Novo Código Civil permite proibir Airbnb e muda regras para usucapião e uso de imóvel para dívidas
Se o projeto for aprovado, essa será a segunda mudança no regramento em pouco mais de um século; a primeira foi em 2002
Previsto na Constituição Federal como direito, a moradia é parte fundamental dos brasileiros. O tema é impactado pelas mudanças sugeridas no novo Código Civil, projeto de lei de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). As novas regras abarcam os imóveis que são residências dos cidadãos, mas não são apenas eles que são impactados.
Baseado em anteprojeto proposto por uma comissão especial formada por juristas, a proposta quer modernizar a "constituição do cidadão comum" — conjunto de regras sobre a vida cotidiana das pessoas desde antes do nascimento até depois da morte.
Entre as alterações propostas — são mais de mil artigos incluídos com o projeto de lei — está a mudança nas regras para que seja possível reivindicar um imóvel por usucapião, tanto em regiões urbanas como nas rurais.
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O uso de imóveis para o pagamento de dívidas, com a impossibilidade de penhora caso o bem seja o único patrimônio do devedor, também é detalhado pelo novo Código Penal, que sana brechas anteriores a respeito das regras para imóveis de luxo.
O texto também trata das regras para que um condomínio residencial possa ter as hospedagens de curtíssima temporada, como os Airbnb, e sobre o funcionamento de empresas estrangeiras no Brasil.
O Diário do Nordeste elenca algumas das mudanças trazidas pelo novo Código Civil:
Usucapião
O texto do novo Código penal faz alterações sensíveis quanto aos critérios para que uma pessoa obtenha a propriedade de um imóvel por usucapião. A primeira delas é de que será possível obter a posse do imóvel diretamente no cartório, sem a necessidade de ação judicial.
“A proposta fomenta a extra judicialização como método de fortalecimento da regularização fundiária dos bens imóveis, disciplinando expressamente a possibilidade de usucapião realizada no cartório do registro de imóveis, sem intervenção do Poder Judiciário”, descreve a justificativa do projeto de lei.
A pessoa que ocupar um imóvel em área urbana de até 250 metros quadrados por um período de 5 anos, sem interrupção e sem oposição, poderia reivindicar a posse da propriedade. O espaço deve servir de moradia e o ocupante não poderá ser dono de outro imóvel.
Além disso, se uma mesma propriedade — independente da localização — for ocupada por 15 anos também de forma ininterrupta e sem oposição, a pessoa poderá reivindicar a posse da propriedade por usucapião.
O prazo diminui para 10 anos se o imóvel for "a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo". A propriedade por usucapião também independe de "título e boa-fé", define a proposta.
Rural
A regra para usucapião em casos de áreas rurais é semelhante à aplicada em imóveis urbanos. Para reivindicar a propriedade de uma terra por usucapião nestas regiões, é preciso não ser dono de nenhum imóvel ou terreno, seja rural ou urbano, além de ser necessário ocupar por cinco anos ininterruptos, sem oposição.
O ocupante precisa tornar a terra produtiva, seja por trabalho ou moradia e existe um limite de tamanho: até 50 hectares.
A principal diferença está no fato de que cada área em terra de zona rural só poderá ser reivindicada uma vez. Hoje, não há limite para esse reconhecimento. A proposta é vista como uma forma de combate a grilagem, quando existe a apropriação de terras a partir da falsificação de documentação.
Proibição de Airbnb
O novo Código Civil estabelece uma nova regra para o uso de imóveis para hospedagem temporária por meio de plataformas como o Airbnb. Nessa modalidade, viajantes reservam o espaço por poucos dias, assemelhando-se ao serviço de um hotel ou pousada, mas com as características próprias de uma residência.
No texto, essa hospedagem é definida como "atípica" e é proibida em condomínios residenciais, a menos que haja uma autorização expressa na convenção do condominial ou por deliberação na assembleia.
A questão tem sido um problema recorrente em condomínios residenciais pelo País, com moradores reclamando do aumento do fluxo de pessoas desconhecidas pelos espaços, o que pode comprometer a segurança desses locais.
A mudança proposta pelo novo Código Civil acompanha entendimento do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sobre a questão, e que já vinha sendo aplicado por outros tribunais, mas ainda não estava previsto na legislação.
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Posse de imóvel após separação
A propriedade de imóvel dividido com ex-cônjuge também tem mudanças no projeto de lei. Especificamente, os espaços em que apenas um dos donos continua a morar após a separação. Ou seja, que houve "abandono do lar" por uma das partes do ex-casal.
Para ter a propriedade integral, é preciso morar por dois anos no imóvel de modo ininterrupto e sem oposição do antigo parceiro ou parceira. Isso será válido apenas se o proprietário que continuou no local não tiver nenhum outro imóvel, seja urbano ou rural.
O texto estabelece ainda algumas outras regras para esse caso. Por exemplo, a mesma pessoa não poderá usar esse dispositivo mais de uma vez.
A regra também é válida em caso de "situação fática" de separação, mesmo que ainda não tenha havido divórcio ou dissolução da união estável.
Sede no Brasil
O novo Código Civil traz ainda uma novidade para a atuação de empresas estrangeiras em solo brasileiro. Caso seja aprovado, passa a ser obrigatório que esse empreendimento tenha uma sede no Brasil. Hoje, não existe essa obrigação.
Para atuar no Brasil, é preciso apenas que a empresa tenha um representante no país, para garantir que a empresa possa ser citada e processada pela Justiça brasileira.
Com a proposta, "qualquer que seja a atividade desenvolvida pela empresa estrangeira, esta terá sede em território nacional e representação por pessoa natural domiciliada no Brasil", estabelece o texto.
"Não bastando sua atuação por meios de comunicação social analógica ou digital, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço", completa o trecho.
Uso de imóvel para dívidas
O novo Código Civil estabelece uma série de bens que não podem ser penhorados, ou seja, não podem ser usados para pagamento de dívidas — na proposta, eles são chamados de "patrimônio mínimo existencial". Para se encaixar nessa categoria, é necessário que determinado imóvel seja o único patrimônio do devedor.
São considerados impenhoráveis:
- A casa da morada, onde o devedor e/ou a sua família habita;
- o módulo rural, onde o devedor vive e produz; e
- a sede da pequena empresa familiar, se for o único local de morada da família e do devedor.
A proposta também define como é a regra para imóveis de alto padrão em casos de dívidas. Atualmente, apesar da Lei nº 8.009/90 versar sobre a impossibilidade de penhora do único imóvel de uma família, há uma brecha quando se trata de bens de luxo, mas que representam o único patrimônio do devedor.
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Sem uma regra definida, diferentes entendimentos foram tomados pelas diversas instâncias da Justiça brasileira. No projeto de lei em tramitação no Senado, no entanto, isso é estabelecido.
"A casa de morada de alto padrão pode vir a ser excutida (executada) pelo credor até a metade de seu valor, remanescendo a impenhorabilidade sobre a outra metade, considerado o valor do preço de mercado do bem, a favor do devedor executado e de sua família", diz o texto.
Vale salientar que as regras se aplicam a todas as dívidas, menos aquelas por pensão alimentícia.
Novo Código Civil
No Senado, o projeto de lei que modifica o Código Civil ainda aguarda despacho do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-PA) para ser encaminhado para as comissões e, assim, ser analisado pelos senadores.
Caso aprovado, o texto segue para a Câmara dos Deputados e, em caso de aceitação dos deputados federais, irá para a sanção do presidente Lula (PT).
A proposta altera mais de mil artigos do atual Código Civil. Essa será apenas a segunda modificação feita no regramento. A primeira versão, de 1916, foi alterada pela primeira vez quase 100 anos depois, em 2002 — texto que segue em vigor.