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‘Farpas', dívidas e divergências: relatórios de Sarto e Evandro têm diagnósticos diferentes da Prefeitura de Fortaleza

Equipe de Sarto diz que entregou Prefeitura com "gestão fiscal equilibrada" e "recursos financeiros garantidos", já de Evandro alega "situação fiscal delicada", dívidas e compromissos "omitidos"

Escrito por
Igor Cavalcante igor.cavalcante@svm.com.br
Transição entre as gestões em Fortaleza foi turbulenta, com troca de acusações entre o ex-prefeito e o novo chefe do Executivo
Legenda: Transição entre as gestões em Fortaleza foi turbulenta, com troca de acusações entre o ex-prefeito e o novo chefe do Executivo
Foto: Divulgação/PMF

Os relatórios elaborados pelas equipes de transição do ex-prefeito José Sarto (PDT) e do atual prefeito Evandro Leitão (PT) sobre a situação da Prefeitura de Fortaleza revelam um cenário de embate entre as duas gestões. Os documentos, que deveriam assegurar uma mudança de governo “organizada e sem prejuízo ao funcionamento da máquina pública”, na prática, apenas expõem dados divergentes, trocas de “farpas” e acusações de má administração.

Os dois balanços já estão em posse do Tribunal de Contas do Ceará (TCE), que atuou na orientação e fiscalização das transições. Cada relatório foi elaborado de forma independente por sete aliados de Sarto e outros sete de Evandro. O grupo pedetista foi coordenado pelo ex-secretário de governo, Renato Lima, enquanto a equipe petista foi comandada pela vice-prefeita Gabriella Aguiar (PSD).

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Já na primeira sessão do relatório que produziu, a equipe de Evandro reclama que conseguiu obter “informações detalhadas sobre a situação administrativa, fiscal e operacional” da Prefeitura após a posse. “Dados essenciais foram entregues de forma fragmentada, desordenada, dificultando a análise objetiva e tempestiva. Alguns relatórios chegaram incompletos, enquanto outros sequer foram disponibilizados”, informa.

“Parte substancial dos dados apresentados neste relatório foi coletada já sob a nova gestão, por meio de esforços diretos das equipes recém-empossadas, que se dedicaram a compilar diagnósticos mais precisos e identificar lacunas deixadas pela administração anterior”, acrescentam os aliados de Evandro.

As críticas sobre a postura da gestão Sarto no período de transição não são exclusividade dos aliados do atual prefeito. O próprio Evandro Leitão fez reclamações públicas sobre o fluxo de dados em diversos momentos no fim do ano passado. 

"A relação é respeitosa, mas os dados não chegam às nossas mãos. (Querem) dizer que está havendo uma transição, quando na realidade não está, porque transição para mim é um momento onde se transmitem os dados dos mais diversos segmentos, não só do eixo da saúde, mas de toda a Prefeitura", disse em entrevista à imprensa no último dia 2 de dezembro.

Sarto e Evandro chegaram a se reunir no início da transição para evitar embates na sucessão
Legenda: Sarto e Evandro chegaram a se reunir no início da transição para evitar embates na sucessão
Foto: Divulgação/PMF

Divergências de informações

Sob argumento de que não receberam as informações solicitadas diretamente da gestão Sarto, a equipe de Evandro usa como principal fonte de dados o Portal da Transparência da Prefeitura de Fortaleza. Contudo, há divergências significativas entre as informações coletadas na plataforma e aquelas publicadas no relatório feito pelos aliados do ex-prefeito.

Um dos primeiros desencontros envolve a própria estrutura administrativa. Aliados do ex-prefeito dizem que o Município tem 37 órgãos ou entidades, além de 5 coordenadorias especiais. No entanto, no organograma obtido pela equipe do atual prefeito, nem todos esses órgãos são mencionados. As coordenadorias de Programas Integrados (Copifor), de Articulação Política (Coearp) e de Primeira Infância (Cespi), por exemplo, não aparecem.

Força de trabalho

Outro ponto de divergência está no mapeamento da força de trabalho que dispõe a Prefeitura. A equipe de Evando, com base em dados do Portal da Transparência, aponta que Fortaleza tem 44.174 pessoas na folha de pagamento, além de 15.025 terceirizados, totalizando 59.199 pessoas.

Nesse trecho, o relatório da atual gestão ainda faz alerta sobre o aumento de gastos com terceirizados, que saltou de R$ 533 milhões, em 2021, para R$ 656,3 milhões, entre janeiro e novembro do ano passado.

Já a equipe de Sarto contabiliza 54.917 colaboradores, sendo 17.744 servidores inativos e 37.173 ativos, além de 15.098 terceirizados. Os gastos com terceirização, segundo a gestão do ex-prefeito, totalizam R$ 88,6 milhões por mês.

Recursos

Ao tratar sobre o Orçamento, as divergências entre as duas gestões ficam ainda mais acentuadas. O grupo que representa o atual prefeito volta-se para os anos anteriores, apontando uma “redução de receita” entre os anos de 2023 e 2024, “com destaque para a queda nas receitas de capital, principalmente nas receitas com operações de crédito, que registram uma diminuição projetada de R$ 510 milhões”.

"Analisando a proposta de LOA para 2025, chama atenção a previsão de aumento em torno de R$ 380 milhões com o pagamento da dívida, se comparado com o valor previsto na LOA atualizada de 2024, incluindo juros, encargos e amortização", aponta a equipe de transição.

A transição foi coordenada por Gabriella Aguiar, vice-prefeita eleita, e Renato Lima, então secretário municipal de Governo
Legenda: A transição foi coordenada por Gabriella Aguiar, vice-prefeita eleita, e Renato Lima, então secretário municipal de Governo
Foto: Divulgação/PMF

Por outro lado, o grupo indicado por Sarto ressalta que apenas em 2021 a Prefeitura de Fortaleza apresentou resultado orçamentário deficitário, com superávites de R$ 108 milhões e R$ 583 milhões em 2022 e 2023, respectivamente.

"Os indicadores fiscais apurados até outubro de 2024 evidenciam a saúde fiscal do município de Fortaleza. Os mínimos constitucionais de aplicação em saúde e educação serão plenamente atendidos, os indicadores de operações de crédito e de serviço da dívida pública mostram um baixo nível de endividamento", acrescenta a equipe do ex-prefeito.

Obras concluídas X Obras inacabadas

Enquanto o relatório elaborado pela antiga gestão foca nas realizações ao longo dos quatro anos de mandato, citando a evolução de investimentos em diversos eixos, o documento da nova gestão lista os contratos vigentes e as obras inacabadas. Ao todo, são apontadas 83 intervenções em andamento na Cidade, número bem acima que as duas obras mencionadas pela equipe de Sarto: o Cuca Vicente Pinzon e a sede da Guarda Municipal.

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O ex-prefeito e seus aliados citam ainda "desafios" para os sucessores, sugerindo a Evandro que busque "novas fontes de financiamento junto ao Governo Federal" e regularize as "pendências de repasses estaduais e aprimoramento da gestão de contratos e parcerias". 

Essas duas demandas foram motivo de diversos embates entre Sarto e o governador Elmano de Freitas (PT). Desde o fim da aliança entre PT e PDT no Ceará, o pedetista passou a reclamar da falta de diálogo com o chefe do Executivo do Estado e dos valores repassados para o transporte público da Capital e para o funcionamento do Instituto Doutor José Frota (IJF).

IJF

O IJF, inclusive, é citado em diversos trechos do relatório do grupo de aliados de Evandro. A unidade de saúde virou o centro da crise no fim da gestão Sarto, conforme mostraram reportagens do Diário do Nordeste. A instituição sofreu, entre outros problemas, com a falta de medicamentos, insumos e profissionais.

No documento, a situação do local é apontada como mais uma prova de que a gestão anterior omitiu informações para o governo Evandro. “Percebe-se claramente que o Instituto Dr. José Frota não estava com o seu estoque de insumos adequado para o final do exercício de 2024 e o início do exercício seguinte, se comparado com 2023”, acusa.

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"Foram identificadas fragilidades na execução de contratos de terceirização no IJF, a citar como exemplo: colaboradores que apareciam em folhas de pagamento de empresas contratadas distintas; ausência de metodologia de acompanhamento dos serviços prestados mediante controle de posto de serviço ocupado; colaboradores que constam nas folhas de pagamento das empresas, mas sem estarem cadastrados no sistema de acompanhamento da Prefeitura", acrescenta a equipe do governo petista.

Novas dívidas

No fim do relatório, a equipe indicada por Evandro reforça a acusação contra a gestão Sarto de ter feito uma transição "incompleta, inconsistente e insuficiente", sob risco de “descontinuidade de serviços essenciais".

A equipe diz que somente após a posse de Evandro foi possível fazer um diagnóstico mais preciso da situação do município: "A situação fiscal da Prefeitura revelou-se muito mais delicada do que os números anteriormente fornecidos indicavam, evidenciando passivos não detalhados e compromissos financeiros omitidos ou subestimados. Dentre os dados atualizados, destaca-se a Despesa de Exercícios Anteriores (DEA), cujo valor total soma R$ 296,7 milhões, sendo R$ 202,8 milhões ainda a validar e R$ 93,8 milhões já validados. Além disso, os precatórios totalizam R$ 65,8 milhões".

"E também constam como restos a pagar até 30 de dezembro de 2024 – portanto, saldo inicial de restos a pagar para 2025 – os seguintes valores: restos a pagar processados: R$ 38,3 milhões; restos a pagar não processados: R$ 308,9 milhões; perfazendo um total de valores não pagos no exercício de 2024, de R$ 347,2 milhões. Importante destacar que o saldo bruto de caixa de 2023 era de R$ 1,6 bilhão e em 2024 reduziu para R$ 697,047 milhões, correspondendo a uma redução de 57%”, conclui a gestão petista, destacando que, caso haja a dedução dos restos a pagar não processados, o saldo negativo da Prefeitura de Fortaleza chega a R$ 31,8 milhões.

As conclusões são bem diferentes das apontadas pela equipe de Sarto. O grupo diz que o gestor "vivenciou dois anos da maior crise econômica, política e sanitária do Brasil e ainda assim foi eficiente para mitigar os impactos no município". 

Os aliados do pedetista ponderam que 2025 será um ano "desafiador", mas atribuem isso ao "quadro persistente de baixo crescimento da economia brasileira, o empobrecimento absoluto e relativo da última década e a crise fiscal do Estado Brasileiro".

Eles concluem reforçando que Evandro "contará com uma gestão fiscal equilibrada, recursos financeiros garantidos para manter o nível de investimentos, serviços públicos ampliados e arcabouço tecnológico que proporcionará aos gestores viabilidade para desenvolver as ações necessárias e focar no enfrentamento dos desafios que o município de Fortaleza tem pela frente".

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