Veja quanto o brasileiro gasta por ano para provar que é ele mesmo; confira situações

Valor daria para custear uma cesta básica a mais por ano, segundo levantamento da FGV

Escrito por Carolina Mesquita , carolina.mesquita@svm.com.br
Legenda: Uma das formas de autenticação virtual que já vem sendo usada, mas que poderia ser aplicada a um leque expressivo de outros serviços é a biometria facial
Foto: Shutterstock

O publicitário Leonardo Nascimento está se preparando para casar após quase 9 anos de relacionamento. O que ele não esperava, no entanto, é que o processo envolvesse tanta burocracia.

Nascido e registrado em Sobral, o noivo passou dias de preocupação depois que descobriu que precisaria emitir, no cartório de origem, uma certidão de nascimento atualizada para conseguir dar entrada no casamento civil.

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A primeira orientação que recebeu de pessoas que já tinham passado pela mesma situação foi a de que ele teria que entrar em contato o cartório e buscar a nova via ou pedir para enviá-la pelos correios ou através de despachante.

Após muita pesquisa, ele descobriu que poderia solicitar a certidão atualizada em qualquer cartório de registro civil, que este entra em contato com o cartório de origem. Apesar de um pouco mais fácil, o processo ainda demandou esforço.

Achei que seria mais difícil. Não foi tanto por eu ter a sorte do cartório não ser tão longe e pude resolver logo numa manhã lá mesmo. Foi um pouco demorado pela quantidade de gente sendo atendida, mas não chegou a ser estressante"
Leonardo Nascimento
Publicitário

A certidão de nascimento atualizada inclui informações mais recentes no documento original, como casamento ou divórcio, mudança de nome, gênero, entre outros.

Por não ter tido nenhuma mudança do tipo, Leonardo considera a burocracia desnecessária e cara, já que a solicitação custou ao publicitário o valor de R$ 160.

"Eu acho desnecessário ter que atualizar a certidão, sendo que não tive alteração nenhuma para registrar. Seria bem mais prático ter que fazer isso pela Internet sem ter que me deslocar", argumenta.

Custo de autenticação

A necessidade de se provar a identidade é algo mais comum do que se imagina, assim como seus custos diretos e indiretos.

Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em parceria com a empresa de tecnologia Único demostra quem o brasileiro gasta entre R$ 497 e R$ 830 por ano para provar que ele é ele mesmo.

A faixa de valor representa de 38% a 64% do salário mínimo atual, de R$ 1.320. A pesquisa ainda demonstra que o teto do intervalo de gastos é suficiente para pagar mais de uma cesta básica, que custou em média R$ 647,92 em março no Ceará, conforme o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Pedro Henrique Oliveira, Head de comunicação da Único, explica porque a empresa teve a iniciativa de buscar saber quanto esse tipo de despesa representa para a população brasileira.

"Muito se fala no custo-Brasil, que é o custo que uma empresa leva para ser aberta. Mas quanto custa para uma pessoa sair de casa e ir ao banco pegar um cartão? Quanto custa para um trabalhador que consegue um emprego juntar toda a documentação para ser contratado?", questiona.

Ele ressalta que, ao todo, a população brasileira tenha gastado entre R$ 104,4 bilhões e R$ 174,4 bilhões em 2021 com serviços tradicionais de autenticação. A cifra representa entre 1,2% e 2% do PIB nacional naquele ano.

O executivo pontua que esse tipo de burocracia e custo é um entrave na economia, já que esses valores poderiam estar sendo direcionados pelas famílias para outros tipos de despesas que iriam impulsionar a cadeia econômica.

"Eu mesmo, por exemplo, mudei de emprego durante a pandemia e precisei abrir conta em outro banco. Consegui fazer a solicitação da conta toda de forma online, mas depois precisei ir até uma agência, passar duas horas na fila, só para a atendente olhar para a minha identidade e para o meu rosto e comprovar que eu sou eu mesmo", relata Oliveira.

O porta-voz da Único admite que o isolamento social acelerou o processo de digitalização dos serviços, a exemplo da própria possibilidade de solicitar a abertura de um conta-corrente sem sair de casa. No entanto, ele destaca que ainda há muitos processos que poderiam ser desburocratizados, com a mesma segurança, e ainda exigem autenticação presencial.

Confira 10 situações em que é necessário comprovar-se ser você mesmo:

  1. Ir ao banco assinar documentos e/ou liberar cartão de débito/crédito: custo aproximado de R$ 18 por titular de conta.
  2. Assinaturas/registros de contratos de financiamento: custo aproximado de quase R$ 61 para cada brasileiro adulto.
  3. Ir fazer matrícula e/ou solicitar documentos em instituição de ensino: custo aproximado de R$ 30,00 para cada brasileiro com menos de 30 anos de idade.
  4. Deixar de fazer exame/consulta médica por estar sem documento: custo aproximado de pouco mais de R$ 4 por brasileiro.
  5. Assinatura/registros de contratos e escrituras: custo aproximado de quase R$ 37 por cada brasileiro adulto.
  6. Processos de contratação de recursos humanos: custo aproximado de aproximadamente R$ 150 para cada brasileiro na população economicamente ativa.
  7. Deixar de retirar mercadoria por estar sem documento: custo aproximado quase R$ 1,80 por brasileiro.
  8. Deixar de entrar em prédios comerciais por estar sem documento: custo aproximado de aproximadamente R$ 2,40 por brasileiro.
  9. Ir ao cartório assinar documentos: custo aproximado de R$ 18,30 para cada brasileiro adulto.
  10. Ir emitir documentos e exercer cidadania (votar, realizar prova de vida): custo aproximado de R$ 26,40 para cada brasileiro adulto.

Uma das formas de autenticação virtual que já vem sendo usada por alguns bancos, especialmente os digitais, mas que poderia ser aplicada a um leque expressivo de outros serviços é a biometria facial, que consiste em uma foto tirada através de um celular, por exemplo, que compara o arquivo com a base de dados existente.

"O Brasil está perdendo a oportunidade, especialmente com a chegada do 5G, de dar um salto ainda maior na digitalização dos serviços, reduzir gastos e burocracias, sem abrir mão da segurança e privacidade", defende Oliveira.

O executivo da Único detalha que na Estônia, por exemplo, país modelo no assunto, é possível se casar e se divorciar sem sair de casa. Lá, 99% dos serviços públicos e privados são digitais.

"Além de uma redução de custo é uma questão de inclusão social. Acontece de pessoas quererem se matricular em uma universidade e não conseguirem entregar a documentação. O Brasil precisa discutir essa questão a sério", argumenta.

Custos diretos e indiretos

O pesquisador da FGV Renan Gomes Pieri, um dos responsáveis pelo levantamento, explica que a equipe buscou as possíveis situações que exigem autenticação nas relações entre cidadão-Estado, empresa-Estado, trabalhador-empregador e empresa-empresa.

A partir disso, foram listados os processos envolvidos e os custos correspondentes, como cópias, autenticações, registro de contratos, entre outros. Estes foram classificados como custos diretos, já que são inerentes ao processo de identificação.

Além destes, a FGV ainda pontuou os custos indiretos, que inclui o custo de deslocamento, o tempo "perdido" para a resolução do assunto, a perda de produtividade para o trabalhador.

O pesquisador esclarece que um trabalhador de carteira assinada, por exemplo, precisará chegar atrasado e pagar as horas que ficou ausente posteriormente ou ter descontos no salário do mês em função de uma ida a cartório ou banco.

Ao mesmo tempo, quem atua de forma autônoma, tem prejuízo de forma ainda mais expressiva, já que, dependendo da atividade desempenhada, o dia inteiro de trabalho (e ganho) é perdido.

"Assim como o Governo tem discutido políticas estruturais importantes, como a reforma tributária e fiscal, há outras frentes importantes que precisam de atenção como a digitalização da identificação, que poderia gerar um impacto econômico significativo", ressalta.

Pieri estima que, o uso de tecnologia, poderia reduzir a mais de 50% os custos de identificação no País.

Além de mais recursos disponíveis no orçamento familiar e no caixa das empresas, ainda haveria mais valores "sobrando" no orçamento público, que poderia ser direcionado a outras áreas que demandam investimentos.

"Essa digitalização entra numa agenda de aumento de eficiência e de facilitar a vida das pessoas e das empresas. Existe muita burocracia que, no caso das empresas, mobiliza departamentos inteiros, e que faz o cidadão perder muito e tendo que pagar valores altos por serviços. Além disso, a tecnologia seria importante para a redução de fraudes nesses processos e, consequentemente, para evitar prejuízos", conclui o pesquisador.

 

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