A ‘serviço das facções’: relembre casos de advogados presos no Ceará em 2025

Parte dos suspeitos está com situação 'suspensa', sem poder advogar.

Escrito por
Emanoela Campelo de Melo emanoela.campelo@svm.com.br
fachada da oab e fachada presidio, sap.
Legenda: Parte dos advogados é suspeito de transportar bilhetes de presos.
Foto: JL Rosa e Nah Jereissati.

Acusados por crimes como: integrar organização criminosa, homicídio e extorsão, oito advogados foram presos no Ceará em 2025. Destes, pelo menos cinco capturados em diferentes ocasiões por envolvimento em facções. Conforme a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Secção Ceará, os oito respondem a processos disciplinares no Tribunal de Ética e Disciplina (TED/OAB-CE).

O uso da advocacia para se aliar aos grupos armados é cena que se repete no Estado, mesmo que protagonizada por uma minoria na categoria. Em uma das ocasiões noticiada pelo Diário do Nordeste neste ano, um advogado foi vítima de um colega de profissão, tendo a ordem para o ataque partido do Comando Vermelho (CV).

Já no mês de junho, a Polícia Civil do Ceará (PCCE) deflagrou a operação 'Além do Ofício', com principal intuito de "identificar integrantes de um grupo criminoso que possuíam um sistema de mensagens clandestinas para repassar informações entre presos e suspeitos que estavam em liberdade".

Dentre os alvos da operação estão os advogados Monika Fernandes Portela e Victor de Alencar Magalhães. Ambos são acusados de integrar o CV e de transportarem bilhetes. Os dois foram denunciados pelo Ministério Público.

BILHETES PARA OS PRESOS

Monika já era um nome conhecido das Forças de Segurança pela sua ficha nos anos anteriores. Em 2023, a mulher foi presa em flagrante pela primeira vez, já por participar da facção. No início de junho deste ano ela foi condenada a quatro anos e oito meses de reclusão, pela Vara de Delitos de Organizações Criminosas. Uma semana depois, foi presa novamente.

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De acordo com a acusação, há dois anos a denunciada tentou obstruir as investigações acerca da atuação do Comando Vermelho no município de Sobral, ao tentar esconder o aparelho celular do alvo da operação Ana Karini, que é suposta liderança do referido grupo criminoso, durante o cumprimento de um mandado de busca e apreensão", considerou a Vara de Delitos de Organizações Criminosas, na decisão.

policiais com o advogado victor, preso no ceara.
Legenda: Policiais militares cumpriram o mandado de prisão em aberto contra o advogado.
Foto: Reprodução.

Quando a PCCE deflagrou a 'Além do Ofício', Monika foi presa na própria casa dela e policiais encontraram bilhetes com mensagens que teriam sido escritas por membros do Comando Vermelho presos.

Outro alvo da operação permaneceu na condição de foragido até este mês. Victor de Alencar Magalhães foi preso no dia 16 de dezembro, quando estava em uma quadra de beach tennis, na cidade de Iracema, Interior do Ceará. 

Assim como a colega de profissão, ele também é suspeito de se valer da profissão para transportar bilhetes de um chefe da facção criminosa carioca atualmente detido em um presídio cearense, para os comparsas soltos. Os bilhetes transportados pelos advogados investigados seriam enviados principalmente por Francisco Clever Carneiro Freitas, conhecido como 'Careca', apontado como um líder do grupo na Região Norte do Ceará.

O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) informou que o processo contra Monika está em fase de instrução na Vara de Delitos de Organizações Criminosas da Comarca de Fortaleza e os que tramitam contra Victor de Alencar Magalhães estão em segredo de Justiça.

A reportagem apurou que a dupla está com situação 'suspensa' no Cadastro Nacional de Advogados (CNA), ou seja, estão impedidos de advogar temporariamente. 

A OAB-CE explica que a "suspensão é uma medida disciplinar, com duração de até 12 meses, prevista no Estatuto da Advocacia e da OAB, e visa proteger a dignidade da profissão e a sociedade. A suspensão é uma medida excepcional, temporária, e não se confunde com o processo disciplinar principal, que continua seu curso". 

As defesas dos investigados não foram localizadas.

SUSPEITO PELA MORTE DO PRÓPRIO COLEGA

Lucas Arruda Rolim é outro advogado investigado pelo envolvimento com o Comando Vermelho. Em 2019, o Diário do Nordeste noticiou que o nome de Lucas constava em um relatório da Inteligência da Polícia Civil como participante na logística da facção.

Documentos a que a reportagem teve acesso apontam que o advogado auxiliava “na elaboração de planos de fuga e influência no tráfico de drogas”. Desde então, o acusado continuou a ter o nome divulgado na imprensa sob suspeita de crimes.

Advogados Lucas Arruda Rolim e Sílvio Vieira
Legenda: Lucas Arruda já responde por organização criminosa, tráfico de drogas e associação para o tráfico
Foto: Reprodução

Já neste ano, Lucas Rolim foi denunciado pela morte do advogado criminalista Sílvio Vieira da Silva, com quem 'compartilhava clientes'.

Por ser sócio de Silvio e ter a confiança de Silvio, ele teria atraído o colega ao bairro Genibaú, onde o criminalista foi alvejado por uma série de disparos de arma de fogo a mando de um líder do CV, escondido no Rio de Janeiro. A defesa de Lucas negou o envolvimento dele no homicídio.

O homem é um dos que estão na lista de suspensos, divulgada no CNA. O processo segue em segredo de Justiça. 

Outros advogados suspeitos de integrar organização criminosa são Raquel Estevão Beserra e Miguel Fernandes Pessoa Neto. Raquel foi presa no último mês de outubro, no Cariri, suspeita de se valer da advocacia para levar e trazer recados de presos enquanto visitava os clientes nas unidades prisionais no Estado. Não há mais informações sobre os crimes.

Já Miguel Fernandes foi preso após ser apontado pela Polícia Civil do Ceará como suspeito de um homicídio. Miguel tem 30 anos e uma extensa ficha criminal, com passagens por integrar organização criminosa, corrupção passiva, ameaça e peculato.

O homem assassinado tinha 28 anos e foi executado no bairro Sapiranga, em agosto deste ano. A reportagem apurou que a vítima é Antônio Elden da Silva Lucas, tido como um 'Delator da Facção Guardiões do Estado (GDE)'.

Elden saía de uma clínica médica quando foi abordado por criminosos. Três meses antes do crime, sob a identificação sigilosa de 'Testemunha X', a vítima revelou à Polícia detalhes do funcionamento da GDE.

Miguel também é suspeito de liderar um esquema de fraude no monitoramento eletrônico.

Nessa segunda-feira (22), mais um advogado suspeito de transportar bilhete de preso foi conduzido para a delegacia. Após atender um membro do CV, policiais penais suspeitaram da atitude do advogado e apreenderam um bilhete com ele. O homem foi ouvido e liberado. 

EXTORSÃO E GOLPES

Ainda neste ano de 2025 foram presos os advogados José Lourinho Coelho (suspeito de extorsão), Laliani Correia de Arruda e Thaís Mendonça (dupla suspeita de aplicar golpes em idosas).

Conforme a acusação, José Lourinho foi procurado por uma jovem, que disse ter sido vítima de abusos e, ao invés de notificar as autoridades sobre o caso, entrou em contato com o suposto autor do crime sexual para extorqui-lo: "consta no procedimento policial que o denunciado constrangeu, mediante grave ameaça e em violação de dever inerente à profissão, com intuito de obter para si, ou para outrem, indevida vantagem econômica".

Ele foi condenado em 1º Grau, recorreu e foi absolvido em decisão proferida por desembargadores do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).

Já Laliani e Thaís teriam, junto a um cientista de computação, sido presos em Fortaleza apontados como responsáveis por uma empresa de fachada, que teria lucrado mais de R$ 4,6 milhões com golpes contra idosos.

O TJCE afirma que contra a dupla tramita processo na Justiça de Santa Catarina. As defesas não foram localizadas. 

 

SISTEMA PARA CAPTAR CONVERSAS

Na última semana, um sistema para captar conversas entre presos e advogados foi instalado na Unidade Prisional de Segurança Máxima do Estado, localizada em Aquiraz, no Ceará.

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A tecnologia, já utilizada em presídios federais, foi adotada a partir de pedido formalizado pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), com o objetivo de intensificar o controle sobre a comunicação de detentos de alta periculosidade.

A OAB Ceará recorreu contra a decisão do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) que autoriza a captação das conversas na unidade e disse que a medida é inconstitucional. 

“Entendemos que essa decisão afronta diretamente a prerrogativa do advogado prevista no artigo 7º do Estatuto da Advocacia e da OAB, que assegura o direito à entrevista reservada com o cliente, além de estar expressamente prevista na Lei de Execução Penal. Trata-se também de uma violação à Constituição Federal, por comprometer a ampla defesa”, disse a presidente da OAB-CE Christiane Leitão.

 

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