Lula e Elmano endurecem discurso contra o crime para dialogar 'fora da bolha', mas há riscos

Governantes, que buscam reposicionar o PT no combate à violência, têm o desafio de combinar repressão eficiente e defesa da legalidade

Escrito por
Inácio Aguiar inacio.aguiar@svm.com.br
(Atualizado às 11:16)
Legenda: Em um cenário de cobranças da sociedade de ações contra a criminalidade, governantes tentam se reposicionar
Foto: Thiago Gadelha

Declarações recentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do governador Elmano de Freitas, ambos do PT, revelam uma estratégia petista de adotar um tom mais firme no enfrentamento à criminalidade. As falas, com forte apelo à repressão de delitos como o roubo de celulares e o uso da força policial, sinalizam uma reconfiguração no discurso histórico do partido sobre segurança pública. A mudança busca dialogar com uma sociedade impactada pela violência, especialmente nas periferias urbanas, e ampliar o alcance político dos líderes petistas para além de sua base tradicional. Entretanto, pode haver efeitos colaterais. 

Durante agenda em Fortaleza na semana passada, o presidente Lula (PT) surpreendeu ao adotar um tom mais firme no enfrentamento à criminalidade. "Não permitiremos que a república de ladrões de celular comece a assustar as pessoas nas ruas deste país", declarou o presidente. A fala marca uma inflexão no discurso tradicional do PT sobre segurança, que historicamente enfatizou o combate às causas sociais da violência.  

A mudança, no entanto, dialoga com o sentimento crescente de insegurança que atravessa todas as classes sociais e pressiona gestores por respostas mais imediatas. Além do mais, Lula tem sido cobrado por aliados e assessores a adotar um tom mais duro para conversar com outros públicos. 

Elmano endurece o tom e mira fora da bolha 

No Ceará, o governador Elmano de Freitas (PT) foi ainda mais incisivo – e polêmico. Após operação que resultou na morte de dois criminosos e na apreensão de quatro fuzis, ele afirmou em suas redes:  

"Entre um policial ser vítima e bandidos tombarem, que eles (bandidos) levem sempre a pior". 
Elmano de Freitas
Governador do Estado

 A declaração dividiu opiniões, principalmente por sugerir um endosso à violência policial, mesmo que tenha sido acompanhada do compromisso com a legalidade. O episódio sugere a tentativa de Elmano de furar a bolha ideológica do partido e se comunicar com um público mais amplo e sensível à violência urbana. 

Essa mudança no tom dos líderes petistas não ocorre por acaso. Em entrevista à revista Veja, de circulação nacional, o próprio Elmano defendeu que o PT fale "para fora da bolha" e amplie sua comunicação com setores da sociedade que exigem ação imediata contra o crime.  

Trata-se de uma estratégia de reposicionamento político, em que o partido tenta conciliar sua tradição progressista com a necessidade de dar respostas práticas à população — especialmente em momentos de aumento da criminalidade ou episódios de grande repercussão. 

Riscos da retórica do confronto 

Apesar de politicamente compreensível, o endurecimento retórico traz riscos. O principal é o incentivo, ainda que involuntário, à escalada da violência policial. A linha entre firmeza e abuso é tênue, e o discurso institucional precisa ser bem calibrado para não legitimar excessos. Ao mesmo tempo, a oposição e setores críticos podem explorar tais falas apontando contradições. 

A guinada discursiva de Lula e Elmano expõe um dilema central para a esquerda no poder: como garantir segurança à população sem trair seus princípios fundadores? A resposta exige uma política de segurança pública que combine repressão qualificada ao crime com investimentos sociais de longo prazo.  

O novo tom pode ser eficaz eleitoralmente e simbólico para parte da sociedade, mas será preciso mais que palavras duras para reverter os índices de violência — será necessário mostrar resultados concretos sem renunciar à legalidade e do equilíbrio institucional.