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Povos Indígenas: 'A gente quer deixar nossa marca na demarcação de terras', diz secretária no Ceará

Titular da Secretaria de Povos Indígenas do Governo do Estado, Juliana Alves, a Cacika Irê, faz balanço do primeiro ano de atuação da pasta

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
Juliana Alves, a Cacika Irê
Legenda: A secretária Juliana Alves, a Cacika Irê do povo Jenipapo-Kanindé, faz balanço do primeiro ano da Secretaria de Povos Indígenas
Foto: Divulgação/Governo do Ceará

No Brasil, os povos indígenas têm tido "os seus direitos violados", de diferentes formas, nestes "524 anos de existência", relembra Juliana Alves, a Cacika Irê do povo Jenipapo-Kanindé. Ela comanda a Secretaria de Povos Indígenas do Ceará desde a criação, em fevereiro de 2023, pelo Governo Elmano de Freitas (PT).  

Inédita na gestão estadual, a pasta foi criada para espelhar o Ministério dos Povos Indígenas pelo Governo Lula (PT). Agora, pouco mais de um ano depois da efetivação da Secretaria, Juliana Alves aponta a "marca" que ela, junto a "primeira equipe da Secretaria de Povos Indígenas", quer deixar: avanços significativos na demarcação de terra indígena no Ceará

"A gente quer avançar e deixar a nossa marca no que diz respeito à demarcação de terras indígenas do estado do Ceará, para que a gente possa realmente garantir o bem-viver dessa população. E a gente sabe que para que a gente garanta esse bem-viver, a gente precisa deixar que os nossos povos tenham seus territórios, sem nenhum mal, sem nenhuma especulação imobiliária. A gente quer ter essa garantia", ressalta.

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Um dos primeiros passos foi dado ainda em 2023. Em cooperação com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério dos Povos Indígenas, além do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), foi assinado termo de cooperação técnica para demarcação de quatro terras indígenas do Ceará

A gestão estadual assumiu a execução da demarcação física da terra, que é acompanhada por técnicos da Funai — órgão com competência para realizar este processo. Essa é a primeira vez que um governo estadual assume, financeiramente, esse processo. "Isso foi inédito. No Brasil inteiro, a gente tem a Secretaria dos Povos Indígenas do Ceará como a primeira secretaria que faz essa ação piloto dentro do Estado", comemora.  

Até agora, houve a demarcação do território do povo de Jenipapo-Kanindé, no município de Aquiraz, e do povo Tremembé, no distrito de Queimadas, em Acaraú. Ainda devem ser demarcadas as terras do povo Tapeba, em Caucaia, e do povo Pitaguary, nos municípios de Pacatuba e Maracanaú. Juliana Alves cita ainda medidas adotadas em cooperação com outras secretarias estaduais, como Saúde, Educação e Segurança, apesar de admitir que ainda existem desafios para garantir a efetivação de políticas públicas direcionadas aos povos indígenas no Ceará.

Neste dia 19 de abril, dia dos Povos Indígenas, ela faz um balanço ao Diário do Nordeste sobre este primeiro ano de atuação da Secretaria Estadual, quais os principais avanços e onde ainda é necessário avançar na temática. 

Confira a entrevista completa:

Completamos pouco mais de um ano da criação da Secretaria estadual voltada aos Povos Indígenas, criada de forma inédita no Ceará. Nesse tempo, quais as principais ações desenvolvidas pela secretaria?

Os avanços que a Secretaria teve desde a sua criação foram vários. Para a gente é de extrema importância contar com o Governo do Ceará, poder contar com o governo que é sensível, mas também contar com o governo federal, para as pautas dos povos indígenas do estado do Ceará e do Brasil. E esses avanços (no Ceará) são vários. 

(Como) o Acordo de Cooperação Técnica entre a Secretaria dos Povos Indígenas e a Secretaria de Segurança Pública do Estado (que prevê realização de formações para profissionais da segurança, além de construção de painel de monitoramento de crimes cometidos contra a população indígena); o avanço no que diz respeito à demarcação física de quatro territórios, através de um acordo de cooperação; tivemos também o avanço no que diz respeito à questão do concurso para professores indígenas (realizado em outubro de 2023).

Tivemos avanço dentro do programa AJA, Agente Jovem Ambiental, onde nós especificamos que (das vagas) de agente jovem que o Estado oferece — foi articulado juntamente com a Secretaria do Meio Ambiente — para que a gente pudesse ter 200 vagas para os jovens indígenas. Então, nesse ano, conseguimos ter esse edital do AJA Indígena. (...)

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A gente também assinou, juntamente com a Secretária de Cultura (Luísa Cela) e a Secretária de Igualdade Racial (Zelma Madeira), o acordo para que pudessem ter algumas ações no que diz respeito à questão indígena, (como) a questão das cotas dentro da Secretaria de Cultura (em dezembro, foi assinado decreto que regulamenta as ações afirmativas e reparatórias de direitos em âmbito do Regime Próprio de Fomento Cultural) . 

Tivemos avanço na criação do Conselho dos Povos Indígenas. Então a gente tem tido ao longo de um ano, praticamente um ano e um mês, grandes avanços no que diz respeito à pauta dos povos indígenas no estado do Ceará.

A Terra Tremembé da Barra do Mundaú, em Itapipoca, foi uma das seis terras indígenas demarcadas pelo presidente Lula ainda no ano passado. A demarcação é a principal pauta dos povos indígenas, mas é uma competência federal. De que forma a Secretaria tem atuado nesse tema? 

A Secretaria dos Povos Indígenas tem atuado de forma incisiva no que diz respeito à demarcação das terras indígenas no estado do Ceará. Claro, com o apoio, com o compromisso do nosso governador Elmano de Freitas. Sem esse apoio, sem esse compromisso, tampouco nós estaríamos conseguindo avançar nessa pauta que, para os povos indígenas, é de extrema importância. Na verdade, a luta dos povos indígenas permeia essa questão da demarcação dos territórios indígenas, da conquista do território. 

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Nisso, a gente avançou através de uma grande articulação feita pela Secretaria dos Povos Indígenas, com a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), com o Idace (Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará) e com o Ministério dos Povos Indígenas para que a gente pudesse ter esse avanço. Isso foi inédito. No Brasil inteiro a gente tem a Secretaria dos Povos Indígenas do Ceará como a primeira secretaria que faz essa ação piloto dentro do Estado. 

O nosso governador Elmano de Freitas aprovou um MAPP (Monitoramento de Ações e Projetos Prioritários) de mais de R$ 3 milhões para que a gente pudesse ter técnicos dentro dos territórios indígenas e, assim, avançarmos no que diz respeito à questão das terras indígenas demarcadas. (...) Nós tivemos a demarcação física concluída — foi concluída agora no último dia 9 de abril — no povo de Jenipapo-Kanindé, no município de Aquiraz. Nós já encerramos também a demarcação física do povo Tremembé, em Acaraú, (no distrito) de Queimadas. E a gente vai iniciar esse processo no povo Tapeba e no povo Pitaguary nos próximos dias. 

Então, a gente tem esse salto muito importante no que diz respeito à demarcação de terras indígenas no estado do Ceará. A gente sai de um estado que era um dos que menos se demarcava território (indígena) para o estado com esse grande avanço. E a gente quer fazer bem mais, de acordo com o anúncio do nosso governador Elmano de Freitas, no que diz respeito à demarcação de terras indígenas no estado do Ceará.

Cooperação com Funai
Legenda: Termo de cooperação para demarcação de terras indígenas no Ceará contou com a presença da ministra dos Povos Originários, Sônia Guajajara
Foto: Divulgação

Por que essa medida é inédita?

É inédito pelo fato do Governo do Estado ter assumido esse compromisso junto ao movimento indígena do Ceará. Primeiro, que o quesito de demarcação de terras indígenas é de competência federal, do órgão Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). Mas isso não deixou e não implicou que o Governo do Estado pudesse dar celeridade nesse processo através do Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará, que é o Idace.

Então, esse termo é inédito por essa situação, porque não se tem esse fato em outros estados brasileiros. Aqui no Ceará, a gente teve essa expertise de aprovar esse termo de cooperação técnica, e assim o Governo do Estado financiou, para pagamento de técnicos, um recurso, de mais de R$ 3 milhões,  para avançar no que diz respeito a demarcação de terras indígenas. 

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Mas é preciso deixar bem claro que a Funai fez parte do processo do início ao fim. Tanto a Funai coordenação regional como a Funai presidência esteve dentro do processo do início até o final. Até porque quem faz todo esse processo é a Funai.

Apesar da demarcação não ser uma pauta estadual, os povos indígenas têm outras necessidades que passam pelas competências estaduais. Como saúde, educação e moradia, além da segurança desses povos. Existem planos específicos para essas áreas em conjunto com a Secretaria dos Povos Indígenas?

Todas as pautas que dizem respeito aos povos indígenas (...) tem sido repassada e articulada com a Secretaria dos Povos Indígenas. E a gente tem avançado. (...) Por exemplo, na saúde… Por mais que a saúde indígena — a atenção primária — não seja uma saúde que tem sido colaborada com o Estado, mas através das nossas parcerias, com o Distrito Sanitário Especial Indígena, a gente tem feito várias agendas para que possa avançar.

Até porque o paciente indígena tem a atenção primária, que é uma atenção que é diretamente vinculada à Secretaria Nacional dos Povos Indígenas, através do Distrito Sanitário Especial Indígena e conveniadas. Mas quando os indígenas chegam na atenção secundária, na atenção terciária, eles precisam de toda a rede do Sistema Único de Saúde, tanto nas redes municipais como nas redes estaduais. A gente tem feito grandes articulações com a própria Sesa (Secretaria Estadual de Saúde), a doutora Tânia (Mara, secretária estadual de Saúde), para que a gente possa avançar no que diz respeito a exames, a consultas eletivas para esse público. E a Secretaria dos Povos Indígenas têm trabalhado com isso. 

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No que diz respeito à Educação, a gente tem articulado, junto à Secretaria de Educação do Estado do Ceará, a secretária Eliana Estrela e o secretário Helder (Nogueira, responsável pela secretaria-executiva de Equidade, Direitos Humanos, Educação Complementar e Protagonismo Estudantil), para que as pautas da educação avancem. Nós temos hoje 39 escolas indígenas que são da rede estadual. (...) Algumas dessas escolas ainda precisam de algum material, de algum profissional, e a gente tem aberto esse leque de negociação, de apoio com a Secretaria de Educação, para que a gente possa dar o que a gente tem de melhor para os nossos alunos, que é a educação. 

A gente sabe que a educação transforma e a gente sabe muito bem que, se a gente tem uma educação preparada, boa, para que aquele aluno possa ter o direito de escolha, tanto na questão da permanência cultural dele dentro do território, mas também aquele aluno que quer avançar (para) uma graduação, (para) ir para o mercado de trabalho. A gente tem dialogado muito com a secretaria Eliana Estrela, que tem aberto as portas da Secretaria de Educação para que a gente possa avançar. Então, a gente tem tido bons resultados. 

No que diz respeito à questão dos indígenas agricultores, a gente tem feito grandes tratativas também com a própria Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Ceará, o secretário Moisés Brás. Alguns projetos que a gente precisa articular para que os nossos agricultores também possam ter o direito ao plantio, direito à captação de recursos através dos projetos que o nosso governo do Estado oferece a esse público.

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A criação do Conselho Estadual dos Povos Indígenas foi aprovada em fevereiro deste ano. Como tem sido a interação entre o Conselho e a Secretaria e de que forma ter esse colegiado fortalece o avanço de pautas de povos indígenas no Ceará?

O Conselho Estadual dos Povos Indígenas teve sua aprovação agora recentemente em fevereiro, então nós ainda estamos passando pelos trâmites de organização para poder começar a efetivação direta desses conselheiros. Mas, para isso, a gente sabe que o Conselho dos Povos Indígenas vai ser uma ferramenta importantíssima, uma ferramenta de diálogo, de controle social. A gente não consegue fazer política pública se a gente não ouvir as pessoas, se a gente não ouvir a população que, diretamente, essa política vai, de uma certa forma, ajudar.

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A gente consegue entender que a chegada do Conselho… Os conselheiros terão vez e voz para construção de todas as políticas do governo do Estado dentro da Secretaria dos Povos Indígenas. Então, a gente sente que seremos parceiros nessa construção. Agora, o Movimento Indígena no Estado do Ceará terá uma ferramenta de controle social para avançar mais ainda nessa pauta (...) e a gente, consequentemente, avançará muito positivamente com as negociações futuras.

No Orçamento de 2024, primeiro elaborado pelo Governo Elmano, a Secretaria de Povos Indígenas tem uma previsão orçamentária de R$ 160 mil. Além disso, existem algumas ações voltadas aos povos indígenas em outras pastas, como Educação e Cultura. Como esse baixo orçamento influencia na efetividade da secretaria?

A gente está sempre em constante diálogo com o nosso governador, onde o mesmo tem feito falas muito positivas no que diz respeito aos seus secretariados, para que a gente possa trabalhar essa transversalidade. As outras secretarias, os outros secretários de Governo abrindo as suas secretarias para que a Secretaria dos Povos Indígenas possa avançar nas políticas públicas. 

É claro que a gente também precisa dizer que é uma secretaria recém-criada. Estamos com esse orçamento, mas isso não implica de futuramente o governador avançar nesse orçamento e a própria secretaria avançar em outras esferas, buscando recursos na esfera federal, buscando captar recursos através de projetos até na esfera internacional. 

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E, para isso, a gente tem feito grandes articulações. O nosso governador está em constante diálogo comigo, enquanto secretária dos Povos Indígenas, tem se colocado nessa posição de que a gente pode contar com o governo do Estado, que somos o governo do Estado em si e que essas políticas têm avançado muito positivamente.

Quais os principais desafios para conseguir efetivar essas políticas públicas estaduais para os povos indígenas?

Nós sabemos que, para construir qualquer política pública, os desafios acabam, burocraticamente, demorando dentro de um processo. Existe todo um processo para que a gente possa efetivar qualquer política que seja. E nós estamos falando de um público que, há mais de 524 anos de existência, tiveram os seus direitos violados. 

A gente sabe que, ao chegar dentro do governo do Estado do Ceará, a gente tem defendido com muita maestria essa pauta, essa política desses povos. Claro que, mesmo havendo os desafios, tanto no que diz respeito à burocracia em si, (quanto) aos processos em si, (...) nós estamos aqui para ajudar o governo do Estado do Ceará a avançar nessas políticas dignas para essa população, que são os povos indígenas do Ceará.

Juliana Alves
Legenda: Juliana Alves integra o secretariado do Governo Elmano de Freitas desde o início da gestão estadual
Foto: Divulgação

Qual a marca a senhora considera que é importante deixar nesses quatro primeiros anos de funcionamento da Secretaria Estadual?

Na verdade, eu não diria que eu vou deixar a minha marca. Eu diria que a gente vai deixar a marca da primeira equipe da Secretaria dos Povos Indígenas — que são técnicos que têm lidado com muita proeza, que têm lidado com muita assertiva no que diz respeito a essas políticas do Governo do Ceará.

E o que a gente sempre fala nas reuniões técnicas da equipe é que a gente quer avançar e deixar a nossa marca no que diz respeito à demarcação de terras indígenas do estado do Ceará, para que a gente possa realmente garantir o bem-viver dessa população. E a gente sabe que para que a gente garanta esse bem-viver, a gente precisa deixar que os nossos povo tenham seus territórios sem nenhum mal, sem nenhuma especulação imobiliária. A gente quer ter essa garantia. 

Quer ter essa garantia justamente para que essa geração e as gerações futuras dos povos indígenas possam dizer para eles mesmos: “tivemos uma equipe na Secretaria dos Povos Indígenas que fez por onde tudo isso acontecer”. Então, isso é o que a gente quer que aconteça durante esse processo, durante esses quatro anos de governo do governador Elmano de Freitas. Quando a gente apagar as luzes do nosso governo, a gente possa dizer: “conseguimos avançar no que diz respeito à demarcação de terras indígenas aqui no estado do Ceará”. 

Essa é a marca da equipe da primeira Secretaria dos Povos Indígenas. Eu garanto que também é a marca do nosso governador Elmano de Freitas por ser um governador atuante, por ser um governador sensível a essa causa e lutar em prol das minorias.

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