Legislativo Judiciário Executivo

Aras diz que atos de 7 de setembro 'são um exemplo de sociedade plural e aberta'

O procurador-geral da República também ponderou que a Constituição deve ser respeitada e citou Ulysses Guimarães

Escrito por Bruna Damasceno , bruna.damasceno@svm.com.br
procurador-geral da república, augusto aras
Legenda: Aras fez pronunciamento, nesta quarta-feira (8), no início da sessão Plenária do Supremo Tribunal Federal (STF)
Foto: Rosinei Coutinho/STF

Após ameaças do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contra o Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, descreveu os atos de 7 de setembro como "um exemplo de uma sociedade plural e aberta, característica de um regime democrático”.

Pronunciamento Augusto Aras

O pronunciamento ocorreu durante a sessão do STF desta quarta-feira (8). 

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Antes dele, o presidente do STF, Luiz Fux, criticou os discursos de Bolsonaro e lembrou que o descumprimento de decisões judiciais configura crime de responsabilidade. Aras, todavia, ponderou que a Constituição deve ser respeitada

“Reafirmamos que, juntos, trabalhando por uma sociedade livre, justa e solidária, aperfeiçoaremos a nossa democracia”, disse. Ele citou, então, discurso histórico do presidente da Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, Ulysses Guimarães. 

“Afinal, como bem disse o doutor Ulysses Guimarães, na data da promulgação da nossa Constituição de 1988: A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca!”, completou. 

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Reveja o discurso de Bolsonaro no 7 de setembro:

Leia íntegra do discurso de Aras:

"Excelentíssimo Senhor Ministro Luiz Fux, Presidente do Supremo Tribunal Federal, na pessoa de
quem saúdo os demais Ministros desta Casa e demais membros do Judiciário brasileiro. Caros colegas do Ministério Público brasileiro, nobres advogados, demais autoridades, servidores, senhoras e senhores.

Acompanhamos ontem uma festa cívica, com manifestações pacíficas, que ocorreram hegemonicamente
de forma ordeira pelas vias públicas do Brasil. As manifestações do 7 de setembro foram uma expressão de uma sociedade plural e aberta, característica de um regime democrático.

Após longo período de distanciamento social, a vacinação já possibilita que concidadãos reúnam-se
pacificamente para manifestarem-se. A voz da rua é a voz da liberdade e do povo. Mas não só. A voz das instituições, que funcionam a partir das escolhas legítimas do povo e de seus representantes, também é a voz da liberdade.

Como previsto na Constituição Federal de 1988 e em nosso sistema de leis, discordâncias, sejam políticas ou processuais, hão de ser tratadas com civismo e respeitando o devido processo legal e constitucional. Mencionando a lição do Ministro Marco Aurélio, “o devido processo é a liberdade em seu sentido maior”.

O próprio povo brasileiro, em 1988, outorgou-nos a Constituição, chamada de democrática, que é o nosso consenso possível e que todos juramos observar e proteger. Então, como previsto na Constituição Federal de 1988 e no ordenamento jurídico erigido a partir dela, quando discordâncias vão para além de manifestações críticas, merecendo alguma providência, hão de ser encaminhadas pelas vias adequadas, de modo a não criarem constrangimentos e dificuldades, quiçá injustiças, ao invés de soluções.

Eis o primado do devido processo em face do voluntarismo: construir decisões legítimas, respeitáveis,
sólidas, ainda que não sejam unânimes. O Ministério Público brasileiro, como instituição constitucional
permanente, segue trabalhando pela sustentação da ordem jurídica e democrática, pois não há estabilidade e legitimidade fora dela.

Dentre os alicerces do constitucionalismo moderno está o da divisão, ou separação, das estruturas de
exercício do poder estatal. Esse princípio está nas raízes do constitucionalismo, presente nas experiências históricas que insurgiram contra o absolutismo e culminaram no surgimento do Estado de Direito, diga-se, Estado da segurança jurídica, Estado da verdade e da memória.

Aristóteles e John Locke distinguiram as funções estatais, mas coube a Montesquieu, na clássica obra “O
Espírito das Leis”, publicada em 1748, teorizar o princípio da divisão (ou separação) de poderes, demonstrando a necessidade de fragmentar o exercício do Poder do Estado em diferentes estruturas orgânicas e funcionais, de modo a proteger a liberdade dos cidadãos.

O princípio da Separação de Poderes foi acolhido na Constituição Americana de 1787, na Constituição Francesa de 1791, e tornou-se verdadeiro dogma da Ciência Política e do Direito Constitucional, a ponto de se dizer que não há verdadeiramente Estado Constitucional sem a adoção, formal e material, desse princípio.

No Brasil, a separação e a harmonia entre os Poderes foi adotado desde os projetos da Constituição do Império. Integra a nossa história constitucional, sendo um dos marcos estruturantes da nossa República.
Tamanha é sua importância, que o Professor Paulo Bonavides em seu “Curso de Direito Constitucional”,
coloca o princípio da Separação de Poderes como a “garantia máxima da Constituição democrática, liberal e
pluralista”.

O saudoso professor, cearense nascido na Paraíba, destaca que esse princípio é um “emblema de resistência a poderes autocráticos e a formas de governo havidas por usurpadoras de direitos e garantias fundamentais da pessoa humana”.

A independência entre os Poderes pressupõe harmonia. Sem esta, o equilíbrio transfigura-se em conflito
permanente. Essa harmonia, que pregava John Jay, há de ser buscada por todos, e exige institucionalidade nas medidas e recursos próprios, e no devido tempo.

Não podemos desprezar os recursos e ferramentas da institucionalidade – o devido processo legal, o devido
processo legislativo, o devido processo administrativo. Por meio dessas vias formais do nosso Estado Democrático de Direito, assegura-se que as minorias tenham voz e meios contra os excessos da maioria, e também que os direitos da maioria sejam preservados no processo decisório inerente às democracias representativas ou diretas. 

A Democracia é um grande concerto de interesses. É o governo dos contrários, mas também do possível. É,
mediante o diálogo --- com discordâncias, mas sem discórdias ---, um caminho para a paz, por meio do
consenso social.

Nós amamos a Democracia, pois nela floresce a liberdade, com a qual tantos sonharam, e pela qual tantos
se sacrificaram. É na Democracia que mulheres e homens livres realizam-se em sua existência.

Reafirmamos que, juntos, trabalhando por uma sociedade livre, justa e solidária, aperfeiçoaremos a nossa
democracia. Afinal, como bem disse o Dr Ulysses Guimarães, na data da promulgação da nossa Constituição de 1988:“A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca!”

O titular do poder constituinte, o povo brasileiro, por meio de seus legítimos representantes, tem sabido, dentro da institucionalidade, superar os desafios e crises que se impuseram ao Brasil desde 1988. O Ministério Público brasileiro atua e atuará para que, com diálogo, independência e harmonia, continuemos a perseverar nesse percurso de engrandecimento do nosso Brasil."

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