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Piso de médicos e cirurgiões-dentistas: o que prevê e qual a situação da tramitação

Há dois projetos avançados no Congresso Nacional; impacto nos estados e municípios é impasse para aprovação

Escrito por
Ingrid Campos ingrid.campos@svm.com.br
(Atualizado às 14:45, em 20 de Junho de 2025)
A imagem mostra duas profissionais de saúde atendendo uma paciente em uma unidade de saúde pública.
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Após quase 65 anos, médicos e cirurgiões-dentistas podem ter remuneração unificada nacionalmente e a instituição de um piso nominal. O Congresso avançou na análise de dois projetos que fixam salários entre R$ 10.991,19 e R$ 13.662 para as categorias e aumentam o valor do adicional noturno e da hora extra para 50% da hora ordinária trabalhada.

A proposta mais antiga foi apresentada à Câmara Federal pelo ex-deputado paraibano Benjamin Maranhão, em 2015. A outra matéria começou a tramitar pelo Senado em 2022, com a redação de Daniella Ribeiro (PSD-PB).

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Os dois projetos foram transformados em substitutivos devido ao volume de apensos e de alterações à lei de 1961 que versa sobre o salário-mínimo dessas categorias e dos auxiliares de laboratório e de radiologia. Contudo, esses dois últimos grupos ficaram de fora das modificações discutidas no Legislativo. 

O texto em trâmite na Câmara foi aprovado na Comissão de Trabalho nessa quinta-feira (12), e ainda deve passar pelas comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça. A análise será em caráter conclusivo, ou seja, não precisará passar pelo Plenário antes de seguir para o Senado.

Já o substitutivo do Senado foi pautado duas vezes na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), mas a votação foi suspensa por pedidos de vista. Se a proposta for aprovada pela CAE, segue para deliberação terminativa na Comissão de Assuntos Sociais (CAS). 

Vai-vem no Senado

O substitutivo analisado na CAE tem relatoria do senador Nelsinho Trad (PSD-MS). O seu primeiro parecer englobava os auxiliares de laboratório e de radiologia e indicava um piso salarial de R$ 3.036 para a jornada de 20h semanais, calculado com base na referência já existente, de dois salários-mínimos. 

O documento foi apresentado em abril e pautado na comissão no fim de maio. Entretanto, a inclusão foi questionada pelo Governo Federal por não ter sido acompanhada de estimativa de impacto financeiro, como há para os outros casos.

A matéria entrou na agenda da comissão novamente na última terça-feira (10), mas o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), pediu vista. O motivo foi a ausência de estudo do impacto para estados e municípios, como existe para o Poder Executivo Federal. 

Ainda que o texto indique compensação por transferências do Fundo Nacional de Saúde (FNS), não se sabe se os repasses são suficientes para cobrir o aumento de despesas. Após vista, a análise deve ser retomada em 23 de julho.

Nós ainda não chegamos a uma apuração final, até porque nesse segundo relatório o senador retira algumas categorias que estavam incluídas e, portanto, impacta naquilo que vai ser o impacto orçamentário. Eu quero só me dirigir também aos médicos e dentistas aqui presentes, com todo o respeito, eu fui governador, é que a gente vive sempre o drama do cobertor curto. É meritório? É. Como é que está no orçamento? É o drama que a gente vive o tempo todo.
Jaques Wagner (PT-BA)
Líder do governo no Senado

Pelo volume de alterações previstas, o relator Nelsinho Trad decidiu revogar a lei original completamente e aproveitar apenas dois pontos no novo texto. Assim, intensificou a lacuna do projeto de Daniella Ribeiro sobre as demais categorias, que podem ficar sem arcabouço legal de remuneração. 

Piso atualizado para R$ 13 mil

No substitutivo de Trad mais recente, o “novo marco legal para os profissionais de saúde” mantém, da lei de 1961, o repouso de 10 minutos a cada 90 minutos trabalhados e a ocupação privativa dos cargos de chefia de serviços médicos e odontológicos, respectivamente, por médicos e cirurgiões dentistas devidamente habilitados.

De novidade, traz o piso salarial de R$ 13.662 para uma jornada de 20h semanais, o reajuste pelo IPCA e o adicional noturno ou extraordinário 50% superior à do trabalho diurno ordinário. O índice é superior ao previsto na CLT, de 20%.

O valor nominal também inédito para a categoria, já que, atualmente, a remuneração é calculada em múltiplos do salário mínimo. Essa aplicação foi consolidada após julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2022, que também não deu previsão para reajustes posteriores. "Assim, a cada ano que passa, o já diminuto piso salarial está sendo corroído em termos reais", apontou Trad em seu relatório. 

O projeto de lei apresentado pela senadora Daniella Ribeiro fixava o valor de R$ 10.991,19 para jornadas de 20h semanais e já trazia o acréscimo de 50% sobre as horas trabalhadas entre 22h e 5h do dia seguinte. 

Já na CAE, o senador Dr. Hiran (PP-RR) apresentou emenda para aumentar o piso para R$ 11,8 mil. Mas em função do próprio tempo de tramitação do texto, o valor ficou defasado. Por isso, o relator propôs R$ 13,6 mil, relativo a nove salários mínimos em vigor.

Caso aprovada, a medida valerá para os profissionais atuantes no setor privado e no setor público – seja com vínculo de emprego, sob o regime da CLT, ou estatutário. 

Veja o que muda no salário de médicos e cirurgiões-dentistas

A imagem mostra um infográfico de quadro comparativo com informações sobre o piso salarial das duas categorias.

Câmara dos Deputados

O projeto discutido na Câmara não está em caráter tão avançado como no Senado. Ao longo da tramitação, a relatoria decidiu adotar o piso sugerido pela senadora Daniella Ribeiro como base para as deliberações, uma vez que é o montante que está sendo usado pela União para os estudos de impacto financeiro.

Assim, mantém o valor de R$ 10.991,19 como ponto de partida, o adicional de 50% para jornadas noturnas e a vinculação à carga de 20h semanais. A diferença que existe entre as duas propostas é a forma de correção anual do salário. 

Enquanto a do Senado propõe um reajuste pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a da Câmara indica pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). 

Como os médicos e dentistas do Ceará são remunerados?

No último dia 15 de abril, o Sindicato dos Médicos do Ceará realizou Assembleia Geral Extraordinária (AGE) com a categoria e deliberou o reajuste nos valores a serem utilizados como referência para piso estadual, plantões e consultas.

Conforme estabelecido, a recomendação para o piso médico para uma jornada de trabalho de 20 horas é de R$ 12.394,55. O valor indicado para consulta é de R$ 137,37; já para plantões diurno (12 horas), o valor é de R$ 1.717,37. No caso de plantão noturno (12 horas), R$ 2.361,39. 

No caso dos profissionais de odontologia, também é observado esse descumprimento do piso. A base de cálculo é a própria lei de 1961, que formataria um salário-base de R$ 3.636 atualmente. O Conselho Regional de Odontologia do Ceará (CRO-CE) ajuizou ações na Justiça Federal em busca de corrigir valores previstos em alguns concursos públicos pelo Ceará e obteve sentenças favoráveis aos seus pleitos.

Segundo noticiou o conselho em maio, além de determinar a retificação de editais que contrariavam essa norma, a Justiça também proibiu novos certames que desrespeitem os parâmetros legais de carga horária e remuneração da categoria. A Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por exemplo, reforçou esse entendimento mesmo em contratações temporárias de excepcional interesse público feitas pelos municípios.

Impacto financeiro-orçamentário

Após pedido da CAE, o Ministério da Gestão fez o cálculo do impacto total na administração pública federal e deixou uma lacuna em relação aos estados e municípios. 

O piso em si causaria um impacto de R$ 9,21 bilhões em 2025, de R$ 8,14 bilhões em 2026 e de R$ 7,69 bilhões em 2027. Já a majoração do adicional noturno, levaria a um aumento de despesas em R$ 71,13 milhões, em 2025; R$ 74,69 milhões, em 2026; e, R$ 74,69 milhões, em 2027. 

Para os entes subnacionais, o projeto prevê compensação por transferências via FNS, mas não há cálculos, projeções ou mesmo parâmetros mínimos que mostrem a suficiência dos repasses para esse objetivo. A própria proposta deixou de apresentar medidas de compensação financeira, o que poderia conflitar com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Foi o que argumentou Jaques Wagner no pedido de vista.

"A ausência dessa estimativa impede a adequada avaliação do impacto para os entes federativos, podendo ensejar sérios riscos de descumprimento dos limites legais de despesa com pessoal. Cabe ressaltar que diversos municípios já enfrentam desequilíbrios fiscais, e a imposição de novos pisos salariais sem o devido respaldo orçamentário pode agravar ainda mais esse cenário", disse.

O relator Nelsinho Trad ainda não deu indicativos que como vai contornar essa pendência. 

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