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Qual o papel da política nos avanços de Fortaleza para se tornar uma cidade inteligente

Com inovações em áreas importantes, é necessário que a gestão pública assuma um papel central no caminho de tornar a capital cearense uma smart city

Escrito por
Ingrid Campos e Luana Barros producaodiario@svm.com.br
(Atualizado às 12:27, em 23 de Dezembro de 2022)
Cidade Inteligente
Legenda: Com destaque em rankings recentes, Fortaleza trilha caminho para ficar mais próxima do conceito de Cidade Inteligente
Foto: Fabiane de Paula

Imagine estar perdido em um bairro ou mesmo numa rua onde nunca - ou poucas vezes - esteve. O contratempo na rotina pode ser irritante, mas não é de difícil resolução. Em Fortaleza, um aplicativo indica os pontos de ônibus próximos à sua localização, apontando, inclusive, uma aba específica para planejar qual deslocamento pretende fazer - descrevendo, por exemplo, as linhas do transporte público corretas para isso. 

Se o problema for o pagamento - agora feito apenas por bilhete único na capital cearense -, é possível pagar por QR Code dentro do mesmo aplicativo. Se o desejo é chegar mais rápido, é possível, por outro aplicativo, solicitar um TopBus - com rotas diferentes e, mesmo sendo coletivo, mais personalizadas. 

Os exemplos não representam novidade na rotina dos fortalezenses, tendo - em menor ou maior frequência - entrado na rotina da cidade. Mas são essas ferramentas que integram uma rede mais ampla na busca por melhorar a qualidade de vida dos cidadãos da cidade - os mesmos que devem ser o foco no processo de transformá-la em uma Cidade Inteligente.

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Esse é um termo que já foi mais restrito e, talvez ainda seja, em diversas ocasiões, vinculado exclusivamente à tecnologia. Mas, se mecanismos tecnológicos estão presentes neste desenvolvimento, a meta está cada vez mais vinculada à busca crescente por soluções inovadoras para os problemas nos territórios - desde os banais e pontuais aos sistêmicos. 

"É olhar o cidadão como um todo", resume o geógrafo Willian Rigon. Ele é diretor de marketing da Urban Systems e pesquisador responsável pelo Ranking Connected Smart Cities - idealizado como ponto de partida para compreender indicadores e níveis de desenvolvimento de municípios. 

Este olhar envolve pensar o cidadão por diferentes prismas: como morador; como trabalhador, estudante ou empresário; como jovem, adulto ou idoso. E traz consigo a necessidade de trabalhar as diferentes dimensões presentes em uma cidade, indo de áreas basilares como a educação e a saúde até aspectos cada vez mais proeminentes como a proteção ao meio ambiente e a inclusão no mercado de trabalho. 

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E onde se situa a gestão pública na transformação de uma cidade inteligente?

"O papel é crucial, é essencial", inicia o presidente da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza, Luiz Alberto Sabóia. Ele separa a atuação da gestão pública em dois eixos. "Um eixo é óbvio", observa. "A gestão pública maneja vários instrumentos que impactam na qualidade de vida das pessoas". 

Afinal, é a administração pública - representada, no caso das cidades, pelas prefeituras - a responsável pelo diagnóstico das necessidades do território, pela execução de políticas públicas, pela resolução de problemas e pelo manejo de diferentes dimensões existentes na vida de uma cidade. 

Para melhorar a efetividade destas responsabilidades, a inteligência e a tecnologia se transformam em ferramentas em um processo realizado em três etapas: diagnóstico, análise de dados e formulação de soluções. 

"O diagnóstico é importante para que a cidade se enxergue do ponto de vista do seu usuário. Da população, dos empresários, de todos os atores que nela vivem. Entendendo, fazendo esse diagnóstico, a gestão pública pode buscar soluções para essas questões que foram levantadas".
William Rigon
Geógrafo e pesquisador responsável pelo Ranking Connected Smart Cities

A implementação de mecanismos tecnológicos para esta coleta de dados contribui, inclusive, para a eficiência deste diagnóstico. Luiz Alberto Saboia cita, por exemplo, o estabelecimento do videomonitoramento "como estratégia de gestão do território da cidade" em Fortaleza.

Se a instalação de câmeras como parte de uma política pública voltada à segurança pública não é novidade, o potencial destes equipamentos podem ser ampliados para outras dimensões da cidade. "Tem muitas outras potencialidades. Nós estudamos várias frentes de atuação, testamos várias aplicabilidades", ressalta Saboia. 

O plano é reunir as imagens e dados fornecidos por estes equipamentos em uma Central de Gestão Integrada de Videomonitoramento de Fortaleza - já em construção e projetada para ser entregue até 2024. As imagens em tempo real permitem um monitoramento do trânsito, por exemplo. Mas também facilitam a identificação de problemas na pavimentação ou a formação de um ponto irregular de lixo.

Videomonitoramento
Legenda: Uma Central para integrar as imagens captadas pelo vide monitoramento em Fortaleza está em construção e tem projeção de entrega para 2024
Foto: Fabiane de Paula

Para Fortaleza, deve ser aplicado, inclusive, um algoritmo de inteligência artificial que poderá identificar eventos como os citados, sem a necessidade de um 'olho humano'. O elemento humano seria adicionado, portanto, mais à frente, como parte da análise desses dados e para formulação das soluções. 

Mas nem só de tecnologia se faz uma cidade inteligente

Não existe apenas um conceito para definir uma cidade inteligente. É possível encontrar, no entanto, alguns consensos nas discussões feitas sobre o tema. O primeiro deles é de que ser uma cidade inteligente não se restringe apenas à implementação de tecnologias naquele território. 

Outro ponto de concordância trata da necessidade de pensar a inteligência de uma cidade a partir do quanto ela atende às necessidades da população e aumenta a qualidade de vida de quem vive ali. Algo que passa pela resolução de problemas estruturantes, conforme lembra o geógrafo e integrante do Observatório das Metrópoles, Alexandre Pereira. 

Ele lembra que Fortaleza é uma das cidades mais desiguais do Brasil no que diz respeito às condições de trabalho, por exemplo, por ter alto nível de informalidade e de dificuldade de acesso a direitos trabalhistas.

Periferia
Legenda: Um dos pontos importantes para a transformação em uma cidade inteligente é o uso dessas ferramentas para o combate à desigualdade social
Foto: Fabiane de Paula

Por isso, defende que a política de construção de uma cidade inteligente siga um "caminho de agrupar esses sistemas, essas informações e tudo o que isso potencializa para melhorar a aplicação do orçamento público na resolução desses problemas estruturantes". 

Neste sentido, a atuação do gestor público assume papel central em um processo no qual é necessário não apenas pensar em inovações tecnológicas, mas voltar essa formulação para resolver problemas por vezes históricos na cidade. 

"Discutimos a cidade que queremos buscando soluções inovadoras para as reais necessidades da nossa gente", resume o prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT). Com mais de 30 anos de atuação política, ele viu a transformação não apenas da Capital como das formas de pensar a cidade e suas construções. 

E, como destaca, percorreu "todos os bairros da nossa periferia e isso me fez conhecer as dificuldades da população mais pobre". Portanto, cita o prefeito, é necessário uma cidade mais moderna e tecnológica, mas também sustentável e inclusiva. "Nesse caminho, é preciso vontade política e clareza  sobre o que é prioridade no governo", completa Sarto.

Inclusive, ao ser indagado sobre quais políticas públicas implementadas em Fortaleza a aproximam do conceito de cidade inteligente, um dos programas citados por ele foi o "Nossas Guerreiras", voltado a capacitar e oferecer crédito para mulheres chefes de família que possuem o desejo de colocar ou incrementar o próprio negócio. 

Ao contrário de outros programas citados por Sarto - como o Juventude Digital ou o Re-cyclo -, não há um elemento tecnológico primordial no “Nossas Guerreiras”, apesar de ter como um dos pilares a educação, elemento de fundamental aprimoramento para uma cidade inteligente. A inovação buscada neste modelo de cidade passa não só pela tecnologia, mas de "encontrar soluções diferentes para problemas antigos que não foram solucionados ainda", sentencia Saboia. 

Bicicleta compartilhada
Legenda: Alguns das ferramentas que integram a rede para tornar Fortaleza uma cidade inteligente já estão integradas à rotina dos moradores da cidade
Foto: Fabiane de Paula

E se a tecnologia é - assim como em outros setores - um mecanismo eficiente para isso, ela passa longe de ser a única. E, neste ponto, o ciclo necessário a um modelo de cidade eficiente se fecha, ao "transformar em informação significativa" os dados obtidos e analisados e, assim, conseguir "ajustar, medir o impacto e planejar a política pública", finaliza Saboia. 

O caminho de Fortaleza para ser uma cidade inteligente

Apesar das muitas possibilidade para definir o que seriam cidades inteligentes, diferentes estudos tentam medir o caminho feito por cidades no Brasil e no mundo para tornarem seus territórios mais próximos dessa ideia.

Um deles é o Ranking Connected Smart Cities, na qual são analisados dados de 677 municípios brasileiros a partir de 75 indicadores em 11 eixos temáticos. Além de avaliar as cidades em cada um desses eixos, é feito ainda uma classificação geral. 

O que uma cidade inteligente tem?
Infogram

Na publicação de 2022 deste estudo, Fortaleza aparece como referência máxima em Tecnologia e Inovação. Além disso, fica na quarta colocação no eixo Empreendedorismo. 

O mérito, diz Rigon, deve-se aos polos de tecnologia, às incubadoras (que são espaços criativos que acolhem empreendedores), além do ambiente de crescimento de startups e de outras empresas que desenvolvem soluções para as necessidades do município, como as iniciativas que permitem melhorar o alcance da mobilidade e da segurança.

“Já na parte de tecnologia, um dos grandes destaques da cidade é a velocidade da banda larga, já que tem uma infraestrutura de telecomunicação com velocidade muito alta”, o que favorece tanto o consumo residencial e individual da população como os ambientes de negócios, “criando uma série de possibilidades de transferência de dados e informações e de aproveitamento de velocidade e facilidade de acesso”, aponta Rigon.

O desempenho da cidade nesse setor também é reconhecido no Ranking de Serviços de Cidades Inteligentes, promovido pelas consultorias Conexis e Teleco. Aqui, Fortaleza ocupa a terceira posição na avaliação sobre oferta de serviços por meio digital a fim de facilitar a vida da população.

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Voltando ao Ranking Connected Smart Cities, Fortaleza subiu ainda cinco posições, ficando em 17ª entre os quase 680 municípios analisados pelo estudo. E o otimismo envolve a continuidade no crescimento da capital cearense nas classificações que listam as cidades inteligentes do País, inclusive com a implementação de novas iniciativas - ou a ampliação de ações que já estão em teste ou em fase inicial 

“Temos muitas iniciativas dentro dessa pauta de Cidades Inteligentes e estamos muito otimistas com todo o potencial de transformação e de benefícios para os fortalezenses”, garante o prefeito José Sarto.

Em concordância com o gestor, o presidente da Citinova, Luiz Alberto Saboia cita algumas das medidas que aprimoram Fortaleza como uma cidade inteligente e estão em desenvolvimento pela Prefeitura. 

Confira:

E para onde é possível avançar?

Um dos responsáveis pelo Ranking Connected Smart Cities, Willian Rigon indica em quais setores Fortaleza ainda precisa avançar para continuar a subir no patamar de cidade inteligente. São eles: educação, segurança e saúde

Na primeira área, Fortaleza ficou em penúltimo lugar do ranking. Na segunda e na terceira, sequer entrou na lista. A oferta de saneamento básico no município também é deficitário, aponta o pesquisador da Urban Systems.

De fato, Fortaleza ficou na 76ª posição no Ranking do Saneamento 2022, que avaliou o desempenho das 100 maiores cidades do Brasil com base em dados do estudo do Instituto Trata Brasil.

“Enquanto muitas coisas evoluíram bastante, a infraestrutura básica da cidade ainda tem carência. É sempre importante lembrar que, quando a gente pensa em cidade inteligente, mira lá na frente, mas, se pula o degrau da questão da infraestrutura, a gente não está sendo efetivo como governo”, afirma Rigon.

Atualmente, a Citinova não tem nenhuma iniciativa especifamente na área de saneamento básico. A responsabilidade é da Secretaria de Infraestrutura a partir do Programa de Infraestrutura em Educação e Saneamento de Fortaleza (Proinfra). O programa prevê um investimento de US$ 150 milhões para a realização  de obras em serviços como drenagem e saneamento, entre outros. 

Alexandre Pereira chama a atenção para o cenário de pobreza em Fortaleza, que se intensifica com o passar dos anos. Fatores como esse, diz o especialista em geografia urbana, exigem do poder público uma aplicação mais efetiva do conceito de cidade inteligente às comunidades mais vulnerabilizadas.

Horizonte da cidade
Legenda: Em uma cidade inteligente, é necessário o 'olhar para o cidadão como um todo'
Foto: Fabiane de Paula

Ele cita o exemplo do bairro Bom Jardim, um dos mais pobres do município. “Ao mesmo tempo, é um dos lugares onde tem maior mobilização social, com vários coletivos, com várias associações, têm universidades lá dentro fazendo pesquisa e gerando dados e informações, como o Mapa da Fome”, cita. 

Na região, há um sistema de cozinhas comunitárias organizado pelo Terceiro Setor. Alexandre aponta que a Prefeitura poderia promover ações para potencializar iniciativas como essa para que a população local possa “criar uma autonomia de resolver seus problemas com a ajuda do poder público e dessas tecnologias sem precisar a todo momento dizer (em campanhas independentes) que precisa de doações porque o projeto vai se findar, porque não tem como resolver a questão dos alimentos”.

“Esse é só um exemplo de como o poder público e a municipalidade poderiam potencializar essas situações em bairros que estão precisando de alguma coisa de inovação para resolver problemas antigos”. 
Alexandre Pereira
Geógrafo e integrante do Observatório de Metrópoles

O fomento é, inclusive, citado por Luiz Alberto Saboia como o segundo eixo no qual é primordial a atuação da gestão pública na busca por tornar a cidade inteligente. Enquanto no primeiro eixo - no qual administra diferentes dimensões do município -, o Poder Público é o principal executor, neste segundo a função é exatamente incentivar e fornecer ferramentas. 

"Este outro papel é de fomentar, organizar, promover e orientar junto com o setor privado e as organizações da sociedade civil", ressalta. O foco principal nesse caso, é "criar ambientes propícios à inovação" e que possam, quando desenvolvidos, passar a integrar, inclusive, as políticas públicas da cidade.

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