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Presença de Bolsonaro no Ceará evidencia racha do PTB no Estado

Integrantes do mesmo partido, Pedro Bezerra e Delegado Cavalcante integram grupos diferentes dentro da sigla

Escrito por Igor Cavalcante , igor.cavalcante@svm.com.br
Pedro Bezerra e Delegado Cavalcante
Legenda: Pedro Bezerra, ex-presidente do PTB Ceará, foi vaiado em evento com Bolsonaro, enquanto Delegado Cavalcante, atual presidente, foi aplaudido
Foto: Câmara dos Deputados/AL-CE

Sentados em lados opostos do palco, os correligionários Pedro Bezerra (PTB) e Delegado Cavalcante (PTB) prestigiaram a visita do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a Juazeiro do Norte, no Ceará, para a cerimônia de entrega de unidades habitacionais. A reação do público aos políticos cearenses, no entanto, foi diferente. O deputado federal Pedro Bezerra foi vaiado pela população. A hostilidade só cessou quando Bolsonaro anunciou, logo em seguida, o deputado estadual Delegado Cavalcante, que foi ovacionado pelos apoiadores do presidente. 

A reação contrastante, no berço político de Pedro, é mais uma evidência do racha que vive a legenda no Ceará, motivado justamente pelas relações nacionais do partido com o presidente da República.

"O que aconteceu ali foi que o presidente criticou o governador Camilo (durante a cerimônia). Como eu era o único deputado federal aliado ao governador presente na comitiva, as provocações caíram sobre mim"
Pedro Bezerra (PTB)
Deputado federal

Mais antigo partido do Brasil ainda em atividade, o PTB no Ceará é dividido em dois clãs: um mais antigo, aliado ao governador Camilo Santana (PT) e aos irmãos Cid e Ciro Gomes (PDT); e outro mais recente, aliado ao presidente Jair Bolsonaro.  

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Aliança forte

Pedro integra a primeira ala. A proximidade com o grupo governista cearense é tamanha que, nas últimas eleições, provocou um racha dentro do próprio PDT. 

À época, Cid anunciou apoio à reeleição de Arnon Bezerra, ex-prefeito de Juazeiro do Norte pelo PTB e pai do deputado federal. O apoio contradisse decisão do diretório municipal da sigla, que lançara o nome do empresário Gilmar Bender (PDT) na disputa. No fim, Arnon acabou derrotado por Glêdson Bezerra (Podemos), que recebeu apoio de Bender. 

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A derrota municipal ressoou também em uma perda de força de Pedro e Arnon dentro do PTB. Ainda no ano passado, o então prefeito de Juazeiro passou para seu filho o comando da sigla no Ceará. No entanto, desde o início deste ano, o deputado federal começou a ser ameaçado pelo presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, de ser destituído do comando estadual. 

O papel de Roberto Jefferson

Político experiente, o presidente do PTB foi um dos defensores do então presidente Fernando Collor de Mello (Pros) no processo de impeachment. Jefferson ganhou projeção nacional ao participar e denunciar o esquema do mensalão, no Governo Lula. Ele chegou a ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em 2005, teve o mandato de deputado federal cassado na Câmara. 

Desde 2018, o ex-deputado passou a se aproximar do presidente Jair Bolsonaro, levantando bandeiras também defendidas pelo chefe do Executivo nacional, como a liberação do porte e da posse de armas para a população, além de ideais anticomunistas, conservadores e nacionalistas. Jefferson constantemente ataca ministros do STF – ação que inclusive culminou na sua prisão, nesta sexta-feira (13).

Racha interno 

O desgaste entre o presidente nacional do PTB e Pedro Bezerra atingiu seu ápice quando o cearense deu voto favorável à manutenção da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). O parlamentar foi preso em flagrante, em fevereiro deste ano, por fazer apologia ao AI-5, instrumento de repressão mais duro da ditadura militar, e defender a destituição de ministros do STF, o que é inconstitucional.

“Esse é o mapa de votação dos deputados do PTB. Os deputados Pedro Lucas e Pedro Bezerra perderão, na segunda-feira próxima, a presidência do partido no Maranhão e no Ceará, respectivamente”, publicou Roberto Jefferson nas redes sociais em 19 de fevereiro deste ano. 

A destituição não ocorreu na semana seguinte, como prometeu o ex-deputado, mas um mês depois. No dia 24 de março, assumiu a presidência estadual do PTB Fellipe Cavalcante, filho do deputado Delegado Cavalcante, então no PSL. Em seu discurso, ressaltou que naquele momento estava “nascendo um novo PTB”. 

À época, em entrevista ao Diário do Nordeste, o deputado federal cearense disse que não foi comunicado sobre a mudança. “Fiquei sabendo pelas redes sociais", disse. 

Mudança de rumo no PTB

O novo comando do PTB indicava também um desembarque da base governista local. Para reforçar a mudança de tom no Estado, em junho deste ano, ocorreu uma nova mudança de gestão. Delegado Cavalcante foi empossado por Jefferson como presidente da sigla. 

Posse
Legenda: Delegado Cavalcante foi empossado neste ano como presidente do PTB-CE
Foto: Divulgação

Em seus discursos, os dois políticos destacaram valores constantemente repetidos pelo presidente Jair Bolsonaro. Jefferson reforçou a importância da luta para defender a família brasileira que, segundo ele, vem sendo destruída sorrateiramente pela esquerda.

“(Cavalcante) assume para agigantar o partido dentro de princípios, Deus, pátria, família, vida desde a concepção até sua extinção natural”, afirmou.

“O Brasil está mudando, mas podia estar mudando mais rápido. Nós estamos assumindo hoje a direção deste partido no Ceará para ter um local para a família, para os cristãos, onde um cidadão de bem se sinta à vontade com confiança que vá encontrar a verdade dentro da política”
Delegado Cavalcante
Deputado federal e presidente do PTB-CE

Enquanto a cerimônia de posse ocorria, Pedro Bezerra foi procurado pelo Diário do Nordeste. À época, ele novamente disse que não sabia da mudança. “Não tinha conhecimento. Não fui comunicado nem convidado”, repetiu.

Um presidente na cadeia

Nesta sexta-feira (13), o PTB passou por mais uma reviravolta. Enquanto Pedro Bezerra viajava com Bolsonaro ao Ceará, Roberto Jefferson era preso por agentes da Polícia Federal (PF), sob ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF, no inquérito que investiga milícias digitais. 

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Apesar dos embates com correligionários, o deputado federal cearense mantém interlocução com o presidente da República. Em fevereiro de 2020, quando Bolsonaro visitou pela primeira vez o Ceará como presidente para inaugurar trecho da transposição do Rio São Francisco, Pedro e Arnon foram recepcioná-lo no Aeroporto. 

Na semana passada, o cearense participou de um café da manhã com o chefe do Executivo nacional. Nesta sexta-feira, a viagem na comitiva seria mais um sinal dessa interlocução, mas acabou evidenciando a resistência ao nome do deputado por parte da base bolsonarista no Ceará. 

Hostilidade esperada

"Eu já imaginava (que seria criticado), mas é uma obra que leva o nome do meu avô e foi iniciada e concluída na administração do meu pai, eu não poderia deixar de ir. Sabia que teria uma tensão, mas não imaginava que seria tão hostilizado", disse Pedro.

Para ele, a turbulência por que passa o partido tem como principal culpado o próprio presidente da sigla, que enveredou pelo caminho do radicalismo. 

“Ele desconstruiu a identidade do Partido Trabalhista. Nunca fomos de direita, sempre buscamos o diálogo, nos mantendo no centro, mas o Roberto (Jefferson), por uma imposição pessoal dele, resolveu mudar tudo isso. Até as cores do partido mudaram para ficar da cor do Governo Bolsonaro”
Pedro Bezerra (PTB)
Deputado federal

O distanciamento entre as ideias do dirigente nacional com o correligionário local é tamanho que Pedro afirma que não vê a imagem afetada com a prisão do presidente da sigla que integra. 

Evento com Bolsonaro em Juazeiro do Norte explicitou diferença de recepção entre apoiadores
Legenda: Evento com Bolsonaro em Juazeiro do Norte explicitou diferença de recepção entre apoiadores
Foto: PR

“A mim não afeta. Ele já tinha falado nas redes sociais que não me queria no partido, me tirou da presidência, me ameaçou de expulsão, disse que me daria uma carta de anuência para sair sem perder o mandato, mas não fez nada disso. Eu o deixei à vontade porque ele se tornou uma pessoa aguerrida, então seria um conflito desnecessário”, disse. 

O cearense reafirma que está disposto a deixar a sigla durante a janela de mudança partidária. “Assim que tiver a oportunidade sairei, irei para outro partido”, garante Pedro. 

O deputado Delegado Cavalcante, presidente do PTB no Ceará, foi procurado, mas não respondeu à reportagem.

 
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