O que se sabe sobre decisão judicial para captar conversas entre presos e advogados no CE
A medida, que visa o combate às facções criminosas, deve ser reavaliada em 180 dias.
A decisão da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) para autorizar a captação ambiental de conversas realizadas entre presos e advogados, na Penitenciária Estadual de Segurança Máxima do Ceará, causou polêmica, nos últimos dias.
O pedido foi feito pelo Ministério Público do Ceará (MPCE), através de promotores de Justiça que atuam na Corregedoria de Presídios de Fortaleza e no Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), que consideram a medida como importante para o combate às facções criminosas.
Do outro lado, a Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE) afirmou, em nota, que a medida "viola o sigilo profissional, compromete o exercício pleno da defesa e afronta diretamente o artigo 7º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), que assegura a inviolabilidade das comunicações entre advogado e cliente".
A OAB-CE pretende recorrer a Instâncias Superiores, com o objetivo de reverter a decisão. O processo tramita sob sigilo de Justiça no Poder Judiciário do Ceará.
A reportagem apurou que o TJCE decidiu que as gravações ambientais no Presídio de Segurança Máxima devem ser submetidas ao Poder Judiciário, mediante prévia demanda da Administração Penitenciária, para o juiz definir o que pode ser utilizado em eventuais investigações policiais e o que deve ser descartado.
Os investigadores também devem se ater apenas a planos para crimes futuros, que venham a ser revelados pelos presos aos advogados. Revelações sobre crimes ocorridos no passado não podem ser utilizadas como provas de investigações.
A medida judicial vale por 180 dias (cerca de 6 meses). Após esse prazo, a Justiça deve avaliar se prorroga ou encerra a captação ambiental na Unidade de Segurança Máxima.
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Como se deu a decisão judicial
A reportagem apurou que o pedido do MPCE de implantar a captação ambiental de conversas entre presos e advogados, no Presídio de Segurança Máxima, foi rejeitado pela Vara de Corregedoria de Presídios da Comarca de Fortaleza, na Primeira Instância.
Então, o Ministério Público recorreu à Segunda Instância, e o processo foi distribuído para a 3ª Câmara Criminal.
Quando o processo foi colocado em pauta na Câmara pela primeira vez, o relator do processo se posicionou contrário ao pedido do MPCE. Entretanto, uma desembargadora pediu vistas sobre o Agravo de Execução Penal.
Ao voltar a julgamento na última terça-feira (18), após a leitura do voto vista atendendo ao pedido do MPCE, o relator acolheu as modificações e o Agravo foi acatado, por unanimidade, pelos desembargadores da 3ª Câmara Criminal.
O Tribunal de Justiça do Ceará emitiu nota em que confirmou que "a 3ª Câmara Criminal deu provimento a recurso interposto pelo Ministério Público do Estado do Ceará e autorizou, por prazo determinado e prorrogável mediante nova decisão judicial, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos e acústicos no interior da Penitenciária Estadual de Segurança Máxima do Ceará".
A medida, de caráter excepcional, foi admitida diante de indícios concretos de utilização da unidade prisional para a prática de atividades ilícitas. Conforme a decisão, todo o material colhido ficará sujeito à reserva de jurisdição, cabendo ao juízo competente deliberar sobre seu uso. A medida tem por finalidade a proteção da ordem pública e a prevenção do repasse de ordens oriundas de lideranças criminosas."
Ordens de chefes do crime organizado
A reportagem apurou que, no pedido ao TJCE, o Ministério Público justificou a captação ambiental pela alta periculosidade dos presos da Penitenciária Estadual de Segurança Máxima do Ceará e pelo histórico de flagrantes contra advogados suspeitos de repassar ordens de líderes de facções criminosas, no Ceará.
A maioria dos presos que se encontra na Unidade é apontada como liderança de facções que atuam no Estado. O Presídio fica localizado em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), e foi inaugurado em agosto de 2021.
No mês seguinte à inauguração, o advogado Júlio César Costa e Silva Barbosa foi preso em flagrante por suspeita de tentar entregar um bilhete a um detento. Ao ser detido, ele ofereceu resistência e ainda danificou o xadrez da viatura policial.
e 5 meses de prisão foi a pena somada aplicada pela Vara de Delitos de Organizações Criminosas contra o advogado, pela prática dos crimes de integrar organização criminosa, dano, resistência e desacato, em maio de 2023.
Um argumento utilizado pelo Ministério Público, no pedido feito ao TJCE, foi o dado de que uma advogada realizou 245 atendimentos a um cliente detido no Presídio Estadual de Segurança Máxima, entre 2022 e 2025, o que levanta suspeitas sobre o cometimento de alguma irregularidade.
A Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará emitiu nota em que "manifesta veemente discordância quanto à decisão que autoriza a captação dos diálogos entre advogados e pessoas privadas de liberdade na Penitenciária Estadual de Segurança Máxima".
A medida, resultante de provimento da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará ao Agravo de Execução interposto pelo Ministério Público Estadual, viola o sigilo profissional, compromete o exercício pleno da defesa e afronta diretamente o artigo 7º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), que assegura a inviolabilidade das comunicações entre advogado e cliente, além de ferir a Lei de Execução Penal e a própria Constituição Federal."
A Instituição ressalta que "nenhuma política de enfrentamento ao crime pode justificar o enfraquecimento das prerrogativas da advocacia, sob pena de sacrificar o direito de defesa, a ampla garantia constitucional do contraditório e os próprios pilares do Estado Democrático de Direito".
O Ministério Público do Ceará foi questionado pela reportagem sobre a decisão judicial, mas o Órgão não se manifestou até o fechamento desta matéria. O texto será atualizado, se houver manifestação do MPCE.