Ao reduzir Réveillon de Fortaleza, Sarto mostra 'desorganização' e 'pune' turismo, critica oposição
Líder do governo na Câmara argumenta que o prefeito tem responsabilidade com o erário
Os vereadores que fazem oposição ao Governo Sarto na Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor) repercutiram, nesta sexta-feira (6), a decisão do prefeito em encurtar a festa de Réveillon realizada pelo poder público nas areias do Aterro da Praia de Iracema.
A decisão, comunicada pelo próprio José Sarto (PDT) em um vídeo publicado nesta quinta-feira (5), reduziu a comemoração deste ano de três dias para apenas um. Com isso, a maior parte da grade de atrações foi suprimida e o público terá apenas o 31 de dezembro para celebrar o fim do ano.
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A justificativa apresentada por Sarto foi de que o dinheiro arrecadado com as parcerias privadas até o momento não é suficiente para arcar com os custos do festejo — uma vez que ele é totalmente bancado por meio de recursos obtidos via patrocínio. O argumento apresentado, no entanto, não foi bem aceito por parte do bloco oposicionista.
“Conseguimos patrocinadores, mas as parcerias são insuficientes para pagar todas as atrações anunciadas. Isso nos levou à decisão necessária e equilibrada de realizar um dia de festa, na virada do ano, no Aterro da Praia de Iracema. E não mais os três dias anunciados”, comentou o prefeito na postagem em que fez o anúncio.
Economia prejudicada
“O cancelamento do Réveillon é o reflexo da desorganização e irresponsabilidade da atual gestão. A saúde, assistência social estão colapsadas e agora o setor turístico será prejudicado, pois o prefeito decidiu punir o povo de Fortaleza pela sua derrota nas urnas”, considerou a vereadora Adriana Gerônimo (Psol) em conversa com o Diário do Nordeste.
A parlamentar salientou que a medida “não é um fato isolado”, mas “o ato final de um gestor ausente durante quatro anos”. Adriana lembrou o tom de campanha de Sarto durante eleição, que apostou no humor como um elemento de propaganda. “Porém, o povo não é bobo e deu uma resposta à sua péssima gestão da cidade”, frisou.
O passo atrás que foi dado pelo prefeito trai uma promessa feita por ele dias após o primeiro turno das eleições. Mesmo derrotado, o mandatário garantiu a manutenção da festa na mesma proporção que a do ano passado. Nas palavras dele, o evento era “irreversível” no calendário da cidade diante do impacto econômico que gera.
“Sou prefeito até 31 de dezembro. A festa será a maior festa da história dos Réveillons de Fortaleza, até porque essa é uma festa para a cidade, da cidade, é uma festa nossa, que a gente recebe muito bem quem vem para cá para que a gente possa fortalecer a economia”, disse Sarto na oportunidade.
A estimativa da Prefeitura de Fortaleza era de que, somente com os três dias de evento, fossem injetados na economia da capital cearense aproximadamente R$ 4 bilhões. Além disso, pela dimensão do formato, havia a previsão de que postos de trabalho fossem criados e que a população tivesse acesso amplo a bens como cultura, lazer e arte.
Entre os vereadores de oposição, há quem ainda acredite na atração de turistas para Fortaleza no período, apesar de concordar que haverá uma perda no volume de dinheiro movimentado diante do que foi previsto pela prefeitura anteriormente.
Bruno Mesquita (PSD) alegou compartilhar dessa compreensão. De acordo com o pessedista, essa crença se dá pelo fato de que a capital tem uma vocação turística, sabe “receber bem” e “acolher bem” quem chega. “Eu acho que, no mês de dezembro e em janeiro, Fortaleza vai estar pulsante, apesar dos problemas e do caos que o prefeito deixa a cidade”, ponderou ele.
Na leitura de Mesquita, o patrocínio insuficiente é um reflexo da falta de credibilidade do prefeito. “Como ele falou que todo esse recurso era feito através da iniciativa privada, mostra que ele não tem a confiança da iniciativa privada, assim como não teve da população de Fortaleza”, alfinetou.
O formato de três datas era praticado por Sarto desde o ano passado, pois nos anos anteriores, a festividade ocorria entre os dias 30 e 31 de dezembro. A organização da festa era comemorada como uma das maiores do Brasil pela própria gestão.
Na lista de atrações canceladas estão Marisa Monte, Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes, Diogo Nogueira, Simone Mendes, Pabllo Vittar e Taty Girl. Foram mantidas na programação Paulo José, Vanessa da Mata, Paralamas do Sucesso, Pedro Sampaio, Matuê e Henry Freitas.
Credibilidade ameaçada
Julio Brizzi (PT), assim como os companheiros de bancada, chamou a atenção para a falta de organização e planejamento da administração municipal, mas também para uma ausência de compromisso com a política pública.
“Como divulgar um evento dessa importância e tamanho sem ter a garantia de que ocorreria? Ele divulgou o Réveillon 2024 no período eleitoral deste ano com grande alarde como o maior da história e depois que perdeu a eleição descobriu que não tinha meios para realizar?”, questionou o petista.
Brizzi considerou que essa foi uma “tentativa de enganar a população”. E, como produto da medida, classificada por ele como uma “irresponsabilidade”, setores como o hoteleiro e o de eventos ficarão prejudicados. O político afirmou que a festa é o principal evento do ano em Fortaleza e calculou implicações na geração de emprego e renda e na economia devido ao encurtamento.
No fim de 2023, segundo dados divulgados pela plataforma Semrush, iniciativa de marketing digital especializada em visibilidade on-line, Fortaleza apareceu como o destino mais buscado para a festa de Réveillon — superando a procura por lugares como o Rio de Janeiro e Salvador.
Danilo Lopes (PSD) lançou luz sobre o reflexo na credibilidade da cidade em realizar eventos do tipo. Ele apontou que está em jogo, nesta modificação, a programação de vários segmentos. “Muitos já investiram, desde rede hoteleira, ambulantes, comércio e o próprio turista. Além dos próprios artistas que ficam no prejuízo”, enumerou.
Para o vereador, Fortaleza pode até mesmo perder espaço entre os destinos turísticos de fim de ano. “A má fama propaga rápido e vai ser mais um desafio, entre tantos que a nova gestão terá, a recuperação da imagem da cidade”, considerou.
O pré-Carnaval, no início de janeiro de 2025, será o próximo evento que deve movimentar a economia local. Questionado se há potencial para reestabelecer o volume de dinheiro circulando que foi previsto, Danilo foi enfático em dizer que “com certeza não vai recuperar”.
Falta de transparência
Adriana Almeida (PT) pontuou que a “mudança de última hora” tem relação com uma “tentativa desesperada do prefeito em fechar as contas de sua gestão”. “Porém, é importante ressaltar que isso não justifica a falta de transparência e organização para lidar com decisões de grande impacto para a cidade”, criticou.
Para ela, que lidera o grupo oposicionista na CMFor, a festa poderia ser uma oportunidade de fomento à economia local, mas que não se cumpriu. Por outro lado, a política ainda falou sobre a necessidade de descentralização da festa, para que a periferia também possa ser contemplada.
A centralização na Beira-Mar reforça a exclusão de grande parte da população, evidenciando a desconexão do governo com as reais necessidades, principalmente culturais, da cidade.
Ronivaldo Maia (PSD), por sua vez, concordou que a festa não tem sido encarada como uma política pública no mandato do atual prefeito, pelo tratamento dado agora, com essa redução inesperada.
Se tem uma coisa que, lamentavelmente, [aconteceu] no governo do Sarto, foi que erraram o tempo todo na cultura. E nos dois últimos anos foi mais complicado.
Segundo líder, houve 'compromisso' com o erário
Procurado, o líder do governo na Câmara Municipal, Iraguassú Filho (PDT), admitiu que a diminuição do número de dias é mesmo um “prejuízo para a cidade”. Entretanto, o pedetista argumentou que “o prefeito tem o compromisso de não usar nenhum recurso público” na realização do Réveillon.
“Como não conseguiu patrocínio suficiente, ele não poderia segurar o evento”, acrescentou. De maneira otimista e hipotética, ele opinou que, poderia haver um “efeito reverso”, com uma possível adesão de empresas ao evento, no sentido de apoiar e, assim, “recompor” as datas.
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Apesar de não compreender a retração do empresariado, Iraguassú rejeitou a ideia de que possa ter ocorrido uma retaliação ou escanteamento ao prefeito. “Confesso que não entendi qual a razão, porque se for olhar nos sites de busca, Fortaleza é o destino mais buscado”, avaliou. “Se o setor privado faz isso por retaliação, não é contra o prefeito, mas contra a cidade”.
Indagado se houve algum tipo de tratativa entre a Prefeitura de Fortaleza e o Governo do Estado para que houvesse alguma parceria entre os dois entes que viabilizasse a versão estendida do Réveillon, da maneira programada anteriormente, o parlamentar disse não saber dizer se isso aconteceu.