Legislativo Judiciário Executivo

De disputa política a embate judicial: entenda impasse por presidência do PDT entre Cid e Figueiredo

Os episódios judiciais do PDT cearense neste ano devem impactar os rumos do partido para 2024

Escrito por Ingrid Campos, Luana Barros , politica@svm.com.br
Cid e André Figueiredo
Legenda: Cid Gomes e André Figueiredo chegaram a firmar acordo em julho, mas agora a disputa pelo comando do PDT Ceará está sendo feita judicialmente
Foto: Reprodução

O comando do PDT no Ceará tem sido alvo de disputa há meses, ainda como repercussão das eleições de 2022. Nessa segunda-feira (16), o diretório elegeu Cid Gomes (PDT) como presidente da legenda no Estado, mas se deparou, logo em seguida, com uma liminar que suspendeu os efeitos da escolha da nova Executiva pedetista, retornando o comando para o deputado federal André Figueiredo (PDT). O senador já afirmou que deve recorrer da decisão muito em breve. 

A reviravolta representa apenas mais um dos episódios judiciais do PDT cearense neste ano, cujos efeitos vão repercutir no pleito de 2024. O comando de um partido é um posto estratégico, sobretudo às vésperas das definições eleitorais.

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São os presidentes que manejam os recursos dos Fundos Partidário e Eleitoral, comandam as articulações políticas (majoritárias e proporcionais) e tomam a frente da sigla em decisões e eventos externos, como o apoio a um governo. É o que preveem muitos estatutos partidários e o que aponta Cleyton Monte, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM-UFC).

Essas questões tornam-se muito mais significativas em partidos com o tamanho do PDT no Ceará. É a sigla com o maior número de prefeitos, a maior bancada na Assembleia Legislativa e na Câmara Municipal de Fortaleza e com boa representação entre deputados federais cearenses. O Estado também abriga a liderança do PDT no Senado, que é justamente de Cid Gomes.

Pesa o fato de a legenda se comportar, em parte, como base do governo, enquanto um outro segmento se comporta como oposição. "Então claro que, nessa conjuntura, (o PDT) é o principal partido da coalizão do governo. Mesmo que não oficialmente, ajuda o governo a aprovar medidas, então acaba que a presidência do partido ganha um um destaque especial", observa Cleyton. 

Para Monalisa Torres, também do LEPEM/UFC, há sinais "muito mais nítidos de desgaste" em decorrência do tamanho e do histórico do PDT no Ceará. 

"Isso é normal, dado o período no poder, dada a mudança de liderança, as lideranças internas do grupo começam a disputar esse lugar de tomada de posições, e o PDT com o partido que foi e o Cid como articulador da força desse grupo não quer perder esse lugar. Ele sabe que, a depender do resultado disso, pode ser que ele se fragilize ainda mais do ponto de vista dessa liderança política. 

"Ele tem muita influência de alguns prefeitos, ele sabe que agora a bola da vez é o Camilo (Santana, ex-governador e atual ministro de Lula) e o grupo que orbita o Camilo. Então a decisão que vai ser tomada de apoio ou não ao governo e de como o partido vai se comportar e vai sair das eleições de 2024 vai dizer muito sobre o futuro do grupo", completa.

No fim, ainda que o conflito seja maléfico para os dois dirigentes, Cleyton Monte acredita que a presidência do PDT seja mais vital para André Figueiredo. 

"Pelo que a gente acompanha, os membros do partido que apoiam o governo Elmano e as ações do Cid Gomes são maioria. Então quem perde mais estando fora da presidência, nessa conjuntura, é o André Figueiredo. Se ele não conseguir constituir maioria, pelo menos ele vai ter recursos para frear impulsos da maioria do partido", avalia.

Reviravolta

A liminar da juíza Maria de Fátima Bezerra Facundo, da 28° Vara Cível de Fortaleza, atende a Ação Ordinária Anulatória com Pedido de Tutela de Urgência apresentada por André Figueiredo. 

Com a decisão, o deputado se mantém como presidente estadual, além de presidente nacional interino do PDT. Ele celebrou o despacho da Justiça e alfinetou o grupo que considera ter "traído o partido no ano passado". 

"A gente trabalhou muito em 39 anos para fazer um PDT grandioso. Se não em quantidade, mas em qualidade. E essa trajetória estava sendo rompida por uma decisão de alguns que já tinham traído o partido ano passado e que agora querem tomá-lo para entregar nas mãos quem está no governo. Isso é inadmissível. Por isso que, mesmo que seja de forma temporária, quero que a gente celebre esse momento", afirmou à imprensa. Ele disse ainda que a ala encabeçada por Cid tem uma "maioria frágil" dentro da legenda. 

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Para Cid, contudo, a juíza "foi induzida ao erro". O texto afirma que a convocação da reunião extraordinária "não respeitou os trâmites mínimos necessários para sua realização", sendo eles: a convocação da reunião no prazo prévio de 20 dias e com inscrições para registro de chapa até as 18 horas do 5º dia anterior à realização da reunião.

Mas o senador defende que os prazos citados pela magistrada na decisão se referem à convenção estadual, não à reunião do diretório. Ele explica que a convenção é um dos "grandes ritos eleitorais" de um partido e, por isso, deve ter prazos "mais elásticos, maiores do que reunião do diretório". Os prazos determinados para a reunião desta segunda "foram todos cumpridos", diz.

"E é isso que vamos mostrar em juízo e tenho certeza que o que aconteceu aqui hoje será respeitado pela Justiça. [...] Induziram-na ao erro. Citaram artigos da convenção, e isso aqui não era uma convenção. (...) O que houve aqui hoje foi uma reunião do diretório e a convocação foi feita atendendo todos os dispositivos estatutários. Isso ficará mostrado em juízo e tenho certeza que prevalecerá a decisão tomada aqui hoje", ressaltou. 

Caso de Justiça

O embate jurídico tem se tornado rotina no PDT, em consequência dos desdobramentos observados desde maio deste ano. Naquele mês, Cid comentou publicamente a pretensão de comandar o partido no Ceará, sob André Figueiredo à época. A declaração desencadeou uma série de manifestações das duas alas em defesa dos seus respectivos líderes, envolvendo Ciro Gomes, Evandro Leitão, José Sarto, entre outros prefeitos e lideranças. 

Em virtude disso, houve uma queda de braço nas instâncias partidárias que mobilizou até a Executiva nacional, mas Cid Gomes e André Figueiredo chegaram a um acordo. Foi assim que o deputado federal pediu licença da presidência estadual e deu lugar ao senador. Entretanto, a aparente pacificação não durou muito tempo.

Em agosto, pouco mais de um mês depois do trato, o diretório estadual do PDT deu anuência a Evandro Leitão para que se desfiliasse do partido sem prejuízo ao seu mandato na Assembleia Legislativa. A Executiva nacional reagiu e acionou a Justiça.

Com ânimos novamente aflorados, em setembro, o colegiado convocou nova reunião, que contou com participação de integrantes das duas alas. Na pauta, as ações realizadas sob a gestão Cid no prédio do partido, a situação eleitoral nas diferentes regiões do Ceará e o restabelecimento oficial da aliança com o bloco petista. O último ponto resgatou discussões de 2022, com feridas ainda não curadas. 

Três dias depois, o clima de animosidade observado naquela ocasião mostrou seus efeitos práticos: Figueiredo desativou o diretório e instalou uma comissão provisória sob o comando de Cristhina Brasil.

Desta vez, foi Cid quem procurou a Justiça. O senador enviou uma notificação extrajudicial ao secretário da Executiva Nacional do PDT, Manoel Dias, questionando as “razões de fato e de direito levaram a repentina alteração nos sistemas do Tribunal Superior Eleitoral, atribuindo o status de inativo ao Diretório Estadual do PDT-CE, bem como de seus membros".

Na última terça-feira (10), a mesma juíza responsável pela decisão desta segunda-feira, reativou o diretório em caráter liminar, anulando o ato de Figueiredo. Este voltou a ser presidente estadual, mas perdeu o posto nesta segunda-feira, após o colegiado eleger uma nova Executiva, agora com Cid no topo. Novamente, a Justiça interferiu no processo, concedendo liminar ao deputado federal suspendendo os efeitos das deliberações desta data.

Mais desdobramentos podem vir nos próximos dias e semanas, enquanto o partido deve se programar para a realização de uma Convenção, em dezembro, a fim de eleger a Executiva do próximo mandato. André Figueiredo e Cid Gomes devem protagonizar, mais uma vez, a disputa.

Caso Evandro

Um dos razões para a nova escalada de tensão dentro do PDT, a saída do presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, Evandro Leitão, do partido foi o primeiro episódio da crise interna a ser judicializado. 

Apesar de contar com a carta de anuência concedida pelo diretório estadual ainda sob comando de Cid Gomes, Evandro Leitão teve o documento contestado pela Executiva nacional, ainda no final de agosto. Na época, a Justiça estadual negou liminar pedindo a anulação da anuência concedida pelo diretório — o argumento é de que o documento só poderia ter sido concedido com a aprovação da instância nacional da legenda.  

No âmbito da Justiça Eleitoral, foi Evandro Leitão que ingressou com ação pedindo a desfiliação do partido. O primeiro embate judicial deste processo foi a entrada da Executiva nacional do PDT como uma das partes interessadas na ação. Ainda sob comando de Cid, o diretório estadual do PDT foi contrário a essa iniciativa da nacional. Porém, o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) acatou o pedido.   

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O processo agora está pronto para ser analisado pela Corte, após o Ministério Público Eleitoral (MPE) dar parecer favorável a desfiliação de Leitão, sem que este perca o mandato. A razão alegada é que o deputado estadual recebeu carta de anuência do diretório estadual.  O parecer também aponta que a Justiça Eleitoral não pode apurar a validade de atos intrapartidários, de acordo jurisprudência estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

"Nesse sentido, sem que tenha sido demonstrado que o ato questionado (carta de anuência) não está mais válido ou eficaz, seja por decisão da Justiça Comum, seja por processo de revogação partidária interna do ato, o mesmo pode (e deve) ser considerado por essa Corte Eleitoral", diz o texto.

Reforço da liderança de Cid 

Aliados de Cid Gomes corroboraram com o discurso do senador. A deputada estadual e irmã de Cid, Lia Gomes (PDT) reforçou que a ideia agora é responder à ação que suspendeu os efeitos da reunião desta segunda-feira o "mais rápido possível". "O André omitiu algumas informações. O argumento que ele colocou não procede, porque o estatuto do partido diz outra coisa", ressaltou. 

Ela lembrou que como a liminar suspendendo a eleição chegou após ser proclamado o resultado, caso a decisão seja derrubada, Cid assume o PDT Ceará. "Já havia sido proclamado o resultado por unanimidade, que mostra a força do Cid dentro do partido", disse. O senador foi eleito por 48 votos favoráveis e 1 abstenção, do prefeito de Aracoiaba, Thiago Campelo (PDT). 

Antes da reunião, o deputado estadual Marcos Sobreira (PDT) também ressaltou a força do senador. "É a única liderança que tem condição de unir o partido, de fortalecer o partido, de conter debandadas e de trazer crescimento", ressaltou. Ele destacou que, mesmo com a crise interna do PDT, os meses que o partido esteve sob o comando de Cid também foi quando o PDT estava novamente "atrativo às lideranças políticas".

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O deputado federal Mauro Filho (PDT) também ressaltou a importância da resolução do problema para garantir a estabilidade da legenda para as eleições de 2024 em todo o estado. Ele contabiliza que o partido deve ter cerca de 100 candidatos ao Executivo, entre cabeças de chapa e vices. 

"Vamos estabelecer os 59 prefeitos, a boa relação e a confiança que o partido tem o comando adequado, que eles não vão ter nenhuma surpresa na eleição. (Relação) De confiança, de conforto para que todos eles possam partir para esse processo de expansão", disse.

Os parlamentares também defenderam a 'legalidade' da reunião realizada nesta segunda. Mais cedo, movimentos sociais do PDT nacional lançaram manifesto repudiando a convocação e chamando a pauta de "ilegal" e "ilegítima". "Não reconhecemos e repudiamos qualquer reunião provocada com pauta ilegal, ilegítima, sem nenhuma previsão estatutária", disse o texto. 

Secretário estadual de Pesca e Agricultura, o deputado estadual Oriel Nunes Filho (PDT) também defendeu a eleição para nova Executiva como "legítima". "Quem tem a maioria é quem manda. A democracia é a maioria. Se a gente tem esse recurso, tem que recorrer a ele para fazer valer a vontade da maioria".

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