Produção de caju no Ceará enfrenta desafios de baixa produção e concorrência com África e Ásia

Um dos principais alimentos produzidos no Estado, castanha tem exportações ainda menores

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(Atualizado às 18:56)
Caju 1
Legenda: Cajucultura tem tido números estagnados — e até menores — de produção nos últimos anos no Brasil
Foto: Gustavo Pellizzon/Diário do Nordeste

caju é um dos principais produtos exportados pelo Ceará, estado que é líder nacional na produção da fruta e, ao lado de Piauí e Rio Grande do Norte, representa 95% de toda a produção brasileira. O dado é da Câmara Temática do Caju do Ceará, órgão ligado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE).

O cenário, contudo, aponta para uma perspectiva desafiadora. a queda na produção do alimento e a participação cada vez menor na economia cearense, mesmo com praticamente dois terços de toda a plantação brasileira no Estado.

A polpa do caju é um pseudofruto chamado de pedúnculo. A castanha, fruto verdadeiro do cajueiro, é o principal produto exportado.

De acordo com os últimos resultados do Produto Interno Bruto (PIB) do Ceará, referentes ao terceiro trimestre de 2023, a produção de castanha-de-caju no acumulado de 12 meses (outubro de 2021 - setembro de 2022) foi de 69,6 mil toneladas, queda de 27,27% em relação ao período anterior (outubro de 2022 - setembro de 2023.

Os dados da Federação da Agricultura e Pecuária do Ceará (Faec), por meio do Centro de Inteligência e Inovação da Agropecuária (Ciiagro), apontam que a queda na produção da castanha, em 2023, foi ainda mais acentuada. 

Produção de castanha de caju no Ceará em 2023 - estimativa
  Produção (toneladas) Variação (em relação a 2022)
Castanha-de-caju comum 20.301 - 18,18%
Castanha-de-caju anão precoce 42.955 - 53,7%

Pé de caju que dava

A diferença entre "comum" e "anão precoce" está relacionada à manipulação genética. O chamado cajueiro comum é aquele encontrado na natureza, mais sujeito a variações climáticas e de terreno, que encontra resistência e alta mudança no cultivo com irrigação.

Já a planta denominada anão precoce e começou a ser desenvolvida na década de 1960 em Pacajus, na Região Metropolitana de Fortaleza. O cajueiro chegou ao mercado nos anos 1980 por meio de clones feitos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), focada em regularidade na colheita e produtividade em tempo menor, além de êxito em cultivo irrigado. 

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No auge da produção cajueira, o Brasil chegou a ser o maior exportador do mundo de castanha-de-caju; hoje, ocupa somente a oitava posição. A liderança está com a Costa do Marfim, na África Ocidental.

Dados do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene), do Banco do Nordeste, apontam que o país africano produziu, na safra 2021/2022, mais de 1 milhão de toneladas do produto.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, o Brasil produziu aproximadamente 148 mil toneladas de castanha-de-caju. O número mostra alta de somente 28,7% em relação a 1985, quando o País colheu 115 mil toneladas do alimento. À época, a produção nacional já era inferior à da Índia (221 mil toneladas).

Cajueiro velho

Ao contrário de outras plantas, o cajueiro teve uma rápida disseminação no território nacional. Isso explica parte do problema com a queda de produtividade do fruto ao longo dos anos, como define José Ismar Parente, presidente da Câmara Temática do Caju do Ceará.

"Tínhamos uma população grande de cajueiro, já chegamos a ter no Estado uma área de quase 400 mil hectares. Hoje, essa área está reduzida a 272 mil hectares. Esse cajueiro comum foi o grande problema, porque é um cajueiro muito velho, de mais de 50 anos. O custo de manutenção desses cajueiros é elevado, e a produtividade deles é muito baixa, mais sujeito a pragas", analisa.

Cajueiro
Legenda: Cajueiros do tipo comum ainda predominam nas plantações de caju no Ceará
Foto: Wandemberg Belém/Diário do Nordeste

A retração da cajucultura no Brasil, embora haja novas tecnologias, impacta com a própria colheita, que pouco avançou nos últimos anos no Brasil. Para Gustavo Saavedra, chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical, faltou êxito nas políticas públicas que modernizassem efetivamente os pomares de caju.

"O Ceará, o estado mais avançado neste ponto, tem um terço da plantação convertida para caju anão precoce, mas para por aí. O pacote de manejo que o cajueiro anão demanda não é extensivamente usado, mantendo a cultura num modelo semi-extrativista, que a mantém no atraso", afirma.

Os produtores não têm treinamento suficiente para usarem a tecnologia, uma vez que as políticas públicas estaduais basearam-se na distribuição de mudas, e não no treinamento intensivo dos produtores.
Gustavo Saavedra
Chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical

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Legenda: Queda gradual na cajucultura no Brasil vai na contramão da demanda internacional, cada vez maior
Foto: Wilson Moreno/Prefeitura de Mossoró

Uso de tecnologia

Segundo Ismar Parente o fruto anão precoce pode, em regime irrigado e em condições climáticas favoráveis, produzir até 10 vezes mais castanha do que o comum.

"Enquanto a média do cajueiro comum se situa em torno de 300 a 600 quilos por hectare, quando é bem estudado e trabalhado, o cajueiro anão precoce, em regime sequeiro, produz 1,5 mil quilos por hectare. Em regime irrigado, pode produzir até 3,5 mil quilos por hectare. A variação do cajueiro comum é muito grande, de clima, terreno e tudo mais. Já o material clonado não, é mais ou menos estável de uma planta para a outra, o que faz com que ele seja trabalhado mais", compara Ismar Parente.

Tamanha produtividade do cajueiro clonado poderia explicar porque o Ceará ainda domina o mercado nacional de exportação do fruto, mas Gustavo Saavedra pondera que o Brasil "perdeu relevância no cenário global" por manter praticamente a mesma produtividade da década de 1980 e ainda permanecer com boa parte da plantação com árvores antigas, de baixa colheita.

"Há ainda 66% da área plantada composta de cajueiros gigantes, com árvores muito velhas e a falta de adoção de tratos culturais, como podas, adubação, correção de solo e controle de pragas e doenças. A não adoção de tratos culturais não acontece só no cajueiro normal, mas também no cajueiro anão. Isso limita a performance desta tecnologia, que deveria produzir acima de 1.000 kg/ha, mas na média cearense não passa de 500 kg/ha", argumenta o chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical.

A estagnação e a queda na produtividade do fruto se explicam nos números divulgados pela Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Ceará (SDA). Em 2023, o Estado produziu 51,4% de toda a castanha-de-caju do Brasil, totalizando pouco mais de 63,1 mil toneladas. O País produziu 122,7 mil toneladas, números bem similares aos observados no início da década de 1980, de acordo com a Câmara Temática de Caju[/citacao]

Castanha-de-caju
Legenda: Principal produto do cajueiro exportado, amêndoa da castanha-de-caju brasileira sofre com forte concorrência da África e da Ásia
Foto: Wandemberg Belém/Diário do Nordeste

Políticas para o fruto nativo

Os dados trazidos pela SDA trazem um contexto diferente para a castanha, que está "em processo de desenvolvimento" no Ceará com novas técnicas de cajucultura, como destaca José de Sousa Paz, supervisor de fruticultura da secretaria.

"O programa de distribuição de mudas com o plantio de mudas de caju anão precoce, mais produtivas, porte baixo, maior facilidade para os tratos culturais e colheita, melhor qualidade do fruto e pseudofruto, tem proporcionado aos agricultores uma maior agregação de valor à cultura. Isso se dá por meio da venda de caju in natura, maior número de pequenas agroindústrias de amêndoa de castanha de caju, cajuína, polpa, doces, sucos entre outros, tendo como consequência maior renda para os produtores", enfatiza.

A iniciativa ressaltada por José de Sousa Paz é o programa coordenado pela SDA, em conjunto com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematerce), que distribui mudas de cajueiro anão precoce desde 2007 para agricultores cearenses. O objetivo é mudar o perfil dos pés de caju, buscando a melhor produtividade com os frutos clonados.

Ao longo de 12 anos (2008 - 2020), o estudo da Câmara Temática do Caju observou uma diminuição, embora ainda tímida, na quantidade dos cajueiros do tipo comum. Em 2008, a proporção era 81% (comum) e 19% (anão precoce); já em 2020, embora a produção do tipo comum era de 66%, frente 34% do tipo clonado.

Produção de castanha no Ceará (2008)
  Área (em hectares) Participação na área total (em %) Produção de castanha (em toneladas) Rendimento médio (kg/ha) Participação total no mercado de castanha (em %)
Cajueiro comum 343.614 89 98,1 mil 286 81
Cajueiro anão-precoce 43.143 11 22,9 mil 531 19

 

Produção de castanha no Ceará (2020)
  Área (em hectares) Participação na área total (em %) Produção de castanha (em toneladas) Rendimento médio (kg/ha) Participação total no mercado de castanha (em %)
Cajueiro comum 177.805 66 36,01 mil 202 42
Cajueiro anão-precoce 92.105 34 49,1 mil 533 58

Segundo José de Sousa Paz, ao longo de mais de 15 anos, já foram distribuídas no Ceará mais de oito milhões de mudas de cajueiro anão precoce, em área ocupada que chega próximo dos 40 mil hectares.

Em 2024, o supervisor de fruticultura da secretaria informa que o programa "distribuirá 500 mil mudas em 96 municípios. As mudas são contratadas pela SDA por R$ 3,80 e repassadas aos agricultores com o mesmo custo. O valor deverá ser ressarcido ao Governo no quarto ano após o plantio".

Mudas de cajueiro anão precoce
Legenda: Mudas de cajueiro anão precoce são entregues a agricultores do Estado
Foto: Governo da Bahia/Divulgação

O número de empresas que beneficiam a castanha também sofreu caiu bastante. De acordo com o estudo da Câmara Temática, somente quatro das 11 companhias que manufaturavam o fruto ainda estavam no Ceará, dependentes de importações do alimento para completar a capacidade de processamento.

"No sentido de reduzir os impactos provocados pela diminuição da oferta de matéria-prima, foi intensificada a importação de castanha in natura da África, a partir de 2010, atingindo o ápice no ano de 2012, sendo o maior percentual destinado ao Ceará. As importações ainda continuam num patamar elevado, considerando que em 2020 foram ainda importadas 38.589 toneladas de castanha", frisa o estudo.

José Ismar Parente vê que, mesmo com a mudança nas plantações para o cajueiro do tipo clonado, com melhor custo-benefício, a oferta de mudas ainda é pequena diante da necessidade de renovação das plantas no território cearense. Para isso, é proposto um programa contínuo, transformando o caju em política de Estado.

"Perdemos uma área grande de cajueiro porque a produtividade do cajueiro era muito baixa. Esse programa de plantios não é de um ano só. A proposta da Câmara Temática é fazer um programa de Estado, para plantar pelo menos 10 mil hectares de cajueiro em 22 municípios por ano onde poderíamos fazer um programa forte de produção e área de cajueiro. Em 10 anos, teríamos 100 mil hectares renovados", vislumbra o presidente da Câmara Temática.

 

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