Humilhado em campo, futebol brasileiro é prisioneiro de um sistema político fracassado
O problema daquela que é a paixão nacional não é tático, nem técnico. É fruto de um grande acordo de bastidores bom apenas para os cartolas

Poucas vezes, abro espaço na minha coluna para o futebol. Você que chegou aqui pode até estar surpreso com o tema abordado, mas não se engane: o assunto aqui é Política. A goleada imposta pela Argentina à Seleção Brasileira de Futebol nesta terça-feira (4x1) é bem mais que um vexame esportivo. É o retrato de um sistema esgotado, onde o resultado em campo já não importa tanto quanto os acordos de bastidores que definem o comando do futebol nacional. Enquanto a bola rola de forma constrangedora, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) reelege por unanimidade Ednaldo Rodrigues como presidente — com o apoio irrestrito das 27 federações estaduais, inclusive a federação cearense.
Foi, sem dúvida, a pior derrota da Seleção Brasileira em Eliminatórias da Copa do Mundo. Mas a desorganização vista em campo não é fruto de um dia ruim.
É reflexo de um modelo que favorece o compadrio político, a blindagem institucional e o desinteresse em mudar o que, para os dirigentes, “está dando certo” — mesmo que os resultados sejam cada vez piores.
A unanimidade do silêncio
A eleição de Ednaldo teve um componente simbólico revelador. O único que ousou desafiar o consenso, Ronaldo Nazário, dono de trajetória incontestável no futebol mundial, nem sequer conseguiu apresentar suas propostas. Nada menos que 23 das 27 federações se recusaram a ouvi-lo. Não se trata de diferença de projeto, mas de manutenção de uma estrutura opaca, onde o futebol é um negócio bilionário administrado como uma caixa-preta.
Ednaldo, vale lembrar, já havia sido afastado judicialmente do cargo. Mesmo assim, reconduzido, consolidou uma base de apoio sólida, construída à sombra das regras que concentram poder nas federações e não nos clubes, tampouco na sociedade que sustenta a paixão pelo futebol.
Quando todos ganham, o futebol perde
O problema do futebol brasileiro não é tático, nem técnico. É político. O sistema é viciado: os dirigentes que definem os rumos da principal entidade esportiva do país têm interesses próprios e pouca disposição para reformas. O futebol virou um negócio tão lucrativo para seus gestores que a performance em campo passou a ser detalhe. O fracasso esportivo já não compromete mandatos.
No Brasil, ainda se acredita que os jogadores resolverão tudo no talento. Mas não há talento que sobreviva a uma estrutura sem planejamento, sem comando técnico e, principalmente, sem projeto. A Seleção Brasileira parece perdida porque, de fato, está: sem treinador fixo, sem diretor técnico, sem filosofia de jogo. E, sobretudo, sem base institucional.
Um modelo à prova de vexames
A tragédia 'Monumental' não foi e nem será suficiente para gerar qualquer reação nas federações. Pelo contrário: seus presidentes seguem "felizes", como declarou um dos articuladores da reeleição de Ednaldo. A felicidade institucional contrasta com a humilhação esportiva. Nunca foi tão grande a distância entre quem comanda e quem ama o futebol.
O Brasil perdeu mais que um jogo. Perdeu a dignidade de sua camisa, o respeito da torcida e a confiança de que algo vai mudar. E se nada mudar no comando, continuaremos assim: celebrando bastidores vitoriosos enquanto colecionamos derrotas históricas no campo onde tudo deveria começar — e terminar.