CE, PE e BA: o que as agendas de Lula no Nordeste indicam sobre as estratégias para o ano eleitoral

A nove meses das eleições, o presidente começa a tirar do papel o plano de viajar por todos os estados brasileiros. Primeira rota do presidente incluiu três estados do Nordeste

A passagem do presidente Lula (PT) por Fortaleza, na tarde de sexta-feira (19), marca o primeiro ciclo de viagem do mandatário no ano. Além do Ceará, o chefe do Executivo Federal também cumpriu agenda em Pernambuco e na Bahia. A nove meses das eleições municipais, o político optou pelo Nordeste, onde está sua principal e histórica base eleitoral, para iniciar um novo momento do Governo: onde os roteiros internacionais dão lugar a viagens nacionais.

Por enquanto, o petista não fez movimentos eleitorais explícitos, mas as presenças e as ausências de aliados nas agendas presidenciais indicam o peso da imagem do mandatário para as estratégias eleitorais. Ao mesmo tempo, o foco nas agendas nacionais indica a importância das eleições municipais para a gestão federal, apontam analistas políticos.

“Não surpreende ninguém que o início de um giro nacional do presidente Lula se dê pelo Nordeste, que tem 27% do eleitorado do País, mas deu a Lula, na eleição passada, 69% dos votos. É a única região do País em que o Lula venceu o ex-presidente Jair Bolsonaro e que tem toda uma importância e significado para a vitória dele”, avalia o professor das universidades estaduais do Vale do Acaraú (UVA) e do Ceará (Uece), Marcos Paulo Campos.

Para o cientista político, fica claro que, no ano passado, o foco das viagens do presidente foi a reconstrução da imagem do Brasil na política internacional. Já neste ano, com a eleição se aproximando, a visita ao Nordeste “demarca uma mudança na prioridade da agenda presidencial”, segundo ele . 

Passagem por Fortaleza

Na Capital cearense, a terceira passagem do petista desde que assumiu a Presidência no ano passado ficou presa à agenda anunciada pelo Governo Federal: ele participou do ato formal de instalação do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), na Base Aérea de Fortaleza. Em seu discurso, não fez acenos eleitorais.

Para o cientista político Cleyton Monte, que também é professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), é importante destacar os anúncios de investimentos feitos pelo petista. 

“Não são apenas visitas, são visitas para anunciar investimentos, então são pautas positivas. Mesmo que ele não trate de nomes, finca uma bandeira, fixa o nome dele, reforça o capital político como uma figura importante no jogo político local”, aponta.

“Lula e o Palácio do Planalto sabem que a oposição está organizada no Nordeste e que a eleição de 2024 finca bases para 2026. Ele sabe que Bolsonaro quer ampliar espaços no Nordeste, quer ganhar representação nas capitais nordestinas, então colocou isso como ponto importante. No primeiro ano, ele não deu tanta atenção a essa região, no sentido de se fazer presente, então intensificar isso em um ano eleitoral é estratégico”
Cleyton Monte
Cientista político, professor universitário e pesquisador do Lepem-UFC

Presidente do PT Ceará, Antônio Filho, o Conin, que acompanhou a solenidade na Base Aérea, foi cauteloso sobre uma eventual estratégia eleitoral das visitas. 

“A viagem tem um caráter institucional, são projetos importantes que ele está anunciando no Nordeste (...) Ele lança um novo patamar de projetos estruturantes e modernizadores para a economia do Nordeste e isso acaba tendo, evidentemente, impacto político e eleitoral, mas o Lula não veio especificamente tratar de eleição. No momento certo, cada Estado vai tratar isso com a direção nacional, sobretudo as capitais”
Antônio Filho, o Conin
Presidente do PT Ceará

Por outro lado, de olho justamente nesse capital político do presidente, três dos cinco pré-candidatos do PT à Prefeitura de Fortaleza acompanharam de perto a visita do presidente — a exceção foi a ex-prefeita e deputada federal Luizianne Lins (PT) e o assessor especial do Governo Elmano, Artur Bruno. 

Pré-candidatos em Fortaleza

O presidente do PT Fortaleza, Guilherme Sampaio, e a deputada estadual Larissa Gaspar acompanharam a solenidade da plateia. Quem esteve mais próximo a Lula foi o presidente da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), Evandro Leitão, recém-filiado ao PT. O petista tem acumulado aliados importantes na disputa interna para se viabilizar como o cabeça de chapa, entre eles o ministro da Educação, Camilo Santana (PT), seu principal fiador.

Já a assessoria de imprensa de Luizianne, que trava uma disputa nos bastidores para representar o PT no pleito do próximo ano, justificou sua falta com críticas e acusações ao Ministério da Educação, comandado pelo cearense Camilo Santana (PT).

Em nota enviada ao Diário do Nordeste, a assessoria de imprensa da deputada federal diz que ela foi impedida de entrar no acesso das autoridades e proibida de subir no palco onde estava o presidente na última visita do petista ao Estado, durante evento coordenado pelo Ministério da Educação

“A deputada não irá se submeter a isto novamente, pois já basta de tanta violência política contra ela, que sempre foi apoiadora do presidente Lula, mesmo quando ele estava encarcerado na PF de Curitiba”, conclui a nota.

Aceno aos militares encontros eleitorais

Longe da disputa local, Lula priorizou no Ceará, na Bahia e em Pernambuco agendas que buscam justamente reforçar o relacionamento com um setor sensível em seu governo, os militares. 

“Tanto a estrutura inaugurada em Salvador quanto a chegada do ITA em Fortaleza se relacionam com a Aeronáutica, com as Forças Armadas, mas são relações a partir de projetos estratégicos do Governo, ou seja, a relação que o Lula pretende construir com as Forças Armadas está muito mais ligada a dimensões do seu programa de desenvolvimento”
Marcos Paulo Campos
Professor da UVA e da Uece

“No caso de Pernambuco, a preocupação com o projeto de desenvolvimento passa por um dos símbolos do desenvolvimento nacional, que é a Petrobras, a retomada do investimento em refinarias e a busca por um desenvolvimento nacional que passe também pelo investimento na cadeia do petróleo e na transição energética”, conclui.

Na visita a Pernambuco, onde chegou ainda na quinta-feira (18), Lula  participou do ato de retomada das obras da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Ipojuca. Ao todo, estão previstos investimentos de US$ 17 bilhões até 2028.

Já na manhã desta sexta-feira, ele participou da cerimônia de troca do Comando Militar do Nordeste, em mais uma tentativa de aproximação com militares. Ele também acompanhou a assinatura do termo de construção da Escola de Sargentos entre o Exército e o governo de Pernambuco, comandado pela tucana Raquel Lyra. 

No Estado, o petista fez os acenos políticos mais explícitos da passagem pelo Nordeste. 

“De todas as passagens de Lula por Pernambuco desde que ele foi eleito presidente, essa foi a que teve mais a conotação de articulações políticas. As outras foram agendas claramente de visibilidade e fortalecimento da agenda do Governo, mas, neste caso, as lideranças que foram escolhidas para participar, as reuniões e a agenda que ele construiu foram muito claramente dentro do processo eleitoral”
Priscila Lapa
Professora universitária e doutora em Ciência Política pela UFPE

“Ele declinou do convite da governadora (Raquel Lyra, do PSDB) para um jantar e se reuniu com o prefeito João Campos (PSB) e seu núcleo político mais próximo. Além disso, ele recebeu, no hotel onde ele ficou hospedado, uma série de lideranças estaduais do Partido dos Trabalhadores, justamente para tratar da disputa majoritária no Recife, onde o partido pretende ocupar a vaga de vice do atual prefeito João Campos”, acrescentou Lapa.

Foco na agenda nacional

Na passagem pela Bahia, na quinta-feira, Lula participou da assinatura de um acordo para criação do Parque Tecnológico Aeroespecial da Bahia. O equipamento será implantado na Base Aérea de Salvador e terá como intuito promover ensino e pesquisas avançadas no setor aeroespacial. 

A nove meses das eleições, as articulações em Salvador tem um caráter “sui generis”, como define o cientista político e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Cláudio André de Souza. Com o União Brasil, de ACM Neto, integrando a base do Governo Federal, há articulações em andamento para que o presidente não seja um ator central no palanque do vice-governador Geraldo Júnior, pré-candidato petista à Prefeitura. 

Já municípios como Feira de Santana, Camaçari e Vitória da Conquista devem ser priorizados nas articulações do partido do presidente. Na avaliação de Cláudio André Sousa, levando em consideração a visita de Lula à Bahia, as movimentações do petista no Nordeste não têm um viés eleitoral imediato, mas também não estão “deslocadas das eleições”. 

“Não entendo que seja um cálculo imediatamente voltado para as eleições, é o Governo buscando construir uma estratégia de reorientar as eleições diferente do que foi ano passado, onde o presidente precisou dar conta de uma agenda internacional, projetar o Brasil, refazer toda uma teia de diálogo no âmbito da política externa. Neste ano, ele começa viajando o Brasil, indo aos maiores estados e, obviamente, dando prioridade em obras que têm impacto político”, reforça.

“Isso, inclusive, vem a calhar diante da avaliação de algumas pesquisas de opinião já divulgadas em que o presidente aparece, nos últimos meses do ano passado, perdendo espaço de avaliação positiva de Governo inclusive no Nordeste. Então também tem uma perspectiva de conter danos, de gerar impacto político (...) Acho que ainda podem ter outras visitas, declarações de apoio, vejo que teremos aí mais envolvimento”
Cláudio André de Souza
Cientista político e professor da Unilab

De malas prontas

Embora a relação entre as viagens do mandatário e as eleições municipais deste ano fiquem por conta de ausências, presenças e acenos discretos do presidente, o próprio político já indicou que este ano o foco de seu Governo será nacional. Ao longo do ano passado, o petista realizou 15 viagens ao exterior, em um total de 24 países.

No Brasil, Lula visitou 19 estados brasileiros, deixando de fora de sua agenda Minas Gerais, Acre, Alagoas, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Santa Catarina e Tocantins. Outros estados, no entanto, foram escolhidos mais de uma vez, como Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, onde ele esteve cinco vezes no ano passado. No caso do Ceará, foram duas visitas. Para este ano, os voos domésticos devem ser mais frequentes na agenda presidencial. 

"Se prepare, porque eu viajei muito para o exterior, em 2023, mas ano que vem quem tiver com saudade do Lulinha se prepare, porque eu e a Janja vamos percorrer esse País. Vou dar muito pulinho por aí, porque o país precisa de ânimo, de motivação", disse o petista durante live ainda no ano passado.

Também em dezembro, o político voltou a falar sobre o plano de viagens para este ano. “O ano que vem tem duas viagens que eu quero fazer. Uma é para uma reunião da União Africana, com 54 países, que vai ser na Etiópia. E a outra é na Guiana, uma reunião dos países do Caricom (Comunidade do Caribe). Eu quero participar, porque eu tenho interesse de falar para eles sobre democracia, sistema ONU, financiamento. O restante dos 365 dias, se preparem, porque vou percorrer o Brasil. Eu quero visitar o Brasil”, disse durante o programa Conversa com o Presidente.

Nesta sexta-feira, em Fortaleza, ele disse que iria separar uma semana para viajar pelo Brasil ao lado do ministro Camilo Santana. A meta do presidente é visitar todos os estados brasileiros ainda no primeiro semestre, cumprindo uma ampla agenda de entregas de obras, evitando que as inaugurações ocorram muitos próximas das eleições e possam sofrer limitações por conta da legislação eleitoral.

Colaborou a repórter Ingrid Campos