Entenda quais irregularidades foram encontradas pelo relator das contas de 2021 do Governo Sarto no TCE-CE
O ex-prefeito disse que sempre prezou "pela transparência, legalidade e bem-estar da população"

Com atraso de três anos, o Tribunal de Contas do Ceará (TCE) iniciou o julgamento das contas do primeiro ano da gestão do ex-prefeito José Sarto (PDT) em Fortaleza. No parecer do relator, publicado na última sexta-feira (21), o conselheiro Edilberto Pontes indicou pela desaprovação dos números apontando irregularidades no processo de abertura de créditos adicionais e no repasse da contribuição previdenciária. A análise seguiu a mesma tendência do parecer do Ministério Público de Contas (MPC), que também recomendou a desaprovação.
Diante da conclusão da relatoria, o pedetista disse que, durante os quatro anos em que foi prefeito, prezou "pela transparência, legalidade e bem-estar da população". "Por isso, estou tranquilo em relação a qualquer questionamento sobre minha gestão. É importante lembrar que esse julgamento está apenas começando e que os pontos levantados são extremamente técnicos", pontuou em nota. Ele disse ainda que vai aguardar a conclusão da análise para fazer "qualquer declaração mais assertiva sobre o tema".
O PontoPoder explica quais as irregularidades apontadas pelo tribunal de contas e os próximos passos do processo.
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Execução de programas de governo
Em um dos trechos iniciais do voto, o relator avaliou as movimentações orçamentárias de cada programa de governo registrado no Município considerando as áreas temáticas: atividades de apoio administrativo, equidade territorial e social, acessibilidade urbana, cultura, meio ambiente, governança e desenvolvimento econômico.
Ao todo, foram 91 programas analisados pelo TCE, que identificou 37 com execução baixa ou nula. "Sendo que 20 deles tiveram execução orçamentária da despesa empenhada igual a 0% do valor previsto na Lei Orçamentária Anual", sendo o relator. Em sua defesa, Sarto alegou que o orçamento público no Brasil é autorizativo. Apontou ainda que, a partir de 2023, o sistema de Orçamento e Planejamento da Prefeitura passou a exigir a inclusão de programas e ações com histórico de baixa execução. O pedetista também atribuiu os resultados abaixo do previsto à pandemia da Covid-19.
Em sua análise, o relator reforçou o parecer de que os argumentos do ex-prefeito são improcedentes, já que a quantidade de programas com execução baixa ou nula é até maior que a registrada no ano anterior. "É certo que haverá situações nas quais o ajuste se fará necessário, mas tais ocorrências devem ser pontuais e excepcionais – o que, considerando o alto percentual de execução baixa ou nula, não me parece ser o caso", escreveu o conselheiro do TCE-CE.
Crédito adicional
A análise do TCE apontou ainda que, no exercício de 2021, a Prefeitura abriu o montante de R$ 702,8 milhões em créditos adicionais utilizando-se de recursos resultantes de excesso de arrecadação. Pela legislação, isso é vedado "sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes".
Os créditos adicionais suplementares visam reforçar a dotação orçamentária existente na Lei Orçamentária Anual (LOA) e são abertos por meio de decreto do Poder Executivo. A Prefeitura deveria ter apresentado o cálculo do provável excesso de arrecadação, "o que não foi feito", segundo o relator.
Em resposta, Sarto informou que houve uma "atecnia", pois o decreto municipal teria sido publicado sem o anexo do cálculo do excesso de arrecadação. O ex-prefeito também não incluiu o suposto anexo com o cálculo nos esclarecimentos enviados ao Tribunal.
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Como a abertura de créditos adicionais ocorre apenas quando há excesso de arrecadação, a Diretoria de Contas do Governo do TCE passou a analisar a receita municipal à época e “verificou a insuficiência de saldo de excesso de arrecadação no momento da abertura de créditos e ao final do exercício”.
Em novo esclarecimento, Sarto argumentou que o excesso de arrecadação pode ser calculado com base na tendência para o exercício daquele ano. Ele informou ainda que, “apesar de não ter existido todo o excesso de arrecadação previsto para o exercício de 2021, o Município somente executou despesas dentro da disponibilidade financeira”. O ex-prefeito ainda reforçou que os cálculos deveriam incluir as receitas de impostos da Educação, da Saúde e de recursos ordinários do Tesouro Municipal.
Contudo, a Diretoria do TCE e o relator do processo reiteraram a conclusão de que a gestão não tinha saldo suficiente para a abertura do crédito adicional.
Edilberto Pontes apontou que a diferença entre a receita prevista para a Prefeitura em 2021 e a receita realizada foi de R$ 86,1 milhões. “Montante este insuficiente para respaldar os créditos adicionais abertos na fonte correspondente, no valor de R$ 702,8 milhões”, escreveu.
"A utilização de excesso de arrecadação não concretizado como fonte de recursos para a abertura de créditos adicionais infringe o art. 43 da Lei nº 4.320/6416 e é grave o bastante para ensejar a desaprovação das presentes contas de governo"
Contas previdenciárias
O voto do conselheiro destacou ainda que o repasse de contribuição previdenciária do Governo Sarto ao INSS não foi feito de forma integral. Segundo o relatório, as consignações totalizavam R$ 116,9 milhões, mas só foram repassados R$ 112,3 milhões, o que equivale a uma diferença de quase R$ 4,6 milhões.
Ao Tribunal, Sarto informou que o valor repassado somou, na verdade, R$ 114,8 milhões, deixando de saldo para o exercício seguinte cerca de R$ 2 milhões. “A Prefeitura Municipal de Fortaleza efetuou os repasses previdenciários e atendeu aos prazos estipulados para o pagamento de INSS”, disse o ex-prefeito.
A Diretoria de Contas do TCE-CE reforçou que os valores informados pelo prefeito foram extraídos do balancete da despesa extra orçamentária, enquanto a entidade baseou as informações no Sistema de Informações Municipais.
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De acordo com o relator, os erros na prestação de contas violam a legislação vigente e comprometem "a integridade da gestão pública".
“Tal prática configura crime de apropriação indébita previdenciária, caracterizando o desvio de valores que deveriam ser destinados ao Instituto Nacional do Seguro Social para garantir os direitos previdenciários dos servidores. Além disso, deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes pode gerar prejuízos à saúde financeira do município, resultando na aplicação de multas e na incidência de juros”, escreveu Edilberto Pontes.
Votação e próximos passos
O voto do relator ganhou apoio da conselheira Soraia Victor. Onélia Leite declarou suspeição. Patrícia Saboya solicitou vista no processo, o que dá a ela mais tempo para analisar as contas. Além dela, o conselheiro Valdomiro Távora ainda irá votar. Caso haja empate, o presidente do TCE-CE, Rholden Queiroz, também irá se posicionar.
Além de defender a desaprovação das contas, o relator orientou que, ao final, o resultado da análise seja encaminhado para a Câmara Municipal de Fortaleza, responsável por julgar as contas do governo. Ele ainda recomendou à Prefeitura a correção de todas as irregularidades encontradas nas contas municipais em 2021.
O que diz o ex-prefeito José Sarto
Ao PontoPoder, Sarto reforçou que sempre prezou “pela transparência, legalidade e bem-estar da população”.
“Por isso, estou tranquilo em relação a qualquer questionamento sobre minha gestão. É importante lembrar que esse julgamento está apenas começando e que os pontos levantados são extremamente técnicos. Portanto, vamos aguardar a conclusão da análise pelo tribunal antes de fazermos qualquer declaração mais assertiva sobre o tema”, disse.
Análises atrasadas de contas
Os votos do relator e da conselheira Soraia Victor são os primeiros sobre os quatro anos da gestão Sarto. O pedetista encerrou o mandato sem que nenhuma de suas contas fosse apreciada pelo TCE-CE.
De acordo com a Lei Orgânica do Tribunal, todo o trâmite até o plenário deve ser finalizado em até 12 meses após a chegada das contas à Corte. O prefeito tem até 31 de janeiro do exercício seguinte para enviar as contas à Câmara Municipal, que deve remetê-las à Corte até 10 de abril.
Esse prazo pode ser prolongado quando:
- For determinada a suspensão da instrução ou do julgamento do processo;
- Houver decisão judicial que impeça o prosseguimento da instrução ou do julgamento;
- Houver parcelamento do pagamento do débito apurado ou da multa aplicada, até o seu recolhimento integral;
- Outras situações que justifiquem a suspensão do prazo, mas não detalhadas na Lei Orgânica e no Regimento Interno.
A prestação de contas de 2022 e de 2023 estão sob relatoria dos conselheiros Patrícia Saboya e Ernesto Saboia, respectivamente. Os dois balanços são analisados pela Diretoria de Contas de Governo do TCE-CE. As contas de 2024 ainda devem começar a tramitar no Tribunal.
Essa demora na análise das contas não é inédita. Em entrevista ao PontoPoder, em fevereiro deste ano, o próprio presidente da instituição, o conselheiro Rholden Queiroz, defendeu uma mudança no rito de tramitação das contas de prefeituras cearenses de grande porte, como o caso de Fortaleza, para acelerar essa fase do julgamento.
“Temos trabalhado muito para que ocorra de forma quase concomitante, ou seja, no ano seguinte já julgarmos. É uma meta e estamos quase chegando nesse resultado. Agora, por que atrasa a de Fortaleza? Porque é muito complexa, é um município de grande porte, é quase um governo (estadual). A ideia, a partir disso, é tratarmos Fortaleza e outros municípios maiores como o Governo, em que fazemos uma sessão solene para apreciar o parecer prévio das contas do Estado. É a ideia, mas ainda vou submeter aos meus colegas”, disse.
Segundo o presidente do TCE, principalmente em Fortaleza, como são finanças mais complexas, todas as análises tornam-se mais demoradas. “Quando um conselheiro ou o Ministério Público pedem vista, são questões complexas e acaba acontecendo o que aconteceu, que foi Fortaleza não ter contas julgadas”, disse.
Rholden defendeu que, com uma sessão solene exclusiva para apreciar as contas da Capital, por exemplo, o trâmite ganhará celeridade.
“No caso dessas contas, o TCE emite o parecer prévio, mas quem julga é o Legislativo. É diferente de contas de gestores, de ordenadores de despesa, que são julgadas pelo Tribunal. Essas contas de governo têm uma análise mais macro, de cumprimento de metas fiscais e endividamento”, disse.