foi preso
Quando a Polícia chegou à Rocinha, no Rio de Janeiro, na madrugada do último sábado (31), com o objetivo de prender criminosos cearenses, iniciou-se uma fuga cinematográfica: cerca de 400 homens, vestidos com roupas apropriadas e mochilas e armados de fuzis, entraram em fila pela mata. De 29 alvos de mandados de prisão que os policiais tinham para cumprir, apenas um suspeito foi preso.
A fuga de centenas de criminosos foi filmada por drones das Forças de Segurança. "Possivelmente essas pessoas são treinadas para isso, até pela vestimenta, pela forma como ostentam fuzis. Para essas pessoas estarem adentrando na mata, com certeza elas tiveram acesso a técnicas de guerrilha. Essas mochilas devem ter produtos para passar dois ou três dias na mata", analisa o subprocurador geral jurídico do Ministério Público do Ceará (MPCE), Plácido Rios.
O MPCE e a Polícia Civil do Ceará (PCCE) esperavam prender chefes do Comando Vermelho (CV) que atuam no Ceará e que viviam na Rocinha e, para isso, contaram com o apoio do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMRJ), para deflagrar a operação.
Da Rocinha, os criminosos ordenavam homicídios e outros ataques criminosos em território cearense, além de comandar o tráfico de drogas.
Apenas um suspeito foi preso: um homem natural de Brasília - que não teve sua identidade revelada- tinha atuação no Ceará e também se escondia na comunidade do Rio de Janeiro. Um policial foi baleado no pescoço, durante a operação. O agente de segurança passou por cirurgia e não corre risco de morte.
As autoridades cearenses refutaram um possível vazamento de informações sobre a operação, o que poderia ter atrapalhado o trabalho policial e facilitado a fuga dos criminosos. "A gente tem que analisar a proporção da operação. Foi uma operação bem grande, com a participação de centenas de agentes. Inevitavelmente, quando os agentes chegam ao local, tem todo um trajeto que precisa ser feito, até se chegar nos alvos. Tem uma certa demora, para evitar que tenha danos e que tenha vítimas que não estão ligadas à operação", explica o diretor-adjunto do Departamento Técnico Operacional (DTO) da PCCE, delegado Kléver Farias.
"Isso faz com que os alvos já consigam identificar que essa operação iniciou. Naturalmente, eles já criam rota de fuga. As favelas, no Rio de Janeiro, são muito grandes. Naturalmente, eles se estabelecem em pontos estratégicos, criem edificações com rotas de fugas determinadas, que facilitem essa ação", completa o delegado.
O coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), do MPCE, promotor de Justiça Adriano Saraiva, afirma que os cearenses viviam na Rocinha "meio intocáveis". "O Estado do Ceará, no ponto de vista geográfico, é importante para eles (facção carioca), pela proximidade com a Europa e com a África. É um Estado em crescente evolução imobiliária. Temos dois portos aqui importantes, com baixa fiscalização", completa.
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Plácio Rios corrobora que "o interesse deles é financeiro e estabelecer domínio sobre as regiões". Segundo o subprocurador geral jurídico, a facção criminosa construiu um prédio de seis andares na Rua Dionéia, sem autorização da Prefeitura do Rio de Janeiro. Nos quatro primeiros andares, moravam seguranças da facção e, nos dois andares mais altos, chefes da quadrilha - inclusive cearenses. "Esperamos que o Poder Judiciário mande destruir esses imóveis, após serem arregimentadas provas que comprovem que esses imóveis eram utilizados para fins criminosos", conclui.
em bens foram apreendidos com os criminosos alvos da operação na Rocinha. Deste valor, cerca de R$ 270 mil representam 204 kg de drogas apreendidos (entre quantidades de cocaína e maconha). Máquinas de academia, televisões e outros objetos pessoais, pertencentes aos investigados, foram apreendidos em imóveis de luxo.
Interferência nas eleições municipais
Os chefes cearenses do Comando Vermelho escondidos na Rocinha, Zona Sul do Rio de Janeiro, também interferiram na Eleição Municipal de Santa Quitéria, em 2024, revelou o Ministério Público do Estado nesta terça-feira (3).
Na ocasião, a organização criminosa teria auxiliado na eleição de Braguinha (PSB) e de Gardel Padeiro (PP), como, respectivamente, prefeito e vice da cidade do Sertão dos Crateús. Ambos tiveram os diplomas cassados pela 54ª Zona Eleitoral do Ceará por abuso de poder político e econômico no início de maio.
O ataque que a organização criminosa fez ao Estado do Ceará foi algo muito profundo às nossas instituições democráticas. Basta dizer que, apesar de vários outros delitos já estarem sendo catalogados sobre a responsabilidade dessas pessoas, nós tivemos o ataque frontal à liberdade do pleito da cidade de Santa Quitéria."
Durante o pleito eleitoral, os membros do CV teriam comprado votos dos cidadãos para os então candidatos, inclusive, com a doação de entorpecentes a potenciais eleitores e de ameaças a adversários políticos e apoiadores, conforme as investigações. Há indícios ainda de que o método também tenha sido adotado nas eleições de 2020.
"A interferência no processo eleitoral de Santa Quitéria se deu mediante ao constrangimento dos candidatos adversários, inclusive ameaçando as pessoas que afixavam imagens publicitárias dos candidatos adversários, reprimindo qualquer ato de livre manifestação eleitoral, como carreatas, passeatas, manifestação de reuniões. Tinha ameaças de mortes às pessoas, chegando a atirar em muros de casas, e ameaças os servidores da Justiça Eleitoral sobre destruir o cartório eleitoral", detalhou Rios em coletiva.
A investigação da Polícia Civil e do Ministério Público do Ceará apontou que um carro Mitsubichi Eclipse saiu de Santa Quitéria, com R$ 1,5 milhão em espécie, para pagar o serviço realizado pelo Comando Vermelho nas eleições municipais da cidade cearense.
O principal responsável por dar as ordens em Santa Quitéria e destinatário da quantia milionária era Anastácio Paiva Pereira, conhecido como 'Doze', um dos chefes do Comando Vermelho no Ceará. Ele morava em uma mansão na Rocinha, com piscina e academia.
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Operação no Sistema Penitenciário
O Ministério Público do Ceará e a Polícia Civil do Ceará, com apoio da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização do Ceará (SAP), deflagraram outra operação que teve como alvo a facção Comando Vermelho, no Ceará, nesta terça-feira (3).
mandados de prisão e de busca e apreensão foram cumpridos, em Fortaleza e Caucaia. Três suspeitos já estavam detidos em presídios cearenses, enquanto os outros dois alvos capturados estavam em liberdade. As autoridades ainda tentavam cumprir outros dois mandados de prisão e de busca e apreensão, mas os suspeitos não foram localizados.
A quadrilha alvo da Operação Evolutio praticava o tráfico de drogas no bairro Conjunto Ceará, em Fortaleza. Algumas ordens eram proferidas de dentro do Sistema Penitenciário, por dois detentos, que tiveram aparelhos celulares apreendidos, em maio de 2024.
"A investigação teve início em 2024, a partir da apreensão de dois aparelhos celulares que estavam sendo utilizados de forma ilegal por detentos dentro da Unidade Prisional Elias Alves da Silva – UP Itaitinga 4. Segundo relatado pela SAP, a cela onde foram recolhidos os aparelhos celulares eram de custodiados que integram a facção criminosa de origem carioca, fato que se confirmou após a extração e análise dos dados telemáticos dos objetos", destacou o MPCE.
Segundo o Ministério Público, os dois presos "contavam com o apoio de pessoas para comercializar as drogas e recolher o dinheiro, além de operadores financeiros, em sua maioria mulheres, que eram responsáveis pela contabilidade do apurado, divisão, administração e comercialização dos entorpecentes".