Entenda por que o uso de banheiros por pessoas trans em Fortaleza virou conflito político
A pauta vem sendo abordada por vereadores de perfil conservador. Alguns deles já admitiram ter intenção de disputar as eleições do ano que vem
Após um vereador arrancar placa de um vestiário da Rede Cuca, em Fortaleza, que permite o uso do local por pessoas trans, não-binárias e cisgêneros, um conflito de ideias sobre gênero e sexualidade passou a ocupar espaço na Câmara Municipal de Fortaleza, contrapondo parlamentares conservadores e progressistas, inclusive com envolvimento da Defensoria Pública.
No Parlamento da Capital, há, de um lado, a avaliação de que o embate tem viés eleitoral, com vistas a 2022; de outro, vereadores tentam emplacar projetos que proíbem a existência de banheiros do tipo.
A pauta vem sendo abordada principalmente por vereadores de perfil conservador. Alguns deles, ainda em julho, admitiram ter intenções de concorrer a uma vaga de deputado federal ou de deputado estadual no ano que vem.
O grupo de oposição à direita alinhado ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) puxa o debate, que ainda em 2018 permeou discursos na Casa, quando parlamentares rejeitaram a proposta de "Escola Sem Censura", alegando tentativas de implementar o que chamam de "ideologia de gênero" nas escolas públicas de Fortaleza.
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Estratégia
Ao menos dois projetos de lei que impedem a destinação de banheiros para pessoas trans na Capital já foram protocolados: um de autoria do vereador Carmelo Neto (Republicanos) e outro proposto por Julierme Sena (Pros).
Para o vereador Gardel Rolim (PDT), que é líder do prefeito José Sarto (PDT) na Câmara, a postura dos parlamentares de oposição aponta para pretensões eleitorais em 2022. "Esse é um tema que interessa a poucos fortalezenses. Alguns são candidatos a deputado e precisam ter algum tipo de discurso", diz.
"Essa é uma bandeira nacional que é muito vinculada ao bolsonarismo; Bolsonaro faz reproduzir nos estados. O meu discurso é sempre de ponderação, porque assuntos como esse precisam ser debatidos com mais zelo", completa o líder do Governo.
Presidente da Comissão de Diretos Humanos da Casa, a vereadora Larissa Gaspar (PT), que é de oposição à esquerda, tem opinião semelhante.
"Essas pessoas levantam esse debate principalmente quando se aproxima o período pré-eleitoral. Existem pautas que são igualmente importantes, como a questão da fome, e que muitas vezes são deixadas de lado. [...] Muitas vezes tentam relacionar a questões morais, comportamentais, são trazidas de volta à tona perto das eleições", argumenta a petista.
Para serem apreciados, os textos ainda precisam começar a tramitar. Se passarem pelas comissões e, depois, forem aprovados em plenário, serão encaminhados para sanção do prefeito.
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Defensoria
O Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Ceará encaminhou uma nota técnica para os 43 vereadores de Fortaleza alertando para a inconstitucionalidade dos projetos.
A nota, assinada pelos defensores públicos Mariana Lobo e Tulio Iumatti Ferreira, diz que os projetos "violam o reconhecimento do direito fundamental e humano de pessoas trans serem tratadas em consonância com sua identidade de gênero autodeterminada, incluído o direito a acessar banheiros públicos e privados sem sofrer constrangimentos".
O órgão afirma, ainda, que o documento foi elaborado após o vereador Inspetor Alberto remover uma placa de um banheiro da Rede Cuca no bairro José Walter, que destinava o uso do local para pesoas trans, não-binárias e cisgêneros. O ato virou caso de Polícia, e o parlamentar passou a ser ser investigado pela Polícia Civil.
Para os defensores, "qualquer projeto de lei ou tipo de ação que venha impedir o uso de equipamentos públicos de acordo com a identidade de gênero com a qual a pessoa se identifica é inconstitucional e viola os princípios da dignidade da pessoa, da liberdade de orientação sexual e identidade de gênero".
Embate na tribuna
Na sessão dessa quinta-feira (11), vereadores debateram a nota da defensoria. O vice-presidente da Casa, Adail Júnior (PDT), afirmou que o documento desrespeita a prerrogativa da Câmara, e que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) é que deve analisar a constitucionalidade dos projetos.
Ao discordar do posicionamento da Defensoria, Carmelo Neto rasgou o documento na tribuna, dizendo estar realizando um ato simbólico e de respeito ao Legislativo. Julierme Sena fez o mesmo. Julierme Sena repetiu o mesmo ato.
Nesta sexta-feira (12), a Defensoria enviou comunicado ao presidente da Câmara Municipal, vereador Antônio Henrique (PDT), pedinndo "providências sobre a atitude de parlamentares" por ter rasgado o documento na tribuna.
Procurada, a assesoria da Casa não emitiu resposta até a publicação da reportagem.
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Já a vereadora Adriana Nossa Cara (Psol) parabenizou o o parecer do órgão. "A defensora Mariana Lobo tem sua postura reconhecida nacionalmente pela defesa dos direitos humanos", frisou.
Outro lado
Autor de um dos projetos que, na prática, vedam a destinação de banheiros para pessoas trans em Fortaleza, Julierme Sena diz respeitar a posição da Defensoria Pública, órgão que classifica como "renomado". O parlamentar argumenta, entretanto, que o trâmite legislativo deve ser seguido.
"Devemos respeitar o rito legislativo, afinal de contas não há legislação federal específica que ampare a ideologia de gênero. Quero deixar bem claro que seguirei firme nas minhas convicções", diz o vereador.
O vereador Carmelo Neto argumentou que o seu projeto tem amparo legal.
"É uma representação de um anseio enorme da grande maioria da população fortalezense, que já mostrou ser predominantemente contra banheiros com ideologia de gênero. Continuaremos lutando contra essa subversão de princípios".