Endividamento, crise na saúde e perda de aliados marcam o fim da gestão Sarto em Fortaleza
Eleito com apoio de uma frente ampla, o pedetista perdeu correligionários e aliados, implementou a Taxa do Lixo e acumulou empréstimos no Município. Na reta final da gestão, encara uma crise na saúde pública da Capital
Eleito em 2020 com apoio de uma frente ampla de partidos e 51,69% do eleitorado da Capital, o prefeito José Sarto (PDT) acumulou uma série de obstáculos nos quatros anos de gestão. Os percalços — sejam os que surgiram, sejam os que ele próprio criou — lhe renderam uma marca negativa inédita, tornando-se o primeiro prefeito de Fortaleza que disputou e não foi reeleito. A mancha é ainda mais negativa, já que Sarto amargou apenas o terceiro lugar na disputa para se manter no Executivo municipal.
De cara, após tomar posse, em janeiro de 2021, o pedetista precisou lidar com a pandemia da Covid-19. O prefeito também se deparou com um dos momentos de maior desgaste com a população ao implementar a Taxa do Lixo. Ele ainda viu seu próprio partido rachar, virando alvo de correligionários e perdendo siglas da base aliada.
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Por conta de disputas políticas, o mandatário saiu dos quadros de aliados do grupo governista estadual e passou para a lista de adversários, com direito a troca de acusações contra o governador Elmano de Freitas (PT) e apenas um único encontro oficial entre os dois desde janeiro de 2023 — quando o petista assumiu o Palácio da Abolição.
Já no fim do seu mandato, a gestão Sarto acumula suspeitas de má administração financeira, crise na saúde, recuos de medidas tomadas pelo Município e acusações de ocultação de informações para o grupo de transição da gestão Evandro Leitão (PT).
Taxa do Lixo
Ainda na primeira metade do mandato, Sarto encarou uma de suas piores crises ao sancionar a criação da taxa do lixo em Fortaleza. A implementação do novo imposto perseguiu o pedetista por toda a gestão, sendo inclusive tema central nos debates eleitorais.
Por outro lado, o prefeito justificou que a criação da taxa era uma obrigação prevista no Marco Regulatório do Saneamento Básico, uma legislação federal aprovada em julho de 2020. De acordo com ele, se não cumprisse, poderia ser enquadrado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Segundo o pedetista, o que a gestão conseguiu flexibilizar foi a ampliação dos isentos para até 70% das residências da Capital.
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Durante a campanha, o prefeito eleito neste ano, Evandro Leitão, já prometeu que irá revogar a taxa. Após eleito, ele reforçou o plano.
"Será o primeiro ato, enviarmos para a Câmara Municipal de Fortaleza em janeiro, ao assumir, uma mensagem para a Câmara extinguindo a Taxa do Lixo. Logicamente a Câmara só retorna em fevereiro. Em fevereiro ela irá avaliar e votar. Espero que a gente possa efetivamente acabar"
Perda de aliado e partido rachado
Foi também na primeira metade da gestão que Sarto viu seu partido, o PDT, rachar em 2022. A disputa interna na sigla afastou antigos aliados da sua base de apoio, colocando o gestor no campo de oposição do grupo governista estadual.
O pontapé inicial público da crise interna no PDT, inclusive, foi dado pelo prefeito, quando declarou apoio ao ex-prefeito Roberto Cláudio (PDT), em março de 2022, ao Governo do Estado. A declaração gerou uma reação em cadeia, com correligionários se dividindo entre apoiadores do ex-gestor e da então governadora Izolda Cela (PSB), que era pré-candidata à reeleição.
Por conta da crise, dois anos depois, aliados importantes do gestor da Capital, como o senador Cid Gomes, deixaram o PDT. A instabilidade política do grupo governista municipal também afastou siglas aliadas, como o PSD, que em agosto do ano passado decidiu entregar os cargos na gestão sob justificativa de falta de diálogo e de espaço na gestão do prefeito.
O PSB foi outra legenda que integrou a base municipal, mas acabou passando para a lista de opositores. A sigla, inclusive, mudou de comando e agora é chefiada pelo pai do ministro Camilo Santana (PT), o ex-deputado Eudoro Santana (PSB).
Empréstimos
Ao entregar a chave da Prefeitura em 1º de janeiro, José Sarto também entregará a Evandro Leitão oito empréstimos que ele adquiriu nos últimos quatro anos com entes públicos e privados dentro e fora do país. O montante é na ordem de R$ 2,8 bilhões.
Na prática, quatro foram efetivamente contratados até agora e apenas um — o primeiro deles — foi concluído, conforme mostrou o PontoPoder.
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À época, a assessoria de comunicação do Gabinete do Prefeito informou o que já foi realizado até agora com o dinheiro adquirido por meio dos empréstimos. “Na saúde, foram construídos os novos hospitais Gonzaguinha de Messejana e Frotinha de Messejana, além da reforma de postos de saúde. Em infraestrutura e mobilidade, estão incluídas as obras do Vila do Mar, urbanização do Caça e Pesca, calçadão da Praia de Iracema e o reservatório da Avenida Heráclito Graça, em andamento”, relatou.
E continuou: “Os recursos também garantiram a construção do Terminal de Ônibus José de Alencar, do Ginásio da Parangaba, do Estádio do Bom Jardim, de novas praças, areninhas e áreas de lazer, além do Cuca do Vicente Pinzón, que segue em obras. Cita-se, ainda, a ampliação da Clínica Veterinária Jacó, do Complexo Educacional Alto da Paz, da nova sede da Guarda Municipal e do Meu Bairro Empreendedor do Parque Santana, entre outras obras”.
Conforme mostrou o PontoPoder, o pagamento da conta de alguns empréstimos já contratados ficarão para Evandro, já que esse tipo de financiamento tem um prazo para começar a ser pago.
Na reportagem, o professor Manuel Salgueiro, que coordena o Observatório de Finanças e Orçamento Público (OBFIO), ligado à Universidade Estadual do Ceará (Uece), apresentou um levantamento sobre o nível de endividamento municipal dos últimos quadrimestres, tomando como base os últimos cinco anos.
Ele considerou a Dívida Consolidada Líquida (DCL) com a Receita Corrente Líquida (RCL) — os parâmetros são os mesmos usados pela Lei de Responsabilidade Fiscal para legislar sobre as contas públicas.
Se em 2019 o Município fechou com um percentual de 7,36% de endividamento, em 2020 essa taxa foi para 24,57%. O valor continuou subindo e ficou em 27,41% no final de 2021, em 26,99% no fim do ano de 2022 e em 24,71% no último quadrimestre de 2023. Em 2024, apesar de não ter acabado, o índice de endividamento apontado foi de 27,86%.
Crise na Saúde
Já após a eleição, com o resultado das urnas indicando a derrota do pedetista, veio à tona a crise que atinge a saúde pública de Fortaleza, especialmente o Instituto Doutor José Frota (IJF). Conforme revelou o Diário do Nordeste, a unidade de saúde enfrenta a falta de medicamentos e de insumos básicos, a suspensão de cirurgias e até a demora na distribuição de comida.
Diante das denúncias, o Ministério Público do Ceará (MPCE) ingressou com Ação Civil Pública (ACP), em 7 de novembro, para que a gestão municipal resolva a situação do abastecimento de remédios e insumos.
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A medida judicial, inclusive, pode tornar réus o município de Fortaleza, o IJF, o prefeito José Sarto, o secretário municipal de Saúde, Galeno Taumaturgo Lopes, e o superintendente do hospital, José Maria Sampaio Menezes Júnior.
Ainda em novembro, o prefeito chegou a criar uma força-tarefa para garantir medicamentos e insumos que faltam no IJF. "Com a medida, reforço meu inteiro compromisso de zelar pela saúde e pela vida dos pacientes, assegurando o atendimento de excelência prestado historicamente pelo IJF", informou Sarto.
Ele disse ainda que a ação vai garantir a continuidade dos "atendimentos de excelência" da unidade, e pontuou em vídeo que metade dos pacientes atendidos vem do Interior do Ceará.
Além do IJF, o cenário também é de crise no Hospital e Maternidade Dra. Zilda Arns Neumann, no bairro Demócrito Rocha, mais conhecido como Hospital da Mulher de Fortaleza. No local, há relatos de falta de medicamentos e insumos básicos, além de atraso nos pagamentos de profissionais.
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Ao Diário do Nordeste, o secretário Galeno Taumaturgo afirmou que a Pasta está “acompanhando também de perto e vendo as soluções que são possíveis”.
O gestor justificou que as faltas de materiais e insumos têm a ver com a “mudança de gestão”. “De certo modo, o fornecedor fica receoso em fazer entregas e não receber, mas nós estamos tentando resolver essas situações para que nós possamos amenizar a situação de todos os hospitais”, pontuou.
Na última segunda-feira (9), o Diário do Nordeste mostrou que a assistência de cinco hospitais municipais de Fortaleza e do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) da Capital está prejudicada pela falta de profissionais.
O problema ocorre em meio à substituição dos trabalhadores com vínculo temporário pelos aprovados no concurso da Fundação de Apoio à Gestão Integrada em Saúde de Fortaleza (Fagifor). A Prefeitura justificou que tem negociado para resolver o problema.
Transição turbulenta
A própria saída do prefeito está envolta em turbulências e impasses com a próxima gestão. Após a reunião com Evandro Leitão no início de novembro e promessas de uma transição tranquila, a atual gestão passou a ser alvo de críticas.
Conforme revelou o colunista Inácio Aguiar, o primeiro tensionamento surgiu por conta da situação do IJF. Em 2 de dezembro, uma declaração do prefeito eleito reacendeu a crise. Evandro Leitão disse que sua equipe tem encontrado dificuldades em acessar informações importantes para tocar a administração a partir do próximo ano.
Segundo o petista, a Gestão Sarto não tem adotado "transparência" sobre a situação das secretarias e órgãos do governo, dificultando a compreensão de como o novo prefeito vai receber a gestão em 2025.
"A relação é respeitosa, mas os dados não chegam às nossas mãos. (Querem) dizer que está havendo uma transição, quando na realidade não está, porque transição para mim é um momento onde se transmitem os dados dos mais diversos segmentos, não só do eixo da saúde, mas de toda a Prefeitura. [...] Mas nós não iremos choramingar, pelo contrário", expôs Evandro, sem, contudo, detalhar que informações estariam sofrendo restrição.
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Coordenadora de transição e vice-prefeita eleita de Fortaleza, Gabriella Aguiar (PSD) também reforçou que os dados não estão sendo repassados “de forma clara”. "O que queremos são os principais desafios para os primeiros 100 dias. Entendo até que há uma falta de comunicação, no sentido de que eles estão trazendo (informações), mas não é exatamente o que a gente precisa", disse.
Em contato com o PontoPoder após as acusações, o prefeito José Sarto (PDT) informou, via assessoria de imprensa, que as reuniões de transição estão ocorrendo conforme combinado. "Todas as perguntas feitas pela equipe do prefeito eleito são oficiadas e registradas por e-mail e tem um prazo estabelecido para a equipe do atual prefeito responder. Não há registro de questionamento sem resposta", completou.
Réveillon de Fortaleza
Em uma das últimas polêmicas, o prefeito recuou da decisão de realizar três dias de festa no Réveillon de Fortaleza, mantendo em apenas um dia. Conforme o colunista Victor Ximenes, a decisão se deu porque a Prefeitura não obteve patrocínio de empresas privadas para arcar com as três datas.
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Pelo atual formato, os cachês dos artistas são pagos pela iniciativa privada e não recebem recursos dos cofres municipais. A decisão gerou um alerta no setor de turismo da Capital, provocou críticas de opositores e de parte da população nas redes sociais.
"Neste ano, repetimos a fórmula bem sucedida de buscar a iniciativa privada, uma marca da nossa gestão. Conseguimos patrocinadores, mas as parcerias são insuficientes para pagar todas as atrações anunciadas. Isso nos levou à decisão necessária e equilibrada de realizar um dia de festa, na virada do ano, no Aterro da Praia de Iracema. E não mais os três dias anunciados", justificou o prefeito José Sarto ao anunciar a redução da festa.