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Michele, Janja e Giselle: qual o papel das esposas de presidenciáveis na busca por votos em 2022

O fato de mulheres serem maioria do eleitorado brasileiro e a demanda crescente por participação feminina na política são pontos fundamentais para entender crescimento no protagonismo

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
Michelle, Giselle e Janja
Legenda: Esposas de candidatos a presidente da República tem tido mais destaque na campanha presidencial

Na convenção que confirmou a candidatura à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), a primeira-dama Michelle Bolsonaro discursou durante pouco mais de 12 minutos. A fala foi direcionada, principalmente, para tentar aproximar Bolsonaro do eleitorado feminino – parcela que mais rejeita o nome do presidente nas pesquisas de intenção de voto. 

“Falam que ele não gosta de mulheres. E ele foi o presidente da história que mais sancionou leis para mulheres, para a proteção das mulheres. Setenta leis de proteção para as mulheres. (...) A diferença é que ele faz, a diferença é que ele não quer se promover", disse. Em outras ocasiões, ela já havia ressaltado ações do Governo Bolsonaro voltada às mulheres, como em pronunciamento oficial no Dia das Mães. 

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Contudo, ela não é a única 'candidata' à primeira-dama a ganhar destaque durante a pré-campanha presidencial em 2022. Esposa do ex-presidente Lula (PT), Rosângela da Silva, mais conhecida como Janja, foi a única – com exceção de Lula e do candidato a vice, Geraldo Alckmin (PSB) – a falar durante o lançamento da chapa, ainda em maio. A socióloga também tem sido presença constante nos atos de campanha do marido pelo País. 

Terceiro colocado na corrida presidencial, Ciro Gomes (PDT) tem sido acompanhado por todo País pela esposa, a produtora cultural Giselle Bezerra. Durante o discurso dele na convenção que homologou a candidatura à presidência, Giselle era a única ao lado do cearense no palco – outras lideranças se concentraram na parte de trás do palanque. Pelas redes sociais, Ciro chegou a ressaltar que Giselle tem "papel central em tudo". 

A presença das companheiras de candidatos a presidente na campanha eleitoral não é novidade, mas conta, em 2022, com dois elementos que contribuem para o aumento desse protagonismo, apontam cientistas políticos entrevistadas pelo Diário do Nordeste.

Além das mulheres representarem a maior fatia do eleitorado brasileiro, existe uma demanda cada vez mais crescente por maior participação feminina na política – o que não é contemplado em chapas presidenciais ainda majoritariamente (ou completamente) masculinas. 

Rejeição do eleitorado feminino

Entre os candidatos melhor colocados na pesquisa de intenção de voto, Bolsonaro é o que enfrenta maior rejeição entre as mulheres. A pesquisa Ipespe, divulgada nessa segunda-feira (25), apenas 30% declararam voto ao atual presidente. Principal adversário do mandatário, o ex-presidente Lula tem a preferência de 48% das entrevistadas. 

Professora de Ciência Política na Universidade de Brasília, Flávia Biroli afirma que essa rejeição parece ter um fator vinculado especificamente ao gênero, já que ocorre mesmo em mulheres com características – como classe social e idade – diferentes. "É uma candidatura que mulheres não veem como alguém com quem compartilham valores. É lido, pelas mulheres, como alguém que deve ser rejeitado por elas", explica. 

Professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará, Monalisa Torres aponta que a esposa de Bolsonaro, Michelle, viria como forma de "suavizar" a imagem do marido, acenando para esse eleitorado feminino. "Ela representaria a suavidade, a delicadeza, a doçura, o aceno, o cuidado com os mais vulneráveis. (...) A mulher ocuparia esse lugar de suavizar a imagem do homem", afirma.

"É uma disputa discursiva para tentar fazer a candidatura dele ser vista como candidatura de interesse das mulheres", completa Biroli.
Flávia Biroli
Professora de Ciências Políticas da UNB

Mediação com as mulheres

Durante o discurso de Michelle Bolsonaro, na convenção desse domingo (24), ela citou uma caracterização do marido como alguém "que não gosta de mulheres" ao mesmo tempo em que contrapôs com a enumeração de 70 projetos que teriam sido sancionados pelo presidente voltados ao público feminino. 

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A fala também contou com a ênfase na "missão" que Bolsonaro estaria cumprindo à frente da presidência e o propósito de "libertação" de uma eventual reeleição. Ela também fez diversas referências religiosas: "as palavras do Senhor vão se cumprir sobre essa terra", disse já perto de encerrar o discurso. 

Biroli aponta que apesar desse papel de "mediação com as mulheres", a própria linha que orientou o discurso de Michelle Bolsonaro pode servir ao propósito oposto. 

"É difícil que alguém que não esteja dentro do eleitorado (mais fiel a Bolsonaro) se identifique. Ela reafirma os termos de uma candidatura de extrema direita: a relação da nação, uma identificação moral que se apresenta como uma missão e que portanto não cabe oposição, não cabe disputa", relata a cientista política. 

Contudo, ela explica que mesmo entre os eleitores que estariam mais propensos a votar em Bolsonaro – como o eleitorado evangélico –, as mulheres ainda declaram menos votos no presidente. "Essa tentativa de mediação está apelando para essas mulheres que já estariam mais próximas desse eleitorado (bolsonarista)", pondera.

Reafirmação da identidade dos candidatos

Carla Michele Quaresma afirma que existe ainda uma influência não apenas do perfil de Michelle – e de outras esposas de candidatos – como na relação com a candidatura. "Michelle adota uma postura mais reservada, mais contida. A imagem passa por essa mulher que é o pilar da família, que está ali por causa da família", detalha. 

Um perfil que contrasta com o de Janja – que também tem acompanhado, cada vez mais, os atos do marido e candidato a presidente, Lula. "Ela tem uma coisa mais popular. Sempre se dirigindo às pessoas, acenando. Um apelo mais popular, que é o que o ex-presidente Lula também tenta passar, dessa relação mais próxima com o eleitorado", cita Quaresma.

Filiada ao PT desde a década de 1980, Janja iniciou o relacionamento com Lula em 2017 e o casamento, realizado em junho deste ano, acabou sendo, por si só, um evento político importante dentro da pré-campanha presidencial.

Ela tem estado presente em muitas das reuniões de estratégia da campanha do petista, além de ser presença constante no palanque de Lula em diferentes cidades. Também foi ela que apresentou, como um "presente de casamento", o vídeo de campanha com a nova versão de "Lula Lá". A perspectiva de aliados é que a presença de Janja se fortaleça com o início da campanha, no próximo dia 16 de agosto. 

Compensação pela ausência na candidatura

Quaresma reforça que esse destaque – não só de Janja, como de Michelle Bolsonaro e de Giselle Bezerra – tem como uma das principais metas "atrair um público feminino para essa candidatura que não tem mulheres na formação de chapa". 

Ciro Gomes é o único entre os três candidatos que ainda não anunciou vice. O cearense manifestou, inclusive, interesse de que o posto seja ocupado por uma mulher. Já as chapas encabeçadas por Lula e Bolsonaro têm como candidatos a vice também homens – Geraldo Alckmin e Braga Neto, respectivamente. 

"Como não tem mulher na chapa, para inserir o público feminino, é dado esse espaço (para as esposas dos candidatos)", afirma Carla Michelle Quaresma. "Elas não têm essa participação oficial, porque não elas não estão se candidatando, mas a primeira-dama é simbólica e agrega valor a essa campanha", ressalta. 

Para Biroli, no entanto, a ausência de mulheres na chapa presidencial encabeçada pelo PT "é diferente", já que o partido abarca pautas que possuem maior relação com as mulheres. "Então, me parece que não é necessário esse papel da primeira-dama. Essa conexão se faz de outras formas", pontua. 

Ela acrescenta que existe uma "ideia de recomeço" na forma como, tanto Lula como a campanha do ex-presidente, tem abordado o relacionamento entre os dois. "Lula tem trazido o relacionamento com ela como uma forma de mostrar energia, mostrar que está bem, mostrar uma juventude de espírito", completa. 

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Presença constante

Esposa de Ciro Gomes, Giselle Bezerra foi citada pelo presidenciável como tendo "papel central em tudo". "Não existe uma decisão que eu amadureça sem ouvir a opinião e ponderações lúcidas dela", ressaltou em publicação no Twitter no último dia 6 de julho. 

A produtora cultural tem estado presente nos atos de campanha do cearense, tendo inclusive lugar de destaque na convenção de Ciro, no dia 20 de julho – apesar de não ter discursado. Ela apresenta ainda, junto ao marido, o "Cirão Games", canal no Youtube direcionado, principalmente, para eleitores jovens. 

Monalisa Torres aponta que Ciro é uma figura apontada por oposicionistas como "o coronel, o virulento, o grosso, que fala demais". Ela afirma que, com isso, esse "ar de agressividade" muitas vezes existente nessas campanhas "precisa ser atenuado em alguns momentos e esse lugar é ocupado pela mulher". 

"Se observar, por exemplo, em algumas peças publicitárias do Ciro, ele está ali do lado da Gisele e a Gisele encarna esse símbolo de um Ciro diferente. De um Ciro que não é linguarudo, de um Ciro que não é violento, de um Ciro que não é agressivo. Mas um Ciro apaixonado, um Ciro humano. Então, as mulheres seriam o elemento de humanidade dentro das campanhas masculinas", ressalta.

Sub-representação feminina na política 

A mulher enquanto a "suavização" de campanhas masculinas não é um fenômeno recente, acrescenta Torres. Representado, principalmente, por essa figura da primeira-dama. "Mas eu não acho que essa utilização da mulher para complementar a imagem do homem agregue à questão da representação feminina", critica. 

Ela afirma que, pelo contrário, isso acaba por reforçar estereótipos, como, por exemplo, o de que à mulher caberia ocupar espaços ligados "ao cuidado". 

"O papel que a mulher ocupa (acaba sendo o de) alguém que estaria ali para suavizar, para acenar para o público feminino e para dar esse ar de acessibilidade, de caridade, enfim, de amenidade e para humanizar a própria figura do homem. Só reforça o estereótipo de que a mulher tem que ser assim e que o lugar que cabe a ela é do cuidado".
Monalisa Torres
Professora de Teoria Política na Uece

Flávia Biroli ressalta ainda que "uma mulher como primeira-dama não substitui a presença das mulheres como políticas" e ressalta que o Brasil ainda enfrenta um "problema de sub-representação feminina muito grave", inclusive em comparação com outros países da América Latina. 

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A ausência de mulheres em espaços de poder – ou a presença minoritária destas – ocorre não apenas no próprio Executivo como no Legislativo. 

Uma situação que o protagonismo das companheiras dos candidatos a presidente não pode mudar, inclusive porque "uma das razões (para isso) é porque esses homens são parte de uma política ainda muito masculina e estão tentando compensar ressaltando a figura da primeira-dama".

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