O que presidente, governador, deputados e senadores podem fazer pelos povos indígenas no Ceará
Apesar das principais demandas serem responsabilidade da instância federal, governador e deputados estaduais eleitos também podem contribuir com estas pautas
As demandas dos povos indígenas são, historicamente, responsabilidade da instância federal. A Constituição Federal estabelece que o ato de legislar sobre os direitos desta população cabe ao Congresso Nacional, assim como é possível ao presidente da República apresentar propostas nesse sentido.
Além disso, a principal reivindicação do indigenato é responsabilidade da União: a demarcação dos territórios indígenas. Um processo com diversas etapas - como identificação e delimitação; demarcação física; homologação; e registro das terras indígenas - e que tem avançado pouco nos últimos anos.
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Contudo, essa não é a única demanda apresentada por estes povos. Além da garantia da demarcação, é necessário a proteção dessas áreas, que continuam a ser alvo de conflitos territoriais. Também são reivindicadas a ampliação de políticas de saúde e educação voltadas a essa população e o fortalecimento das instituições indigenistas.
Em disputa em 2022, os cargos de presidente da República, deputados federais e senadores têm papel primordial não apenas para o avanço das pautas indígenas, como para impedir o retrocesso de direitos conquistados por estes povos.
Mas o fato dessa responsabilidade pesar mais para os candidatos eleitos na instância federal não significa que o Governo do Estado e a Assembleia Legislativa do Ceará também não têm um papel na defesa dos direitos das 15 etnias indígenas que vivem no Ceará.
O que é dever do presidente?
O documento final do Acampamento Terra Livre (ATL) 2022 - mobilização em Brasília que reuniu lideranças de mais de 200 povos indígenas de todo o País - apresentou uma série de reivindicações dessa população, voltadas principalmente ao governo federal e ao Congresso Nacional - instâncias que concentram maior responsabilidade quanto a demandas indigenistas.
Logo no primeiro eixo é ressaltada a reivindicação por direitos territoriais indígenas, focado na demarcação e na proteção dos territórios destes povos. O tema é central dentro da luta dessas populações em todo País.
"É por meio do território devidamente demarcado, e com a atuação do Estado fazendo a proteção, que viveríamos com mais segurança jurídica e, a partir destes territórios, fortaleceríamos outras pautas", explica o presidente da Comissão Especial de Defesa dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará, Jorge Tabajara.
Com isto, o ATL 2022 trouxe como reivindicação a garantia de "recursos suficientes para identificação, delimitação, declaração, demarcação imediata de todas as Terras Indígenas", ressalta documento da mobilização. Além disso, é demandada a "desintrusão" de territórios "invadidos por fazendeiros, grileiros, madeireiros, garimpeiros e outros invasores".
O respeito ao texto constitucional - que reconhece aos indígenas "sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam", conforme artigo 231 - e à convenções internacionais que tratam dos direitos desses povos também são preocupações.
"(A Constituição) Garante o nosso jeito de ser, o nosso direito a preservar e manter viva as nossas tradições culturais, nossos costumes, nossas crenças. Então, é um texto muito importante e que, infelizmente, o Estado brasileiro não tem cumprido a rigor", ressalta Jorge Tabajara.
Outras reivindicações dos povos indígenas e que podem ser implementadas pelo governo federal, por meio do presidente da República são:
- Fortalecimento da política especial de proteção e de não contato aos povos indígenas isolados;
- Reativação de dispositivos de participação e controle social, como o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI);
- Fortalecimento de instituições responsáveis pela implementação das políticas públicas voltadas aos povos indígenas, como FUNAI e Sesai
- Fortalecimento de políticas de proteção ambiental, inclusive em relação a instituições como ICMBio e Ibama
- Garantir assistência integral à saúde indígena e à educação indígena.
O que é dever de deputados federais e senadores?
A Constituição atribui que o ato de legislar sobre direitos indígenas é privativo cabe ao Congresso Nacional, portanto aos deputados federais e senadores. Apesar de não ser uma novidade - textos constitucionais anteriores já atribuíam essa prerrogativa ao legislativo federal -, em 1988, a tese assimilacionista foi substituída pelo reconhecimento à diversidade sociocultural e linguística desses povos, inclusive garantindo a proteção.
"Por isso, há diversas mobilizações nacionais de nós, povos indígenas, em frente ao Congresso Nacional, na pressão junto à Câmara dos Deputados e ao próprio Senado quando está em jogo a votação de projetos de leis, emendas à Constituição que de alguma forma nos afete"..
Um dos pontos de responsabilidade dos congressistas é a Lei Orçamentária Anual, na qual são estabelecidos os investimentos, inclusive, para as políticas públicas voltadas à comunidades indígenas e a órgãos que implementam políticas voltadas a esta população, como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).
Contudo, o documento final apresentado no Acampamento Terra Livre (ATL) 2022, coloca como prioridade "impedir o avanço de medidas legislativas que atentam contra os direitos territoriais indígenas".
Jorge Tabajara cita, por exemplo, proposições que tentam transferir a competência pela demarcação de terras indígenas para o Congresso Nacional. "O que seria para nós um imenso retrocesso", completa. "A nossa luta é que a Constituição seja mantida exatamente como está", mantendo a competência do chefe do Executivo federal".
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Entre as propostas de lei criticadas por lideranças indígenas está o PL 490/2007 - que estabelece que as terras indígenas serão demarcadas por meio de lei -, PL 191/2020 - que trata da mineração e aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas -, além da PDL 177/2021, que autoriza o presidente a denunciar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário.
"Aos deputados federais e senadores, nós entendemos como pauta prioritária arquivar, de forma definitiva, os projetos do pacote da destruição, que são uma série de medidas legislativas que tentam suprimir direitos constitucionais dos nossos povos", ressalta Jorge Tabajara.
O que pode ser feito pelo governador e por deputados estaduais?
Apesar do texto constitucional concentrar as responsabilidades de atender às demandas dos povos indígenas na instância federal, isso não significa que não haja espaço para atuação do Governo do Ceará e da Assembleia Legislativa.
O acesso a políticas públicas essenciais - como educação, saúde e segurança pública - é o primeiro ponto citado por Jorge Tabajara como fundamental na relação entre governador e a população indígena.
A educação escolar indígena, por exemplo, é um dos pontos que pode contar com a contribuição do Executivo estadual, tanto no financiamento de estruturas escolares, como na realização de concurso público para educadores indígenas, inclusive com a criação da categoria de professor indígena no sistema de ensino do Ceará.
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Entre as demandas das etnias que vivem no Estado está ainda a instituição de uma Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para Povos Indígenas e de um Conselho de Política Indigenista dentro da estrutura do Executivo estadual.
Entender as necessidades dos territórios e das populações que vivem nestas terras também é citado, inclusive em documento organizado por lideranças indígenas cearenses nas quais são citadas, por exemplo, implantação de redes elétricas nas comunidades indígenas, assim como ampliação de rede de abastecimento de água e saneamento como reinvidicações para o futuro governador.
Existem ainda demandas quanto a preservação ambiental e a implementação de políticas públicas em áreas como Desenvolvimento Agrário, Cultura e Esporte voltadas para as especificidades desta população. É ainda de responsabilidade do Governo do Estado o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, que inclui lideranças indígenas que estão em território com conflito territorial.
Jorge Tabajara ressalta ainda que é possível ao Governo do Ceará seguir exemplo de ação do Piauí, que aprovou legislação estadual para permitir a demarcação de terra do povo Kariri pelo Estado - apesar da responsabilidade pela demarcação ser do governo federal.
"O Governo do Estado pode ainda adotar uma política estadual de demarcação de terras indígenas, a exemplo dos povos indígenas do estado do Piauí que recentemente receberam o título de algumas propriedades doadas pelo Estado do do Piauí àquelas populações".
Quanto aos deputados estaduais, Jorge Tabajara afirma que pode ser que "percebam e façam notar a presença da existência indígena no nosso Estado". Ele cita que são 15 etnias vivendo no Ceará que reivindicam 20 territórios.
"Os deputados podem contribuir com o Executivo, por exemplo, na criação de leis que tratem sobre orçamento próprio para políticas voltadas para assistir a nossas populações. (...) Proposições legislativas que nos assistam e reconheçam diretamente a existência indígena em nosso Estado", indica.